Eldorado dos Carajás, um exemplo da impunidade no Brasil
Em 17 de abril de 1996 aconteceu o Massacre de Eldorado de Carajás, no
Pará, que ganhou repercussão internacional e deixou a marca na história
do país, ao lado do Massacre do Carandiru (1992) e da Chacina da
Candelária (1993), como uma das ações policiais mais violentas do Brasil.
Depois de 10 anos da chacina, que matou 19 trabalhadores rurais,
deixou centenas de feridos e 69 mutilados, permanecem soltos os 155
policiais que participaram da operação.
Entre os 144 incriminados, apenas dois foram condenados depois de três
conturbados julgamentos: o coronel Mário Collares Pantoja e o major José
Maria Pereira de Oliveira, que aguardam em liberdade a análise do recurso
da sentença.
"A gente lamenta essa mentalidade de grande parte dos juristas, que acha
que a pessoa deve recorrer eternamente, pela chamada presunção de
inocência. Esse processo acaba gerando impunidade total e absoluta"
afirma o promotor de Justiça do caso, Marco Aurélio Nascimento.
O advogado do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Carlos
Guedes, que acompanhou o caso desde abril de 1996 até o último
julgamento, em maio de 2002 acredita que a Justiça ainda não resolveu o
caso.
Guedes também alerta que existem dois tipos de responsabilidades em
relação ao massacre que a Justiça tem de levar em consideração: as
responsabilidades criminal e política.
"Se todos os que foram denunciados, desde o coronel Pantoja até o último
soldado, tivessem sido condenados, isso por si só seria insuficiente.
Outras pessoas tiveram participação decisiva no massacre, como o
governador (Almir Gabriel), o comandante geral da Polícia Militar e o
secretário de Segurança Pública (Paulo Sette Câmara). Estes sequer foram
envolvidos no caso", contesta o advogado.
Na opinião dos sobreviventes do massacre e dos advogados do MST, a
justiça ainda não veio. As pessoas mutiladas não receberam as
indenizações, sequer as 13 viúvas que tiveram seus maridos executados
naquele dia.
Tanto para o coordenador nacional do MST no Pará, Charles Trocate, quanto
para os mutilados do massacre, o Estado foi o culpado pelo incidente. "A
cultura da violência gera a cultura da impunidade. Carajás evidenciou um
problema em proporções maiores, mas o Estado não foi capaz de criar
instrumentos que corrigissem isso. Primeiro se negou julgar e condenar o
governador, o secretário de Justiça e o comandante geral da PM. Segundo,
nestes 10 anos, não foi produzida nenhuma condenação porque é o Estado
que está no banco dos réus", afirmou Trocate.
Caminho do processo na Justiça
Abaixo, leia a cronologia do processo dos envolvidos no Massacre de
Eldorado de Carajás.
Junho de 1996 - Início do maior processo em número de réus da história
criminal brasileira, envolvendo 155 policiais militares. Em 10 anos, o
processo ultrapassou as 10 mil páginas.
16 de agosto de 1999 - Primeira sessão do Tribunal do Júri para
julgamento dos réus em Belém, presidida pelo juiz Ronaldo Valle. Foram
absolvidos três oficiais julgados - coronel Mário Colares Pantoja, major
José Maria Pereira de Oliveira e capitão Raimundo José Almendra Lameira.
Foram três dias de sessão com cerceamento dos poderes da acusação,
impedimento da utilização em plenário de documentos juntados no prazo
legal, permissão de manifestações públicas de jurados criticando a tese
da acusação e defendendo pontos de vista apresentados pela defesa.
Abril de 2000 - O Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a
anulação do julgamento, decisão mantida em um segundo julgamento, em
outubro de 2000. Antevendo a anulação do julgamento, o juiz Ronaldo Valle
solicitou o afastamento do caso. Dos 18 juízes criminais da Comarca de
Belém, 17 informaram ao Presidente do Tribunal de Justiça que não
aceitariam presidir o julgamento, alegando, na maioria dos casos,
simpatia pelos policiais militares e aversão ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e aos trabalhadores rurais.
Abril de 2001 - Nomeada uma nova juíza para o caso, Eva do Amaral Coelho,
que designou o dia 18 de junho de 2001 como data para o novo julgamento
dos três oficiais. Alguns dias antes do início da sessão, a juíza
determinou a retirada do processo da principal prova da acusação, um
minucioso parecer técnico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
com imagens digitais que comprovavam que os responsáveis pelos primeiros
disparos foram os policiais militares. O MST reagiu e a juíza reviu sua
posição, suspendendo o julgamento sem marcar nova data.
14 de maio a 10 de junho de 2002 - O julgamento foi retomado. Após cinco
sessões, entre os 144 acusados julgados, 142 foram absolvidos (soldados e
1 oficial) e dois condenados (coronel Pantoja e major Oliveira), com o
benefício de recorrer da decisão em liberdade. Em decorrência dos
benefícios estendidos aos dois únicos condenados, as testemunhas de
acusação não compareceram mais ao julgamento, em função de ameaças de
morte e por não acreditar na seriedade do julgamento. Durante vinte dias,
jornais do Estado do Pará publicaram detalhes sobre intimidações e
ameaças de morte que estariam recebendo as principais testemunhas da
acusação, principalmente Raimundo Araújo dos Anjos e Valderes Tavares.
Nada foi feito em relação à proteção e salvaguarda de tais testemunhas. O
MST não aceitou participar de um julgamento onde não estivessem sequer
garantidas a segurança e a tranqüilidade das pessoas fundamentais para a
acusação.
Novembro de 2004 - A 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Pará julga numa
só sessão todos os recursos da defesa e da acusação e mantém a decisão
dos dois julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, absolvendo os 142
policiais militares e condenando o coronel Pantoja (228 anos de prisão) e
o major Oliveira (154 anos de prisão).
22 de setembro de 2005 - O coronel Pantoja é posto em liberdade por
decisão do Supremo Tribunal Federal.
13 de outubro de 2005 - O major Oliveira é posto em liberdade por decisão
do Supremo Tribunal Federal.
2006 - Atualmente aguarda-se o julgamento do recurso especial apresentado
ao Superior Tribunal de Justiça e posteriormente do recurso
extraordinário apresentado ao Supremo Tribunal Federal.