Militantes do MST estão presos em Goiás em operação contra a Reforma Agrária
Belchior Viana Gonçalves e Paulo Roberto de Souza são dois agricultores assentados em Goiás, no assentamento Canudos, no município de Guapó, que conta com uma área de 13 mil hectares, dividida entre 329 famílias. Os dois são dirigentes do MST e sempre estiveram à frente da organização do assentamento.
No entanto, desde o dia 13 de novembro do ano passado, Belchior e Paulo estão presos. Sem que haja qualquer prova concreta, eles são acusados de desviar recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Cheque Moradia da Caixa Econômica Federal. A prisão preventiva dos dois foi decretada sem que ambos pudessem se defender.
Nesta quinta-feira (11/4), os advogados de defesa de Paulo e Belchior entraram com um pedido de habeas corpus, solicitando que os dois militantes respondam ao julgamento em liberdade, aproveitando a visita ao estado de Goiás do desembargador Gercino da Silva Filho, da Ouvidoria Agrária Nacional.
O processo que condena os dois militantes não contém nenhum relatório, planilha de cálculos, perícia ou laudo que reúna provas ou comprove algum tipo de crime. O único material que o Ministério Público usou para incriminar as lideranças foram depoimentos, muitos dos quais anônimos.
De acordo com a defesa preliminar dos assentados, esses depoimentos não são suficientes para provar que uma pessoa cometeu crimes e, muito menos, podem ser usados como evidência para pedir a prisão preventiva, pois não apresentam quaisquer provas concretas ou dados.
Segundo Valdir Misnerovicz, da coordenação do MST em Goiás, a prisão de Paulo e Belchior tem como pano de fundo abalar o assentamento Canudos. “A prisão vem da pressão que setores do agronegócio exercem para desarticular o assentamento, deslegitimar a Reforma Agrária e tentar adquirir parcelas dentro do assentamento, pois a terra é boa, a área é bem localizada, com abundância de água. Como Paulo e Belchior são defensores de nosso princípio de que Reforma Agrária não é para comércio, e sim para cumprir a função social da terra, eles se tornaram alvos dessa pressão”.
Acusações infundadas
A Polícia Federal concluiu uma investigação preliminar de Belchior e Paulo, fazendo o levantamento financeiro dos dois e nada foi constatado de irregular ou que provasse a veracidade das acusações. Mesmo assim, os dois continuam presos.
De acordo com a defesa preliminar dos dois, a única explicação para a prisão dos militantes - que são pessoas da vida política do assentamento - é a tentativa de criminalizar o processo de Reforma Agrária na região.
“Estamos diante de facetas de uma política criminal baseada na repressão penal máxima, nas ideologias da ‘Lei e Ordem’ e ‘Tolerância Zero’, na crença de um Estado Social Mínimo calcado num Estado Penal Máximo típico da criminalização dos movimentos sociais, na forma neste caso em tela, da criminalização do Desenvolvimento e do Associativismo da Reforma Agrária”, afirma o documento.
A defesa também aponta que fraudar um programa como o Pronaf “não é algo simples de ser feito".
"Para haver desvio de recursos do Pronaf, é preciso ampla comprovação contábil, com planilhas e laudos periciais legais demonstrando como todo o ‘esquema’ ocorre, diferente do caso em tela, que não há qualquer comprovação legal de qualquer desvio, somente, depoimentos isolados e descompromissados da verdade”, aponta o documento.
Para Valdir, não resta dúvidas de que Paulo e Belchior serão inocentados. “As acusações são infundadas. Estamos na fase do processo de ouvir as testemunhas de acusação, e percebe-se que as denúncias não têm sustentação nenhuma, são todas construídas artificialmente com essa necessidade de desestabilizar o assentamento. Vemos que é uma nova frente de enfrentamento à Reforma Agrária, que tenta imobilizar o processo de produção e organização do assentamento. Agora quer se dificultar o direito de viabilizar economicamente o assentamento, mas o objetivo é o mesmo: impedir o avanço da luta pela terra em nosso país”, acredita.
Valdir Misnerovicz: Judiciário age para bloquear assentamentos em Goiás
Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
Desde novembro do ano passado, Paulo Roberto de Souza e Belchior Viana Gonçalves, militantes do MST e coordenadores do assentamento Canudos, em Goiás, estão presos sob acusações de desvio de verbas o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Cheque Moradia da Caixa Econômica Federal.
No entanto, o processe não contém nenhuma prova concreta, apenas denúncias, muitas das quais anônimas. Para o coordenador do MST em Goiás, Valdir Misnerovicz, a prisão de Paulo e Belchior é uma tentativa de criminalizar a Reforma Agrária e desestabilizar um assentamento já consolidado.
“Vemos que é uma nova frente de enfrentamento à Reforma Agrária, que pretende imobilizar o processo de produção e organização do assentamento. Agora quer se dificultar o direito de viabilizar economicamente o assentamento, mas o objetivo é o mesmo: impedir o avanço da luta pela terra em nosso país”.
Confira abaixo a entrevista de Valdir para a Página do MST sobre a prisão de Paulo e Belchior, a luta pela terra e a importância do assentamento Canudos:
Qual a avaliação do MST sobre a prisão dos dois companheiros?
A prisão deles é uma combinação de vários fatores. Interesses e pressão de fora, com objetivo de desarticular o assentamento e adquirir parcelas dentro dele, pois a terra é boa, bem localizada, com bastante água. Os dois são defensores de nosso princípio de que Reforma Agrária, de que terra não é para comércio, mas para cumprir a função social. Assim, eles se tornaram alvos dessa pressão.
