I Encontro Nacional da Marcha Mundial das Mulheres : a construção

2006-06-23 00:00:00

O I Encontro da Marcha Mundial das Mulheres (25 a 28 de maio) recebeu 460
delegadas de 22 estados e movimentos nacionais em Belo Horizonte (MG).
Pelas alamedas verdes do Sesc Venda Nova circulavam representantes dos
mais variados setores: urbanas e rurais, brancas, negras e indígenas,
jovens e adultas. Nossas cores e nossas vozes circulavam pelos caminhos
arborizados e floridos do Sesc, debates nas filas do refeitório, nos
grupos e plenárias aconteciam. Eram mulheres diversas, porém unificadas
na luta, nas bandeiras, nas ações e na democracia construída
internamente.

Aquecidas pela solidariedade e ao som da criatividade, após a abertura,
quando muitas jovens saudaram alegremente as representantes das regiões
fazendo paródias de músicas famosas, o que se podia sentir era que cada
uma das presentes se sentia em casa, à vontade para se inscrever e dar o
seu recado, apresentar seus sentimentos e dúvidas, falar de suas
experiências e atividades.

Construção política da Marcha

O I Encontro Nacional da Marcha reafirmou o que na prática estamos
construindo: um movimento que opta pela ação coletiva, pela mobilização e
pela radicalização das lutas. Que constrói um feminismo que cabe na vida
de todas que defendem um mundo justo e igual.

Nesse espírito, a presença marcante das mulheres rurais possibilitou uma
análise com um outro ponto de partida, falado em primeira pessoa, os
conflitos vividos no campo tomaram uma outra dimensão e sentidos com a
proximidade e intensidade que de fato eles nos atingem.

Além de ter sido um momento importante para conhecer as ações (e
principalmente as pessoas que as realizam) locais e o que pensam as
militantes em todo o Brasil, o I Encontro se constituiu como espaço de
construção política. Em suas ações cotidianas, a Marcha apresenta
análises da sociedade e afirma que as mudanças precisam vir juntas: a da
estrutura geral da sociedade e a vida das mulheres.

O capitalismo e o machismo se reforçam mutuamente, e neste momento da
história tomam a forma de uma expansão das relações de mercado para toda
a sociedade, para a relação entre as pessoas e delas com a natureza.
O I Encontro Nacional foi construído coletivamente, como são as políticas
e ações da Marcha. Em cada região foi proposta uma maneira criativa e
coletiva para arrecadar os fundos necessários para que as delegadas lá
estivessem.

Atualidade do feminismo da marcha no cotidiano de todas as mulheres
Se defendemos que é preciso transformar toda uma estrutura milenar de
opressão e discriminação para assim mudarmos a vida das mulheres é
necessário também analisar a conjuntura e as demandas que surgem a partir
dela. São vários os temas, lutas que parecem distantes, como nossos
questionamentos à ordem neoliberal mundial, que acabam por se traduzir na
ação local. Para alguns destes assuntos a Marcha já tem opinião e faz
ações, outros são lacunas que nos desafiamos a enfrentar.
Para tanto, é cotidiano o esforço em conseguir unificar o que aglutina
suas ativistas, construindo uma visão global e integral da luta. O
feminismo serve como reflexão sobre a base material das desigualdades e
demonstra que cada vez mais o capitalismo se fortalece, assim como o
machismo. Ao construirmos uma crítica ao global, recolocamos em pauta a
exploração do mercado sobre as mulheres ou no controle sobre nossos
corpos.

Ações globais e locais se encontram

Durante toda a década de noventa o mercado tomou conta da vida das
mulheres. Quando falamos de sementes transgênicas e denunciamos
transnacionais como a Monsanto, na ação local isso se materializa na
defesa de nossos costumes alimentares, na utilização de produtos como o
cuscuz e a farinha de milho e na crítica à monocultura da soja.
Quando construímos uma batucada com jovens mulheres, estamos dizendo que
queremos outras práticas e que não aceitamos a cultura musical machista e
preconceituosa. As batucadas acabam por se transformar em espaços onde as
jovens podem produzir, além da música e da irreverência, debates sobre
seu dia-a-dia e fortalecer suas ações. Discutir o global é um instrumento
de reconstrução de nosso cotidiano.

