Hong Kong: Divergências se cristalizam e trem da OMC segue parado

2005-12-19 00:00:00

A medida que a 6a reunião ministerial de Hong Kong vai se encaminhando para o final, todos os movimentos tentados pelos negociadores parecem indicar que, caso os governos consigam elaborar uma declaração ministerial, esta deverá ser muito esvaziada.

No que se refere às negociações agrícolas, consideradas centrais para qualquer possibilidade de acordo, o principal negociador europeu, Peter Mandelson, em reunião com o G-20, reduziu drasticamente as já combalidas expectativas de entendimento, quando deixou claro que nesse momento não concorda sequer em estabelecer uma data para discutir o início da eliminação dos subsídios à exportação – a proposta defendida por um grupo cada vez maior de países, inclusive o Brasil, é de eliminação até 2010. O impasse praticamente inviabiliza o prosseguimento das negociações previstas para a reunião ministerial.

Diante deste cenário, foi aberta a temporada de troca de acusações e tentativas de responsabilização de países ou grupos de países pelo fracasso da reunião, que sinaliza uma crise mais profunda da OMC – afinal, a ministerial de Hong Kong seria a terceira de uma coleção de fracassos inaugurados em Seattle (1999) e depois em Cancun (2003). Embora haja uma forte tendência de responsabilização da UE pelo fracasso anunciado, é preciso notar que os EUA têm feito promessas de cortes de subsídios e de ajuda aos países pobres que o Congresso norte-americano muito provavelmente não aprovaria. Também está nas mãos do Congresso a aprovação de cortes dos subsídios ao algodão, que se tornou um dos principais temas de desacordo em Hong Kong; afinal, os países africanos exportadores de algodão esperavam no mínimo sair desta ministerial com uma definição da OMC que apontasse para a reversão das distorções no comércio internacional deste produto e das enormes perdas de receitas dos africanos em prol dos lucros dos produtores dos EUA, alavancado pelos preços mínimos garantidos a seus produtores. Ainda na área agrícola, a partir de forte demanda liderada por Honduras, depois estendida a outros países da América Central e África, a banana também foi levantada como um problema devido às altas tarifas aplicadas a entrada do produto no mercado europeu.

Em Serviços a novidade ficou por conta do texto alternativo preparado pelos países menos desenvolvidos (PMDs), que não estavam satisfeitos nem com o conteúdo nem com a forma como o texto atual foi apresentado. Aqui, os negociadores brasileiros parecem vacilar, receando que a posição dos PMDs, que tem o suporte de outros grupos, possa fazer retroceder as discussões trazendo de volta a discussão dos benchmarks (parâmetros) que tanto interessa a UE. Em NAMA, seguem as polarizações de posições entre a fórmula suíça e ABI (proposta apresentada por Argentina, Brasil e Índia), sendo que esta última passou a ser apoiada por um grupo mais amplo de países menos desenvolvidos.

A grande novidade desta reunião parece ser a formação de uma aliança que reúne os países do G-20, G-33, ACP, PMDs, Grupo Africano, que estaria sendo batizado de G-110. Este grupo de países do Sul trabalha com a perspectiva de consolidação de um acordo identificando pontos comuns entre esse amplo conjunto de países, que pode incluir as propostas de completa eliminação dos subsídios à exportação dos países ricos até 2010, a redução das medidas de apoio doméstico distorcivas, que “inibem o crescimento das exportações e a possibilidade de prover espaço político que garanta desenvolvimento sócio-econômico sustentável”, além de linguagem sobre a importância dos produtos especiais e das salvaguardas como meios de assegurar a segurança alimentar, o desenvolvimento rural e o modo de vida sustentável no campo (livelihood) dos países em desenvolvimento, no pilar de acesso a mercados. Outros possíveis pontos de acordo são o suporte a demanda de acesso a mercados com isenção tarifária e de cotas aos PMDs e a defesa da posição dos africanos na questão do algodão. Esta formação ainda embrionária de países do Sul pode vir a se conformar como um elemento novo e de significado político de maior fôlego.

Enquanto isso, diante de tamanhos desafios, o sítio da OMC na internet apresentava como a grande conquista do dia a filiação de Tonga à instituição, sem fazer referências substantivas às negociações travadas.

15 de dezembro de 2005

REBRIP – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos