Porque protestamos em Hong Kong

2005-12-19 00:00:00

No momento da abertura oficial da 6a. Reunião Ministerial da OMC em Hong Kong, movimentos e organizações da sociedade civil de todo o planeta estarão protestando, em marcha a ser iniciada no Victoria Park. Contra os possíveis rumos desta reunião, e contra a agenda da OMC que só pode beneficiar as grandes corporações, a marcha tem como slogans principais o pedido aos delegados na reunião oficial para que “fiquem ao lado de seu povo”, “pela rejeição da rodada anti-desenvolvimento da OMC” e “nenhum acordo é melhor que um mau acordo”. A Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), assim como a aliança continental à qual ela se filia, a Aliança Social Continental, estarão presentes, marcando a adesão dos movimentos sociais do continente ao evento. Aliás, a representação da sociedade civil brasileira em Hong Kong, composta de 27 membros, incluindo a CUT, a CONTAG, a FETRAF, o MST, o Movimento de Mulheres Camponesas, o IDEC e outras organizações é de longe a maior delegação latino-americana presente ao evento, onde estará lado a lado com milhares de ativistas de todo o mundo.

E por quê estamos protestando?

O direito de proteger a agricultura familiar e camponesa e a segurança alimentar e nutricional dos países em desenvolvimento encontra-se ameaçado pelas negociações em curso no âmbito da OMC, que longe de se preocuparem com esses temas, priorizam a ampliação da liberalização que beneficia as grandes tradings comerciais internacionais. A esse respeito, mesmo o G-20, grupo do qual o Brasil faz parte, busca apresentar propostas no sentido de definir produtos especiais e salvaguardas que possam representar defesas face ao risco da liberalização absoluta.

Não se trata também de fazer mais concessões na área de bens industriais que podem complicar ainda mais a já difícil situação do emprego no país, e que tem aparecido nas discussões como a possibilidade de reduções bruscas de tarifas, ou ainda de usar as fórmulas de redução sobre as tarifas efetivamente praticas, em geral bem menores do que as consolidadas (registradas na OMC, e que apresentam margem para poder defender alguns setores, caso necessário). Essas concessões também podem gerar novas pressões para redução dos salários, uma vez que reforçarão o chamado “discurso de competitividade”.

Tampouco é possível fazer novas concessões na área de serviços, quando o país ainda se debate com o processo de desregulamentação dos anos 90, que gerou enormes prejuízos na prestação de serviços públicos de qualidade, e resultou em um grande e indefensável aumento de tarifas que apenas garante os lucros das empresas que participaram das privatizações. A União Européia aqui tem insistido na discussão de parâmetros para a ampliação da abertura em serviços, o que se contrapõe inclusive à fórmula tradicional de pedido e oferta, país a país, que rege essa negociação, desde que iniciada.

Menos ainda novas concessões em propriedade intelectual que atentem contra os programas sociais de distribuição de medicamentos ou de recolocar de forma aprofundada o tema de compras governamentais pela janela aos 45 minutos do segundo tempo, como uma forma de demonstração de boa vontade, mas abrindo caminho para perder a autonomia de usar esse mecanismo para alavancar o desenvolvimento local e nacional.

O Brasil deve exercer o direito de defender a saúde pública, a indústria nacional, a agricultura familiar e o amplo acesso a medicamentos, e não ceder às constantes pressões da indústria farmacêutica, representada nas negociações por países como os EUA.

Insistimos em tentar alterar esse cenário previsível para que a lógica das negociações de comércio internacional possa ser profundamente alterada no sentido de atender aos interesses dos povos, e por isso nos manifestamos e protestamos. Isso pode evidenciar a lógica de mais e mais concessões que a OMC impõe aos países menos desenvolvidos e colocar em discussão a própria OMC. O caminho de tentar maquiar o fracasso e os limites da negociação até o final do ano – reforçado pela pressão dos setores nacionais que se dispõem a resumir a política de negociação do país a uma tentativa de conseguir vantagens setoriais de mercado em troca de enormes concessões – só acabará impondo novas perdas.

Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2005

Rede Brasileira pela Integração dos Povos – REBRIP