Brasil: A primeira Conferência Nacional de Comunicação. Pela universalização da comunicação

2009-03-03 00:00:00

Entrevista especial com Carolina Ribeiro

Se o espectro do rádio e da TV são públicos, por que pouco temos voz dentro deles? E por que não nos escutam quando pretendemos debater o teor do conteúdo veiculado? Há anos, questões éticas e de direitos humanos estão necessitando de um debate no que diz respeito à comunicação no Brasil e suscitam um retorno do governo federal. Durante o Fórum Social Mundial deste ano, essa resposta finalmente veio: o presidente Lula anunciou que convocaria para 2009 a primeira Conferência Nacional de Comunicação.

A IHU On-Line aproveitou o anúncio e conversou com a jornalista e coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Carolina Ribeiro, sobre as discussões em andamento que devem pautar essa primeira conferência e os objetivos desse encontro. Segundo Carolina, as conferências foram uma grande bandeira deste governo para “conversar” com a sociedade, porém a de Comunicação só saiu por pressão, pois diversos setores do governo estão vinculados a algum veículo de comunicação. “O que defendemos é um controle social sobre o uso das concessões. Achamos necessário e fundamental que a sociedade participe de alguma forma do uso dessas concessões”, afirmou ela nesta entrevista realizada por telefone.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como estão as negociações para a realização da I Conferência Nacional de Comunicação?

Carolina Ribeiro – No dia 28 de janeiro, o presidente Lula anunciou, numa coletiva de imprensa que aconteceu depois do encontro dos presidentes que ocorreu no Fórum Social Mundial, que realizará neste ano o Fórum Nacional de Comunicação. Já havia uma articulação da sociedade e dos movimentos sociais desde 2007 para reunir em Brasília uma comissão para a conferência. Nós comemoramos muito o fato de esse anúncio ter acontecido e ter sido feito durante o Fórum Social Mundial. Inclusive, foi lá que fizemos a primeira plenária da comissão, depois do anúncio de que a conferência seria mesmo realizada. Depois do FSM, tivemos uma audiência com quatro assessores do Executivo Nacional: Marcelo Bechara, do Ministério das Comunicações; Diogo Santana, chefe de gabinete de Gilberto Carvalho (que, por sua vez, é chefe de gabinete de Lula); Gerson de Almeida, da Secretaria Geral da Presidência; e Sylvio Kelsen Coelho, da Secretaria de Comunicação Social.

Além disso, participaram outros dez representantes da sociedade e, assim, iniciamos o debate para construir a conferência. Nessa primeira reunião, ficamos de apresentar para o Executivo uma proposta de temário de objetivos e calendário e de grupo de trabalho. Enfim, a proposta da sociedade para compor o grupo de trabalho que vai detalhar todos os aspectos da conferência. O governo recebeu nossa proposta e ainda tivemos um retorno de quando irá sair o decreto de convocação e o quanto da nossa proposta foi aceita. Esperamos que, na próxima semana, já tenhamos esse retorno e, com isso, possamos começar a organizar a conferência, mobilizar as comissões estaduais etc. É nesse ponto em que, atualmente, estamos em relação à Conferência Nacional de Comunicação.

IHU On-Line – Por que o governo Lula resistiu tanto em convocar a Conferência?

Carolina Ribeiro – Foi uma grande bandeira desse governo a participação popular por meio de conferências. Cerca de 50 conferências já foram realizadas. Só que a comunicação é um tema um tanto “espinhoso”. O Ministro das Comunicações é um representante declarado dos interesses dos radiodifusores comerciais, que têm uma influência muito grande no Congresso e no próprio Executivo. Além disso, envolve interesses políticos dos próprios políticos, que são, muitas vezes, donos de rádios e TVs grandes, o que dificulta qualquer debate mais profundo de democratização, de construir diretrizes políticas públicas para essa área. Então, por esse motivo, o governo resistiu por tanto tempo, mas por pressão da sociedade, a partir dos vários encontros que fizemos para mostrar a vontade da população em discutir esse tema, conseguimos inclusive que alguns empresários se posicionassem em favor da conferência. O clima de “todo mundo quer a conferência” foi uma pressão demais para que o presidente continuasse se omitindo em relação a esse processo. E aí, finalmente, esse anúncio da convocação saiu agora em janeiro.

