Compromissos para o futuro
Ao que tudo indica, quando o Secretario-Geral das Nacoes Unidas deicidiu chamar uma Cupula Mundial da Sociedade de Informacao (CMSI) nao esperava que a movimentacao fosse tao intensa e gerasse tanta participacao e atencao. Varios paises haviam se dado conta que o futuro passaria pela internet, tanto em questoes de poder quanto de desenvolvimento. A pressao na epoca foi devido aa convergencia digital, que jah apontava uma possivel mudanca radical na forma como governos se relacionariam com governados, bem como empresas com seus clientes e empregados. A organizacao que foi selecionada para conduzir a CMSI foi a International Telecommunications Union (ITU), talvez a instituicao, em todo o sistema ONU, com maior presenca do empresariado em suas discussoes e definicoes.
Imediatamente apos o anuncio a iniciativa, la pelos idos de 1998, as Organizacoes Internacionais da Sociedade Civil (OISC) se articularam para reclamar uma participacao mais forte nessa que seria, talvez, a Cupula mais importante da ONU por muitos anos, tendo em vista as possibilidades que se abrem com a revolucao das NTICs - Novas Tecnologias de Informacao e Comunicacao, tanto para o bem quanto para o mal. E eis que a ITU e a propria ONU tiveram que abrir um processo mais participativo e multistakeholder approach para dar conta dos grupos de pressao que se articularam por todos os lados. Ainda se trata de um forum de decisao intergovernamental, mas ficou claro que a politica na Modernidade nao eh algo que possa ficar restrita a Estados e muito menos a Governos.
As expectativas das OISCs eram muito grandes. Vieram aa tona temas tao diversos quanto genero, ICT4Dev (NTICs para o Desenvolvimento), exclusao digital, universalizacao da educacao, acesso, infra-estrutura de telecomunicacoes, software livre, Direitos de Propriedade Intelectual, Direitos aa Comunicacao, multiculturalismo, diversidade, preservacao de linguas nativas, NTICs para pessoas com deficiencia etc. Enquanto isso, a ITU tentou concentrar a pauta em duas questoes primordiais: governanca da internet e financiamento para infra-estrutura de telecomunicacoes.
Governanca da internet eh um tema que interessa a muitos governos, jah que atualmente a organizacao responsavel por administrar a concessao de dominios - especialmente os macrodominios como o .br do Brasil e os .com das empresas ou .org das organizacoes sem fins lucrativos - eh sediada na California (EUA) e atua sob um contrato com o Departamento de Comercio daquele pais. Trata-se da ICANN - International Corporation for Assigned Names and Numbers (www.icann.org). Alem disso, existem 13 roteadores-raiz da internet no mundo, sendo que 10 deles se localizam nos EUA. Eh por onde passa todo trafego de dados da rede.
Ha outros roteadores, chamados espelhos, que repetem todos os dados de um roteador-raiz, mas ficam na dependencia destes para eventuais atualizacoes, o que pode significar seu isolamento no caso de uma crise. Ou seja, na pratica, ainda que pareca dificil algo assim no presente, os EUA podem impedir todo um pais de manter sua internet em funcionamento e retirar 'do ar' todos os sites com o sufixo de uma nacao, por exemplo.
Claro que outros paises ficam incomodados com isso. Sao dois tipos de nacoes preocupadas com a concentracao da internet nos EUA e o controle ser fora da sua regulacao nacional: os que se importam realmente com modelos mais democraticos e participativos de acao no campo da Sociedade da Informacao; e os governos interessados em exercer sobre a internet o mesmo nivel de censura e controle que mantem sobre os meios tradicionais de comunicacao. O Brasil, gracas a Deus, se encaixa no primeiro grupo.
O tema do financiamento eh do maior interesse das empresas que oferecem servicos e equipamentos, pois pode significar compras imensas e grandes negocios a partir de recursos doados por paises e outras empresas Alem da possibilidade de aumentar a base de consumidores que passariam a integrar o que eh designado pela ITU como 'information rich people', o contrario de 'information poor people'. Sociedade da Informacao eh um termo que define com clareza isso: o poder financeiro, militar e de desenvolvimento nao estah mais nas propriedades agropecuarias nem nas industrias, mas sim na producao, disseminacao, uso e apropriacao da informacao.
Ambos os temas principais da pauta proposta pela ITU ficaram em aberto apos essa segunda fase da CMSI, e todos se sentem de alguma forma atendidos e prejudicados, como eh comum em decisoes de nivel global, diplomaticas e sobre temas de tamanha complexidade. A delegacao brasileira, enviada pelo Ministerio das Relacoes Exteriores e acompanhada por representantes do setor privado e da Sociedade Civil, exerceu um papel da maior importancia para forcar os EUA a abrirem a possibilidade de um forum para discussao sobre a governanca da internet, que deve acontecer em 2006 na cidade de Atenas, Grecia. As vezes, na busca da democratizacao da internet, o Brasil se viu em mah companhia, lado a lado de nacoes como China e Cuba, conhecidas pela censura que exercem sobre seus cidadaos tambem na rede mundial de computadores.+
Quanto aas demais preocupacoes das OISCs, varios fatos novos aconteceram:
1. O aprendizado proporcionado pelo trabalho conjunto e pela convivencia com os processos de negociacao na arena da Governanca Mundial, em orgaos como a ONU e ITU;
2. A exposicao dos temas de interesse da Sociedade Civil junto ao setor privado e governos, o que os obrigou a mudarem pelo menos o discurso e sairem das estereis discussoes tecnicas para o campo da tecnologia como algo que nao eh absolutamente neutro, tem uma intencionalidade tanto no seu desenvolvimento, producao, comercializacao e uso;
3. A possibilidade de agir, se expressar e ser ouvida em areas antes restritas a governos e lobistas que falavam ao ouvido de burocratas governamentais. Isso para nao nos estendermos muito