ONU faz recomendações ao Estado brasileiro no caso Raposa Serra do Sol
Boa Vista, 12 de setembro de 2007. O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU (CERD) emitiu uma carta externando sua preocupação com a situação dos povos indígenas Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingaricó e Patamona da área Raposa Serra do Sol (RSS) que “não melhorou e em alguns aspectos até piorou”. O Brasil é signatário da Convenção CERD e, portanto deve responder às obrigações ali estabelecidas atendendo às recomendações do Comitê.
Em carta datada de 24 de agosto de 2007 e publicada essa semana, o CERD recomendou ao Estado que adote medidas efetivas para responder à problemática da terra e da violência na RSS, e deste modo cumpra com suas obrigações assumidas internacionalmente para o combate à discriminação racial. As suas recomendações específicas são: completar a retirada dos ocupantes ilegais da RSS; garantir a indenização das comunidades indígenas pelo uso ilegal e pelos danos ambientais sofridos com a tal ocupação; e instaurar iniciativas voltadas à prevenção e combate ao preconceito racial, para promover a tolerância e o respeito aos povos indígenas e seus direitos.
O Comitê analisou a situação da TIRSS durante seu 71º período de sessões (de 30 de julho a 17 de agosto de 2007). Com base nas informações prestadas pelo Governo brasileiro em respostas a comunicados anteriores, além das informações prestadas pelos diversos Relatores Especiais de direitos humanos da ONU e por organizações não-governamentais, o Comitê CERD considerou a situação dos povos indígenas da RSS séria e urgente, enviando assim a carta ao Governo brasileiro com observações, pedidos de informação e recomendações. (Anexo documento oficial e tradução não-oficial)
O Comitê solicitou esclarecimentos ao Governo sobre a permanência ilegal de ocupantes não-índios na área e particularmente dos arrozeiros, apesar de esgotado o prazo do dia 15 de abril de 2006 e de inexistentes os obstáculos judiciais para proceder com a retirada total desses indivíduos. O Comitê manifestou sua preocupação com a falta de nova data para ser cumprida a retirada desses ocupantes e recomendou a urgente retirada de todos os ocupantes ilegais da RSS, para fazer cumprir a Portaria 534 e o Decreto de Homologação da TIRSS. O Comitê destacou a decisão do STF determinando a saída dos ocupantes ilegais da terra indígena RSS, mas ponderou a pendência de decisão da Suprema Corte em outras ações que tratam de restrições aos povos sobre a terra indígena.
O Estado brasileiro foi questionado sobre as medidas efetivas tomadas para garantir a segurança das comunidades indígenas e seus membros, visto que casos recentes de violência contra indígenas foram denunciados ao Comitê e outros organismos internacionais de Direitos Humanos. O Comitê inquiriu sobre o envolvimento de autoridades em atos de violência e incitação ao ódio racial perpetrados contra as comunidades indígenas e externou sua preocupação com a falta de investigações e punições dos responsáveis por tais atos. O Comitê ainda alertou para a seriedade das propostas legislativas que tramitam no Congresso brasileiro e que podem restringir os direitos constitucionais dos povos indígenas no país.
O Estado brasileiro deve responder à ONU e providenciar atualizações sobre a implementação de tais recomendações até 30 de novembro de 2007, antes do próximo período de Sessões do Comitê, quando deverá ser decidida as medidas a serem tomadas pelo Comitê no procedimento de alerta precoce e ação urgente pelo qual o Conselho Indígena de Roraima, a Rainforest Foundation-US, o Forest Peoples Programme e o Programa de Direito e Política Indígena da Universidade do Arizona apresentaram conjuntamente suas denúncias e preocupações acerca da situação dos povos indígenas da RSS.
O Conselho Indígena de Roraima acolheu com agrado a carta do Comitê bem como suas recomendações ao Estado brasileiro, nesse momento delicado que vivem as comunidades indígenas da TIRSS. A advogada do CIR, Dra. Joênia Batista, lembra que “as preocupações do Comitê CERD a respeito da segurança dos povos indígenas de Roraima também são compartilhadas com a Comissão Inter-americana de Direitos Humanos, que outorgou medidas cautelares solicitando que o Estado tome as medidas necessárias para proteger a vida e integridade física dos povos indígenas da RSS. O Estado brasileiro também deve responder ao pedido de informação da Comissão dentro dos próximos dias.”
