Hong Kong:
Protestos do lado de fora, impasses persistindo do lado de dentro
Do lado de fora, mais de 20 mil pessoas se manifestaram, desde o Victoria Park,
onde estão concentradas as atividades da sociedade civil, em direção ao Centro
de Convenções de Hong Kong, pela avenida litorânea e pelo mar, com barcos, em
uma parada de barcos coordenada pelo movimento de pescadores artesanais. Não
puderam se aproximar em função das barreiras policiais, mas a 500 metros do
local, permaneceram gritando seu protesto contra as atuais negociações na OMC,
frases como “a OMC fracassou, alternativa já” (“WTO failed, alternative now”),
e “Desenvolvimento para nossos povos, não à Rodada Doha” (“Development to our
people, No Doha Round”).
Destaque para a presença importante das entidades de camponeses da Via
Campesina, e os cerca de dois mil e quinhentos sul-coreanos, alguns dos quais
seguiam de barco e se jogaram ao mar quando a marcha foi estancada pela
barreira policial. Do lado de dentro do Centro de Convenções, representantes
de organizações sociais que foram credenciados a acompanhar a abertura dos
trabalhos da 6a. Conferência Ministerial da OMC também protestavam com
cartazes ao início da sessão. Entre outras frases expressas nos cartazes, a
de que “nenhum acordo é melhor que um mau acordo”.
Representantes da REBRIP participaram ativamente dos protestos, tanto do
lado de fora quanto do lado de dentro. Entre os delegados oficiais, o clima de
impasse continua, com as tradicionais “jogadas” de negociação, balões de
ensaio e ameaças de parte a parte sendo lançados, mas sem nenhuma alteração
substancial de conteúdos.
Entre os principais temas discutidos, se destacam os de sempre:
Agricultura: a União Européia (UE) segue dizendo que não vai conceder mais do
que já propôs. O G-20 adotou uma linguagem mais forte, dizendo que quer
operacionalizar efetivamente os temas de produtos especiais e salvaguardas
(talvez apresentando posição comum com o G-33) e continuam com o discurso de
sempre de que agricultura é o centro. Ainda hoje, em reunião informal do G-20,
ficou acordado que seria mantida a posição prévia do grupo sobre o patamar
básico já apresentado, e reforçada a posição em defesa da posição dos
africanos sobre algodão, além de combinado que vão reforçar a data de 2010
como o prazo para o corte de subsídios por parte da UE (esse prazo já foi
sinalizado pelos EUA). A posição do G-20 combinada à da UE sinaliza o impasse.
Serviços: Reuniões informais foram realizadas em preparação à oficial que
iniciará amanhã. Na reunião que participaram EUA, Índia, Japão, Brasil,
Austrália, Chile, Malásia, Hong Kong e UE no geral se reafirmaram posições em
favor do texto preliminar acordado em Genebra (“draft”, disponível em
http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min05_e/draft_text3_e.htm). A
única voz destoante foi da União Européia, que quer fortalecer a linguagem (ou
seja, quer mais concessões) em serviços (em especial concessões sobre Modo 3 –
presença comercial de empresas internacionais, e sobre a forma plurilateral
de negociações). Em outra reunião, os países ACP (África, Caribe e Pacífico)
reafirmaram posição contra as modificações propostas pela UE.
Bens Industriais (NAMA): o Brasil havia emitido sinais de que poderia
flexibilizar sua posição em NAMA, com um rebaixamento forte de tarifas,
inclusive aceitando a fórmula suíça com coeficiente 30, mas a falta de sinais
de concessões maiores por parte dos EUA e da UE levou o país a reforçar sua
atuação conjunta com Índia e Argentina, mantendo a proposta que haviam
apresentado antes (conhecida como ABI). Além disso, seguem conversas em
relação às flexibilidades previstas no parágrafo 8 do “Pacote de Julho”, que
possui dois aspectos básicos: garantir aos países em desenvolvimento (PEDs) a
possibilidade de escolher até 10% das linhas tarifárias nas quais seria
aplicada uma redução menor do que a prevista na fórmula ou, exclusão de 5% das
linhas tarifárias de qualquer compromisso de redução. A posição oficial
aparente do Brasil é de que qualquer compromisso de redução de tarifas em
NAMA deve atender ao princípio de reciprocidade menos que total.
Assim sendo, os cortes nas tarifas dos PEDs teriam que ser menores do que
para os países desenvolvidos (PDs). No caso de Agricultura, além das altas
tarifas e picos tarifários, a demanda envolve também a eliminação ou redução
dos subsídios. Sobre esse ponto, cabe citar documento do Observatório Social
da CUT, divulgado recentemente sobre o tema (disponível em
http://www.os.org.br/download/nama.pdf), que afirma que “Caso o governo
brasileiro aceite reduzir as tarifas industriais em 50% - o que significaria
aplicar um coeficiente 30 na fórmula suíça - num contexto de efetiva
liberalização agrícola por parte dos países desenvolvidos, segundo declaração
do ministro Celso Amorim (Valor Econômico, novembro de 2005), seriam 2.474
perfurações, afetando 28% das linhas tarifárias, com impactos não-desprezíveis
sobre a produção e o emprego industriais”, ou seja, menos produção e mais
desemprego no país.
Ao final do dia, o Brasil junto com Índia, Argentina e um grupo de países
africanos, inclusive África do Sul, distribuiu uma nota na qual reafirmam como
condições para o acordo os seguintes elementos: reciprocidade menos que total
para os países em desenvolvimento; remoção dos picos tarifários, altas
tarifas e escaladas tarifárias e barreiras não-tarifárias nos PDs, para
produtos de interesse dos PEDs; concordância com o parágrafo 8 das
flexibilidades para os PEDs; incremento substancial da consolidação em níveis
apropriados e; que os resultados de NAMA devem estar calibrados com as
ambições alcançadas nas outras negociações de acesso a mercados, mostrando
que os impasses devem seguir nos próximos dias.
Nessas condições, a REBRIP segue afirmando, junto com todos os que protestam
em Hong Kong e pelo mundo: nenhum acordo é melhor do que um mau acordo – e um
acordo fechado nestas condições será sempre um mau acordo.
Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2005
- Rede Brasileira pela Integração dos Povos – REBRIP