Há também um interesse por parte do Poder Judiciário, para tentar bloquear o processo de criação de assentamentos no estado. Para isso, ele tem desenvolvido um conjunto de ações, se aproveitando dessas denúncias para tentar desestabilizar o assentamento. A forma que encontraram para isso foi acumular um conjunto de denúncias contra Paulo e Belchior para justificar uma ação pública contra eles e o assentamento.
Qual a posição do Movimento sobre as acusações?
As acusações são infundadas. O processo está na fase de ouvir as testemunhas de acusação. Percebe-se que as denúncias não tem sustentação nenhuma, são todas construídas artificialmente com essa necessidade de desestabilizar o assentamento. Vemos que é uma nova frente de enfrentamento à Reforma Agrária, que pretende imobilizar o processo de produção e organização do assentamento. Querem dificultar o direito de viabilizar economicamente o assentamento, mas o objetivo é o mesmo: impedir o avanço da luta pela terra em nosso país.
Estamos seguros em relação ao processo, porque temos certeza que o desfecho irá provar que as acusações são infundadas, não se sustentam. Trata-se de uma ação das forças que não querem o avanço do MST, da luta pela terra e da Reforma Agrária em nosso estado.
Como você define o Paulo e o Belchior?
O Paulo é um companheiro que está presente desde o início da luta pelo assentamento. Sempre cumpriu com suas obrigações e, no assentamento, contribuiu na coordenação interna, defendendo os princípios do Movimento e a causa da Reforma Agrária. Dedicou sua vida não só a sua família ou a si próprio, mas ao conjunto do assentamento.
O Belchior é uma pessoa que teve participação importante desde o início da concepção dessa nova forma de pensar o assentamento. Ele fez uma opção de vida por aplicar a teoria à prática. Acabou se envolvendo a ponto de criar uma relação afetiva com o grupo e fez a opção de viver no assentamento. Fez de sua unidade de produção uma das referências mais importantes que podemos encontrar nos projetos de assentamento, que é uma referencia na forma de ocupação da área, de combinar economia com a preocupação ambiental.
O Belchior mostrou na prática que é possível desenvolver economicamente um projeto de Reforma Agrária. É um exemplo também por fazer muitos estudos, análises e pesquisas para contribuir no desenvolvimento do assentamento.
O assentamento é responsável pela preservação ambiental da área?
Simo O assentamento apresenta uma nova experiência de ocupação da área conquistada. Em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), criamos uma concepção nova de concepção da área, em que discutimos com todas as famílias a melhor forma de ocupação da área e um plano de desenvolvimento. Conseguimos preservar 53% da área como reserva.
O componente ambiental foi significativo. É um assentamento onde não ocorreu nenhuma venda de parcelas, apesar de interesses e pressões externas de adentrar no assentamento.
É também um assentamento que tem um conjunto de experiências de produção e participa dos programas de venda de alimentos do governo, se tornando uma referência em Reforma Agrária, com uma diversidade grande de produção. Tem destaque o leite, milho, aves e hortigranjeiros. Tem sido uma área muito pesquisada, para se pensar a Reforma Agrária no país.
Do ponto de vista político, qual é a importância do assentamento Canudos?
É muito importante. A luta por essa terra é um marco de territorialização do MST, pois conseguimos, por meio da luta contra o latifúndio, envolver mais de 1000 pessoas para que a área fosse desapropriada. Depois de três anos e cinco ocupações, conquistamos um latifúndio de proporção significativa, bem localizado, em torno de 70 Km de Goiânia, com terras férteis.
A área era pertencente a uma família cujo proprietário principal foi presidente da União Democrática Ruralista (UDR) por seis anos. Era um espaço onde a burguesia fazia seus eventos e discutia estratégias para combater a Reforma Agrária. Agora, é onde moram 320 famílias camponesas. É um indicativo de que é possível avançar na luta, mesmo quando se enfrenta forças poderosas como o latifúndio da antiga Fazenda Palmeiras.
Como é a luta pela terra em Goiás?
Goiás está localizado no centro do agronegócio. A estrutura da terra no estado, que tem um dos maiores índices de concentração no Brasil, tem sido construída pelas forças que se opõem à democratização fundiária.
Há uma ofensiva grande do capital internacional e dos grandes proprietários de terras. São essas forças, aliadas com o poder local, que vem sustentando essa estrutura e aprofundando o processo de concentração da terra no estado, que é usado para atender aos interesses do grande capital. O estado é historicamente comprometido com este modelo do agronegócio, então lutar pela terra aqui não é nada fácil.
Qual a posição do governo em relação à luta pela terra?
Do ponto de visto político e ideológico, tem uma força conservadora muito grande. Do lado dos trabalhadores, há muitos limites também, devido à fragmentação das organizações sociais.
O governo federal tem feito pouco no sentido de fortalecer o campo. O Poder Judiciário é a grande trincheira de proteção dos interesses do latifúndio e do capital. Desapropriar uma terra aqui tem sido difícil, tanto que no governo Dilma não saiu nenhuma área em Goiás para fins de Reforma Agrária.
Apesar de todas as dificuldades, estamos fazendo um esforço para reunir as forças de luta pela terra, tentando construir uma aliança com outras categorias de trabalhadores, como os da cidade, mantendo viva a luta pela terra na região.
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Luiz Felipe Albuquerque
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