IHU On-Line – Os movimentos sociais tratam o direito da comunicação como um direito humano, porém, via de regra, compreende-se os direitos humanos como aqueles direitos básicos de saúde, educação, alimentação. A senhora poderia explicitar essa tese?

Carolina Ribeiro – Não existe uma visão geral de compreensão de todos os movimentos sociais defendendo o direito à comunicação de uma forma única. Para o Intervozes, o direito à comunicação abarca a garantia a pluralidade e a diversidade de vozes em todos os níveis, desde a difusão até o acesso. Essa bandeira máxima passa por diversos debates, como a democratização do espectro da radiodifusão, pois hoje você tem uma mídia extremamente concentrada na TV. Essa é uma parte do direito à comunicação. Outra parte vai em outra direção: a universalização da banda larga. Com esse direito, todas as pessoas terão acesso à informação de uma forma geral. Então, temos uma série de bandeiras para se garantir acesso, produção e difusão de comunicação para a população como um todo e, desta forma, construiremos um regime de comunicação democrático e plural.

"O direito à comunicação abarca a garantia a pluralidade e a diversidade de vozes em todos os níveis, desde a difusão até o acesso"

IHU On-Line – Qual é o marco regulatório básico que os movimentos sociais defendem para a área da comunicação?

Carolina Ribeiro – Assim como o próprio direito à comunicação é complexo, não existe um marco regulatório básico. Existe a necessidade de ter esse marco regulatório que dê conta da convergência e a digitalização que vem por aí, que dê conta do fato de o Brasil ter 99% das residências com televisão, mas apenas 20% têm acesso à internet. Esse marco precisa abarcar, de alguma forma, todas essas frentes que a comunicação trabalha. Temos uma série de reivindicações, que estão concentradas num plano nacional de direitos humanos, mas são vários setores reivindicando coisas específicas, marcos e diretrizes gerais.

IHU On-Line –  Está na pauta dos movimentos o pedido de cassação de concessão de canais de TV?

Carolina Ribeiro – O que defendemos é um controle social sobre o uso das concessões. Achamos necessário e fundamental que a sociedade participe de alguma forma do uso dessas concessões. Em novembro, houve duas audiências públicas grandes sobre o uso das concessões da Globo, Record e da Rede TV. Essa é uma forma de exercermos esse controle social. A partir disso, apresentamos um dossiê com denúncias de que essas e outras emissoras veicularam conteúdos que violaram direitos humanos, a porcentagem de publicidade, entre outros. É importante que haja debate nesse sentido, para que a população possa dar sua opinião.

IHU On-Line – No Brasil, quais as mídias, em sua avaliação são mais perniciosas para a formação do povo brasileiro?

Carolina Ribeiro – A tendência da mídia comercial, como um todo, é mostrar um lado da vida, das coisas. A história do MST é clássica: quando ele ocupa uma fazenda improdutiva, a mídia o criminaliza e diz que ele invadiu a terra. A mulher, quando retratada na televisão, é apenas bunda, peito e burra. O negro é sempre o bandido, o motorista ou empregado. No geral, o conteúdo tende a ser numa direção única, sem distinções entre canais. Isso prejudica a pluralidade, não dá conta da diversidade da cultura brasileira, o que acaba prejudicando a democracia e a formação de um povo como um todo.

IHU On-Line – A I Conferência Nacional de Comunicação pode significar mudanças reais na política de comunicação do país?

Carolina Ribeiro – As conferências têm, cada uma, um processo diferente. A nossa é a primeira. Nós vamos enfrentar uma conferência um pouco diferente, porque ela vai ter a presença de empresários da comunicação e o próprio ministério das Comunicações alinhado com esse empresariado. Quem executa "Não podemos ser ingênuos a ponto de achar que a conferência vai fazer a revolução da comunicação"

as políticas, deliberações e resoluções das conferências é o Executivo. Não podemos ser ingênuos a ponto de achar que a conferência vai fazer a revolução da comunicação. De qualquer forma, será um processo muito importante porque vai pautar a comunicação na sociedade, mobilizá-la para discutir a comunicação e pensar esse setor como um direito. Só esse processo de construção e discussão da pauta já é um grande avanço, porque não conseguimos ver um debate sobre comunicação na mídia, porque a ela não interessa esse debate. É possível que algumas das deliberações e diretrizes apontadas sejam implementadas, mas isso irá depender muito do Executivo.

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)

http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=349836