Por uma ética hacker
O ministro da Cultura, Gilberto Gil, propõe um movimento
global pela liberdade digital nos mesmos moldes da campanha
contra a fome
Mesmo dividindo a mesa com ilustres palestrantes, como o
espanhol Manuel Castells, autor de A Era da Informação*, o
ministro da Cultura Gilberto Gil roubou a cena. E com o
aval dos palestrantes convidados para debater a revolução
digital, entre eles Lawrence Lessig, professor da
Universidade de Stanford e especialista em Direito Autoral,
e John Barlow, letrista da banda Grateful Dead e co-
fundador da Eletronic Frontier Foundation. Não é por menos.
O governo Lula adotou oficialmente o software livre e se
comprometeu a difundi-lo em escolas, universidades e órgãos
estatais, movimento que está sendo encabeçado pelo
ministério da Cultura. “O Brasil está sendo protagonista de
uma revolução digital. Bill Gates está com medo do Brasil.
Gil é o meu herói”, relatou entusiasmado John Barlow no
sábado, dia 29, para um auditório lotado.
A louvação do colega de viagens psicodélicas de Timothy
Leary empolgou a platéia, ávida por propostas mais
paupáveis. Em um discurso poético, ministro-artista do
governo brasileiro conclamou os participantes a iniciar um
movimento mundial pela liberdade e inclusão digital nos
mesmos moldes da campanha contra a fome. “Vamos instituir
uma ética hacker. Assumir a mesma postura humanista dos
hackers, que estão sempre pesquisando, inovando,
solucionando problemas através da cooperação e com o único
objetivo de aprofundar e difundir o conhecimento”, bradou.
“Eu sou ministro, sou músico, mas também sou um hacker de
espírito e vontade”.
Gil citou alguns exemplos de prefeituras brasileiras que
também estão engajadas na luta pela difusão do software
livre e de um grupo de músicos de Belém do Pará (norte do
país) que criou um modelo de negócio próprio para gravar
cds e vendê-los sem interferência das grandes gravadoras. A
experiência serve de modelo para que sejam avaliadas formas
de flexibilizar o direito autoral, outra discussão que vem
crescendo em importância. Lawrence Lessig, que estava
presente no painel, criou uma organização chamada Creative
Commons (CC) que mostra quais são as regras para copiar,
reproduzir ou mudar os conteúdos que circulam na internet.
As regras do CC estão hoje sendo usadas pela BBC para
difundir parte de seu arquivo histórico.
Próxima parada
O sociólogo espanhol Manuel Castells acredita que a
iniciativa do governo brasileiro de encabeçar o movimento
pela liberdade digital pode contribuir para mudar os rumos
dos debates na conferência da ONU marcada para novembro
desse ano. “A última reunião de Genebra foi um escândalo.
Todas as discussões giraram em torno do tema “como
controlar a internet”, relatou. “No próximo encontro, é
preciso que os movimentos sociais e países como o Brasil se
unam em torno dessa luta. Criar mecanismos de controle da
internet é o mesmo que criar uma “Interpol” da sociedade da
informação”, argumentou.
* Obra de três volumes - “A Sociedade Rede” (1997) , “O
Poder da Identidade” (1998) e “Fim de Milênio” (1998) - que
aborda todos os aspectos da sociedade da informação a
partir do apogeu das novas tecnologias