Os resultados da Campanha pela Valorização do Salário Mínimo, por
exemplo, envolvem todas as mulheres da Marcha. Nossa meta não é somente
alcançar uma política capaz de distribuir renda, mas ao mesmo tempo
construir políticas de distribuição de renda que combatam o racismo, pois
são as negras que estão na base, ganhando menos. Como também é uma
estratégia para questionar o modelo de desenvolvimento do Brasil. Um novo
modelo com o qual seja possível questionar a “instituição” do emprego
doméstico, onde o trabalho doméstico seja compartilhado entre as pessoas
que convivem e com políticas públicas de apoio à reprodução, como creches
e atenção aos idosos. E as mulheres, que hoje só encontram trabalho como
empregadas domésticas podem estudar e encontrar outras ocupações e
carreiras.

Temas para o feminismo

Os temas debatidos nas mesas foram violência sexista, aborto,
prostituição e tráfico sexual, sexualidade, educação não sexista, luta
anti-racismo, mercantilização e livre comércio, soberania alimentar e
reforma agrária, trabalho e igualdade salarial, e reforma urbana.
Os grupos suscitaram debates, testemunhos e propostas. As mulheres saíram
deles com a certeza de que há muito o que fazer, muito a propor e
transformar. Assim como são muitas as denúncias a serem feitas, nos
agarramos em nossa análise feminista, que defende mudanças estruturais
para que as relações entre homens e mulheres sejam pautadas pela
autonomia e cooperação e não na violência e opressão.

Propostas e desafios do I Encontro

A identidade política se concretiza na forma como se organiza um
movimento. No Encontro da Marcha foram debatidas estratégias para
consolidar a organização nos Estados, interiorizá-la constituindo núcleos
nos pequenos municípios, nos bairros e escolas. Além de construir
políticas de auto-sustentação financeira, formação e comunicação.
Entre os desafios postos para Marcha está justamente a ampliação do nível
de organização, com a necessidade real de que exista um comitê da Marcha
em muitas cidades, e que funcione o ano inteiro, não apenas nos 8 de
março e 17 de outubro.

Comitês funcionando regularmente quer dizer que mulheres das regiões irão
construí-los e apresentarão ações e demandas locais. Serão uma
alternativa para muitas mulheres que ainda não conhecem a Marcha ou que
buscam um local de militância. Não são poucas as mensagens que recebemos
de mulheres de diversas regiões do país perguntando onde podem se
integrar à Marcha em sua cidade ou movimento.

Durante o Encontro as delegadas se dividiram em seis grupos para debater
a organização local e nacional. Os grupos apresentaram que é preciso
fortalecer o trabalho urbano e ampliar o intercâmbio entre rurais,
urbanas, indígenas e quilombolas.

Surgiram várias propostas, tanto para a organização como finanças e
política de comunicação. Foi proposta a realização de ações no calendário
feminista realizando chamadas para ações simultâneas os estados. Foi
reafirmada a estrutura de organização: a coordenação nacional formada por
representantes dos comitês estaduais e movimentos nacionais e regionais
que constroem a Marcha, e a coordenação executiva.

Propostas

A sistematização completa dos resultados estará disponível em
www.marchamundialdasmulhers.org assim como o resultado da pesquisa
realizada durante o Encontro. Em Belo Horizonte foi iniciado o processo
de recadastramento dos grupos participantes ativos na Marcha Mundial das
Mulheres. Mas muitos outros grupos fazem parte da Marcha e ainda precisam
enviar suas informações.

Foram apresentadas propostas para que se realizem plenárias estaduais com
periodicidade, funcionamento permanente das batucadas e quando for
possível participar e contribuir nas ações dos movimentos parceiros,
criar Grupos de Trabalho sobre diferentes temas, contribuição financeira
militante dos comitês, grupos, individual de acordo com o grau
organizativo de cada estado, produzir material como agendas, camisetas,
canecas, que fortaleçam a identidade da Marcha, rifa nacional a preços
populares, publicação de jornal para ampla distribuição, com cotas de
venda por estado, estabelecimento da co-responsabilidade entre comitês
locais, estaduais e coordenação nacional no financiamento de nossas
ações.