Forças populares devem se unificar em torno de projeto comum

2006-05-03 00:00:00

Hugo Chávez, Evo Morales, Michelle Bachelet, Nestor Kirchner e Lula. O
cenário eleitoral na América do Sul suscita muitos questionamentos sobre
os rumos políticos do continente. As mobilizações como os levantes
indígenas na Bolívia colocam em pauta o papel dos movimentos sociais
nesse momento histórico. Analisar essas questões que permeiam a
organização popular é algo que o belga François Hourtart faz com
propriedade. "A ascensão de partidos mais a esquerda ao poder cria um
nome panorama, mas não muda as relações de forças sociais", avalia o
diretor do Centro Tricontinental (Cetri), que esteve em Recife (PE) para
participar do II Fórum Social Brasileiro.

Para ele, as experiências do PT e do partido sandinista na Nicarágua são
o reflexo desse cenário. "Eles se transformaram em partidos eleitoreiros.
Fizeram alianças complicadas e perderam o ideal revolucionário", afirmou.
A solução para esse momento, em que os votos predominam sobre os
objetivos dos partidos considerados de esquerda, seria trabalhar o campo
político de forma plural e democrática. "Antes pensávamos em uma
estrutura piramidal e autoritária, de apenas um partido. Mas hoje, para
reconstruirmos o campo político precisamos de uma convergência das forças
populares. Com a globalização, o sujeito histórico não é mais apenas o
operário. Todos são afetados pela lei do capital e por instrumentos como
a dívida externa: os camponeses, as mulheres, o ambiente".

Houtart vê na articulação entre os movimentos sociais e os diversos
partidos políticos o caminho necessário a ser seguido. "Temos que ver o
campo político não só como algo a ser dominado, mas a sua diversidade.
Podemos ter em cada partido uma parte do programa apresentado pelas
forças sociais. Na Europa, por exemplo, temos o Partido Comunista, o
Partido Socialista e o Partido Verde. Em cada um deles estão
personalidades vinculadas a algum movimento de base". Para ele, as
passeatas contra a Organização Mundial do Comércio, que tiveram início em
Seattle (1999) e chegaram a Hong Kong (2005), apontam para a unificação
dessa resistência. "De maneira consciente, percebemos que temos todos o
mesmo adversário. Agora precisamos de uma coerência entre todos os atores
para construir coletivamente um projeto ético, que seja a referência da
dignidade fundamental dos seres humanos".

Pontos de vista

Segundo Houtart, depois da última edição do Fórum Social Mundial, que
ocorreu simultaneamente em Caracas (Venezuela) e em Bamako (Mali), há uma
mudança na percepção da importância do campo político para as relações
sociais. "Claro que temos a influência de um pensamento negativo frente à
política, como ocorre com os zapatistas, no México. Esses movimentos
acham que é possível mudar a sociedade sem tomar o poder. Essa
perspectiva é falsa", disse. Houtart cita o processo de erradicação do
analfabetismo na Venezuela, que só foi possível a partir da iniciativa do
governo.

"Se vissem o poder não como o único instrumento de mudanças, tudo bem.
Toda a ação dos movimentos sociais é um fator importante de mudança
também. Hoje, com a perspectiva da democracia representativa se embasar
exclusivamente nas eleições, isso é compreensível. Mas não é possível
dizer que o setor político não é importante para mudar a sociedade",
concluiu.