As recomendações internacionais comprovam a seriedade da questão, e reforçam a exigência das comunidades indígenas por medidas concretas do Governo Federal, em nome dos compromissos do Estado com os povos indígenas. Essa semana o Coordenador do CIR, Sr. Dionito de Souza, acompanhado de outras lideranças indígenas, esteve em Brasília para firmar um documento de comprometimento do governo federal com a segurança das comunidades indígenas durante e após a retirada dos ocupantes não-índios resistentes da RSS. O estado de Roraima não pode mais ignorar os direitos constitucionais dos indígenas nem ser refém ou aliado dos arrozeiros e outros ocupantes ilegais que seguem na terra indígena ameaçando postergar as operações do Governo Federal. Apesar das dissidências dos governos locais, de acordo com o CERD, o Governo brasileiro deve atuar para fazer cumprir a lei nacional e internacional de direitos humanos respeitando os direitos dos povos indígenas. O Estado brasileiro responderá como um todo sempre que houver violação.
O CIR acredita que as recomendações do Comitê CERD da ONU servem para somar ao embasamento legal que afirmam os direitos constitucionais indígenas dos povos da TI Raposa Serra do Sol, não restando dúvidas que os julgamentos de ações judiciais pendentes no STF somente tratam de interesses puramente político e individual.
Para maiores informações:
Dionito de Souza Joênia Batista de Carvalho
Coordenador Geral Assessora Jurídica
Conselho Indígena de Roraima Conselho Indígena de Roraima
Tel: (95) 3624 2421 Tel: (95) 3624 2421
Abaixo a íntegra do documento oficial e tradução não-oficial:
Organização das Nações Unidas
Carta do Presidente do Comitê CERD enviada ao Governo Brasileiro
ref.: Povos indígenas da Raposa Serra do Sol- RR
TRADUCÃO NÃO-OFICIAL
24 de agosto de 2007
Para: V. Exa. Embaixador Clodoaldo Hugueney
Representante Permanente da Missão Brasileira
Excelência,
Gostaria de informá-lo que o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial da ONU considerou,
Durante seu 71º período de sessões (de 30 de julho a 17 de agosto de 2007), a situação dos povos indígenas Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingaricó e Patamona da área Raposa Serra do Sol (RSS) no estado de Roraima, à luz das informações prestadas pelo Governo Brasileiro. Informações relevantes ao assunto também foram apresentadas pelos Relatores Especiais da ONU sobre Moradia Adequada como componente do Direito a um Padrão de Vida Adequado, sobre o Direito à Alimentação, e pelo relator Especial da ONU sobre a Situação dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, além das informações conferidas pelo Representante Especial da Secretaria Geral sobre a Situação dos Defensores de Direitos Humanos. Organizações não-governamentais também providenciaram informações relevantes.
O Comitê agradece ao Governo Brasileiro pelas respostas à sua carta de 14 de março de 2007, recebidas em 16 de julho de 2007. O Comitê acolhe a abertura demonstrada bem como as informações prestadas pelo Embaixador de Abreu e Lima Sergio Florêncio durante reunião com o Comitê, no dia 02 de agosto de 2007.
No entanto, em razão das informações disponibilizadas, o Comitê permanece extremamente preocupado com a situação na RSS. O Comitê identifica com apreensão, que a situação não melhorou, e chegou até mesmo a piorar em muitos aspectos, desejando assim receber do Estado parte informações atualizadas sobre os seguintes assuntos:
1. Mais de 80 ocupantes ilegais não indígenas, incluindo grandes plantadores de arroz, ainda permanecem na RSS e continuam com suas atividades agrícolas:
2. Ainda não foi indicada uma data certa para a completa e final retirada dos ocupantes ilegais não-índios da RSS, que deveria ter ocorrido em 15 de abril de 2006;
3. Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal determinando que os ocupantes ilegais devem sair da área ser positiva, a petição interposta pela Advocacia Geral da União com vistas a revogar as duas Leis Municipais que restringem a área da terra indígena permanece pendente na Suprema Corte;
4. Nenhuma medida específica foi tomada por autoridades locais ou federais para proteger os povos indígenas desde a última data de consideração dessa situação pelo Comitê. Esse fato é particularmente preocupante porque, de acordo com as informações recebidas de diversas fontes pelo Comitê, casos de violência contra membros das comunidades indígenas aconteceram muito recentemente, inclusive com a alegada participação de autoridades locais.
