Acusação do MP é uma farsa, afirma dirigente do movimento

2008-06-26 00:00:00

Normal
0
21

O integrante da direção nacional do MST, Cedenir de Oliveira, radicado no
Rio Grande do Sul, denuncia articulação entre o Ministério Público
estadual, a Brigada Militar e o poder econômico para reprimir as
organizações contrárias o uso da terra à serviço dos interesses do capital
internacional.
 
"O processo do Ministério Público em pedir a dissolução do MST revela um
posicionamento ideológico. Essa acusação de violência é uma farsa".
 
Também ouça no UOL News entrevista de Cedenir e de Jacques Távora sobre a
criminalização do MST no RS, no seguinte endereço:
noticias.uol.com.br/ultnot/2008/06/25/ult23u2495.jhtm
 
Abaixo, confira a íntegra da entrevista com Cedenir de Oliveira, publicada
no Terra Magazine:
 
O promotor do Ministério Público Gaúcho Gilberto Thums qualificou o MST
como "organização criminosa" e "braço de guerrilha". Qual a sua opinião
sobre as essas declarações?
 
Cedenir de Oliveira - O que se apresenta aqui no Rio Grande do Sul é uma
das maiores articulações políticas, jurídicas, econômicas e militares após
a ditadura militar. Essa indignação é por temos feito mobilizações que
questionam a forma como esse modelo econômico está sendo implementado na
nossa sociedade, e sobretudo na agricultura, que entrega aos interesses do
capital internacional a nossa terra e a nossa riqueza. E quem pensa
diferente está sendo tratado como criminoso, como bandido. O processo do
Ministério Público em pedir a dissolução do MST revela um posicionamento
ideológico. Quem fala isso é porque não conhece nossos assentamentos,
nossas escolas e nosso processo de mobilização que viemos construindo no
Rio Grande do Sul durante os últimos 25 anos.
 
Por outro lado, o promotor acusa o movimento de ter métodos truculentos e
violentos durante as mobilizações. Isso é verdade?
 
Diria o poeta que você chama de violentas as águas do rio que tudo arrasa,
mas não chama de violentas as margens que o oprimem. Ontem pela manhã, nós
do conjunto dos movimentos sociais fizemos uma denúncia juntamente com a
denúncia do Ministério Público quanto à forma com que a Brigada Militar
vem tratando os movimentos sociais aqui no Rio Grande do Sul. Essa
acusação de violência é uma farsa. Se pegarmos as imagens de nossas
mobilizações, elas revelam de quem é a truculência. Ele (o promotor
Gilberto Thums) acusou na entrevista que nós teríamos saqueado um mercado.
Isso não é verdade, é uma mentira desse procurador. Nós estávamos fazendo
uma mobilização em frente ao mercado nacional e fomos reprimidos. Num
segundo momento, nós estávamos parados num parque aonde a polícia avançou
e bateu, agrediu, prendeu, os nossos manifestantes. Então, isso revela que
há uma articulação entre o Ministério Público estadual, a Brigada Militar,
o poder econômico do estado para reprimir as organizações que pensam
diferente.
 
Há alguns meses, foram divulgadas imagens da empresa multinacional
Monsanto, instalada no Rio Grande do Sul, que foi totalmente depredada,
ação supostamente feita por integrantes do MST. Aquele episódio não
demonstra um procedimento truculento dos manifestantes?
 
Olha, me parece que precisaríamos de mais tempo para discutir o caráter
das mobilizações, o que significa ações simbólicas que demarcam um
posicionamento a essa atrocidade que está sendo feita aqui. O Ministério
Público deveria investigar os crimes que as empresas de celulose estão
cometendo aqui no Rio Grande do Sul. Tanto é que uma empresa multinacional
já comprou terras próximo à fronteira, o que é ilegal, e isso não está
sendo visto.
 
Mas o senhor não nega que houve aquele episódio.
 
Não. Existe algumas mobilizações como foi o caso das companheiras (da Via
Campesina) que foram até o viveiro da Aracruz onde fizeram uma
manifestação e destruíram as mudas que estariam sido plantadas em terras
onde estaria sendo feita a reforma agrária. Ele (Gilberto Thums) fala de
que não existe terra para a reforma agrária, mas o que estamos vendo é uma
entrega total; foi anunciado que mais de 1 milhão de hectares de terras
serão destinados à produção de eucalipto. O que estamos vendo aqui é essa
articulação que reprime aqueles que denunciam esse tipo de ações que estão
ocorrendo no estado. E a repressão não se restringe ao MST, está recai
também sobre as demais organizações populares do estado.
 
Quais são os procedimentos de uma operação do MST, a partir do momento em
que um território é destinado pela União ou pelo governo estadual a um
assentamento do movimento? O que é feito na terra? Ela torna-se produtiva
logo em seguida?
 
Temos no Rio Grande do Sul mais de 300 assentamentos e mais de 13 mil
famílias que se encontram assentadas. Há todo um processo juntamente com o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que a partir
da posse da terra existe vários deveres com quê os assentado que permanece
na terra deve cumprir: viver da propriedade, usá-la de forma sustentável.
Existem estudos do Incra que indicam que os assentamentos, do ponto de
vista econômico e social, estão numa qualidade de vida muito maior e
melhor do que os pequenos agricultores em torno dos assentamentos. Nós não
temos nenhuma dúvida sobre isso. Quem fala que os assentamentos não dão
certo é porque não conhecem os assentamentos. Nós temos experiências
importantíssimas do ponto vista mão só econômico mas também ambiental.
Somos os maiores produtores de arroz orgânico do Rio Grande do Sul, a
maior experiência da produção de sementes orgânicas de hortaliças estão
nas áreas dos assentamentos; nós temos mais de 2 milhões de litros de
leite produzidos na metade sul do Rio Grande, o que representa 20% da
produção da metade sul do Rio Grande, sem falar do ponto de vista da
educação, da saúde e das pessoas que a partir de agora deixaram de passar
fome e estão novamente inseridas na sociedade. Muitas vezes este aspecto
não é levado em conta, somente quantas sacas por hectare de soja são
produzidas, sem levar em consideração quantas famílias estão estudando,
estão comendo, dormindo e convivendo novamente na sociedade.
 
Isso tudo é distribuído pelo mercado gaúcho?
 
Sim, no mercado gaúcho.
 
Quantos são os integrantes do MST no Rio Grande do Sul?
 
Temos em torno de 13 mil famílias assentadas e 2.500 famílias acampadas no
Rio Grande do Sul.
 
Como o MST vê a questão da propriedade da terra? A terra não deve
pertencer a uma pessoa e sim a todos?
 
Isso é verdadeiro. Partimos do princípio de que a terra é um bem natural,
que não deve servir aos interesses de uma proprietária ou uma empresa.
Para isso ela tem que estar a serviço do desenvolvimento da sociedade. Por
isso entendemos que é incompatível um proprietário deter 100 mil ou 1
milhão de hectares de terra enquanto, em contrapartida, hoje no Brasil há
mais de 5 milhões de pessoas que não têm acesso à terra. Entendemos que a
terra não deve ser da propriedade privada, mas deve servir aos interesses
da sociedade. Ela deveria produzir alimentos, e não produzir
matérias-primas para os interesses do capital internacional.
 
Então, esse é o argumento utilizado quando da ocupação de propriedades
particulares?
 
É. A própria Constituição nos diz que além da produtividade ela deve
cumprir sua função social. Não é somente estar produzindo mercadorias, ela
deve ajudar no processo de desenvolvimento regional, com respeito ao meio
ambiente e às leis trabalhistas. São requisitos que a Constituição nos
garante.
 
Mas as ocupações não transgridem a Constituição?