OMC, uma arma dos ricos contra os pobres

2005-12-14 00:00:00

Entre 13 e 18 de dezembro, governos de todo mundo voltarão a se reunir convocados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong-Kong, para tentar firmar e consolidar acordos comerciais. Mas, afinal, o que significa a OMC?

Esta Organização se transformou apenas na busca de um guarda-chuva institucional e jurídico para defender os interesses de quem domina o comercio mundial. Na OMC quem dá as cartas é um grupo de paises ricos, o G-7, que está aliado aos demais paises da comunidade econômica européia. A reunião de Honk Kong não irá discutir a diminuição da pobreza, da fome, do desemprego ou da desigualdade social. A pauta da OMC é outra: como aumentar o volume de mercado a ser dominado pelas empresas transnacionais, formas de quebrar as barreiras dos países pobres, como manter o controle da produção e comércio de produtos alimentícios, ou seja, como garantir as altas taxas de lucros das empresas transnacionais.

Não se trata de discurso panfletário, infelizmente é a pura realidade.

Por ora, há duas forças que vão se confrontar em Hong Kong: de um lado os paises ricos que conseguiram cooptar os governos do Brasil e da India, para suas propostas, e de outro lado, todos os países periféricos, ou demais paises pobres do hemisferio sul, que são maioria em votos e população.

O paises ricos propõem que se diminua qualquer barreira dos paises pobres para proteger os mercados locais de produtos agricolas, que, em geral, são abastecidos pela economica camponesa local. Assim, se estabeleceriam até cotas de importação de produtos alimenticios por parte desses países. A contrapartida dos países ricos é reduzir paulatinamente os subsidios dados aos seus produtores agrícolas. Esse acordo gera uma ilusão nas burguesias agrárias de paises exportadores de matérias primas como o Brasil. A ilusão de que poderiam ampliar suas exportações para Europa e Estados Unidos. Na verdade, mesmo que os governos desses paises reduzam os subsídios, não significa que o mercado de alimentos ou materias primas agrícolas estejam em expansão na Europa.

Ora, se esse acordo se consolidasse, certamente levaria a falência milhões de camponeses que hoje produzem em condições adversas, mas que abastecem os mercados locais, gerando emprego e distribuição de renda. E se os governos liberam a entrada sem nenhum controle de produtos agrícolas importados, é certo que as grandes empresas transnacionais poderiam manipular preços. Num primeiro momento, os produtores locais conseguiriam oferecer produtos a preços menores, mas deixariam as economias pobres, periféricas e totalmente dependentes das importações, perdendo, portanto, a soberania alimentar - o direito de produzir seus alimentos. O caso mais dramático, por exemplo, é o enfrentado pelos agricultores da Corea do Sul e do Japão que produzem arroz a preços mais altos do que o mercado internacional. Os governos locais protegem os agricultores japoneses e coreanos em função do direito à soberania alimentar. Se a vontade dos paises ricos prevalecer na OMC, milhões de produtores de arroz da Asia irão a falência.

Em resumo, a OMC é uma forma de buscar aparato jurídico internacional para dar cobertura aos interesses das grandes transnacionais, aliadas a setores de burguesias agrárias locais. Perdem sempre os pobres, os trabalhadores e os camponeses dos países periféricos.

A Via Campesina Internacional acredita que a OMC é uma grande manipulação. Há um palco montado e o que se verá em Hong Kong passa ao largo de um debate de fato. A bem da verdade, as decisões serão tomadas pelos governos dos Estados Unidos e da Europa. As regras estabelecidas pela Organização irão destruir as economias camponesas e os mercados nacionais dos países pobres - que ficarão obrigados a importar produtos das transnacionais.

A OMC não tem legitimidade ou poder de decisão sobre o comercio agrícola internacional e muito menos sobre o abastecimento dos mercados alimentícios locais. A Via Campesina defende a valorização das economias camponesas, para que os trabalhadores rurais possam continuar a produzir alimentos para sua população, sem que sofram dumping de produtos subsidiados nos paises ricos.

Defendemos a soberania alimentar, direito que todo povo tem de controlar a produção de seus alimentos, sem depender de importações para se alimentar.

Defendemos a descentralização do comércio e da produção. Somos contra o monopólio exercido por pouco mais de dez empresas transnacionais sobre o comercio mundial de grãos, leite e proteína animal.

Defendemos também a democratização da propriedade da terra, a reforma agrária e, por meio dela, a fixação dos camponeses em suas comunidades, com renda suficiente para sobrevivência e dignidade de suas famílias.

Exigimos o imediato cancelamento dos perversos acordos perversos da rodada de Doha. Eles apenas interessam aos paises ricos e suas transnacionais.

Esperamos que a maioria dos governos dos paises pobres não aceitem as manipulações e que se posicionem contra todas as hipocrisías, impedindo os avanços pretendidos em Hong Kong e fazendo com que a reunião seja um fracasso. Se alguns países tiverem coragem, isso provavelmente acontecerá.

De parte da via campesina, milhares de militantes campesinos de todo mundo irão levantar a voz em Hong Kong. Não ficaremos de braços cruzados assistindo aos governos tomarem decisões contra nós. Iremos defender os interesses dos povos do terceiro mundo pela soberania alimentar. Nossos povos têm direito de produzir seus próprios alimentos, sem ficar dependendo de acordos de importação. Isto está fundamentado em muitas doutrinas econômicas, filosóficas e religiosas da História. É direito universal de todos os povos.

Nos levantaremos na China, seguindo a luta camponesa em todo mundo. Continuaremos a organizar os pobres do campo para lutar por terra, renda, soberania alimentar e pelo direito às sementes. Não agüentamos mais a manipulação que já dura 10 anos executada pela OMC.

João Pedro Stedile, dirigente do MST e da Via Campesina Brasil, artigo encomendado pela agencia de noticias INTER PRESS SERVICE-IPS, Italia