5. Nenhuma informação sobre denúncias, investigações e condenações foi providenciada ao Comitê, apesar dos casos de violência contra membros das comunidades indígenas, conforme acima mencionados, terem sido comunicados às mais altas autoridades políticas e judiciais do Estado parte, fato que reflete o atual clima de impunidade e;
6. Confirmação de que emendas à Constituição estão sendo consideradas pela Câmara dos Deputados, com vistas a reduzir as proteções constitucionais das terras indígenas.
Além disso, tendo em mente sua Recomendação Geral 23 sobre direitos dos povos indígenas, e relembrando que apesar de sua estrutura federada o Estado-parte é um único ente sob o Direito Internacional, e tem por obrigação implementar a Convenção em todo o seu território, o Comitê também recomenda ao Estado brasileiro que:
1. Complete com urgência a retirada final e completa de todos os ocupantes não-índios da RSS, implementando assim a Portaria n. 534 e o Decreto Presidencial de homologação de 15 de abril de 2005, vez que todos os impedimentos legais já foram revogados;
2. Assegure, através de medidas federais e estaduais adequadas, a segurança de todos os membros das comunidades indígenas, bem como o exercício de seus direitos estabelecidos nesta Convenção. Essa recomendação deve incluir todas as ações necessárias para evitar possíveis violências durante a retirada final dos ocupantes ilegais da RSS. Postos da Polícia Federal devem ser reabertos para que o Estado efetivamente implemente suas obrigações garantindo a segurança de todos os membros das comunidades indígenas, como determina o artigo 5 (b) da Convenção;
3. Garanta à luz da Recomendação Geral CERD n. 31 sobre a prevenção da discriminação racial na administração e no funcionamento do sistema de justiça criminal, que a falta de investigação ou processamentos não seja decorrente do preconceito da polícia local ou de autoridades judiciais contra as comunidades indígenas, ou em razão de sua cumplicidade com os perpetradores de tais atos violentos contra aquelas comunidades. Uma investigação federal ajudaria a esclarecer tais alegações;
4. Providencie indenização adequada às comunidades indígenas pelo uso ilegal de suas terras e pelos danos ambientais sofridos, cumprindo assim a obrigação assumida pelo Estado brasileiro sob o dispositivo do artigo 6 da Convenção;
5. Investigue, processe e condene as pessoas responsáveis pela disseminação de idéias baseadas em ódio e superioridade racial, bem como os responsáveis por atos de violência ou incitação à violência contra os povos indígenas da RSS, como determina o artigo 4 da Convenção;
6. Previna e combata o preconceito que leva à discriminação racial, e informe sobre as medidas adotadas para promover a tolerância, particularmente no campo da educação, e através de campanhas de conscientização, inclusive nos meios de comunicação locais, de acordo com o artigo 7 da convenção.
De acordo com o artigo 9(1) da Convenção e o artigo 65 de suas Regras de Procedimento, e adicionalmente ao seu pedido de informação sobre qualquer acontecimento relevante referente a retirada de todos os ocupantes ilegais não-índios da RSS, o Comitê solicita que o Estado providencie informação detalhada sobre a implementação das recomendações acima mencionadas, até 30 de novembro de 2007, para posteriormente decidir sobre qualquer ação a ser tomada sob seu procedimento de alerta precoce e ação urgente.
Permita-me, Excelência, reiterar o desejo deste Comitê em continuar com o diálogo construtivo com o seu Governo, e estressar que as observações, pedidos de informações e recomendações deste Comitê são feitos com o intuito de auxiliar seu Governo na efetiva implementação da Convenção.
Sinceramente,
Régis de Gouttes
Presidente do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial