Um projeto para uma nova América do Sul
A assembléia final de conclusoes pela integraçao dos povos – que contou com a visita inesperada do recém-eleito presidente do Equador, Rafael Correa, e com a participação de deputados constituintes da Bolívia – serviu para referendar as propostas saídas das 14 sessões temáticas discutidas ao longo dos últimos três dias.
A assembléia assumiu um caráter de encerramento não-oficial da Cumbre Social de Cochabamba, já que, na prática, o encontro termina amanha com um ato massivo convocado pelo presidente boliviano Evo Morales.
De acordo com a lista de delegados, a Cumbre Social superou as expectativas. Ao todo, 4.400 pessoas participaram ativamente dos painéis – enquanto eram esperadas somente 3.000. Nas palavras de Blanca Chancoso, liderança indígena equatoriana que coordenou a assembléia, a Cumbre Social pela Integração dos Povos pode ser chamada de “Cumbre do mundo, e não só da chamada América do Sul” – já que a participação de delegados de outros continentes também foi alta.
As propostas que serão repassadas aos mandatários da América do Sul traçam um projeto popular para o continente levando em conta 14 temas integrados. Militarização, água, comércio, agricultura-terra-território, energia, revalorização da folha de coca, justiça e impunidade, imigração, infra-estrutura, comunicação, financiamento, meio ambiente, direitos sociais, e povos indígenas.
Abaixo, apenas algumas propostas, entre muitas mais, divididas por alguns dos temas.
DIREITOS SOCIAIS - construção de uma Carta Social Sul-Americana, que garanta o acesso universal à reforma agrária, à alfabetização, à água, à diversidade sexual; - unificação de campanhas contra a fome, já que a miséria do continente não é produto da escassez , mas da má distribuição.
ENERGIA - fortalecer as empresas estatais de energia; - nacionalizar as reservas energéticas dos países da América do Sul; - aplicar o dinheiro excedente proveniente do comércio de recursos fósseis não-renováveis em novas matrizes de energia renovável; - acesso pleno a todos ao abastecimento energético; - não aceitar financiamentos do Banco Mundial, por exemplo, para não continuarmos hipotecando nossas riquezas; - a energia deve ser encarada como parte de um direito humano ampliado.
ÁGUA - água como um direito humano e um bem cultural dos povos; - excluir a água de qualquer acordo comercial; - estabelecer um diálogo regional entre governos e movimentos sociais para a criação de uma Convenção Sul-Americana de Água - mapear todas as reservas hídricas do continente para providenciar a sua proteção; - que sejam proibidas as mineradoras e petrolíferas em zonas de recarga de água.
IMIGRAÇÃO - não tratar o imigrante como ilegal; - estabelecer uma cédula única de identidade para os países da América do Sul; - eliminação das proibições de residências entre os países; - que sejam instituídos programas de alfabetização e capacitação aos imigrantes - que os impostos taxados sobre as remessas de dinheiro para familiares sejam eliminados.
AGRICULTURA/TERRA/TERRITÓRIO - considerar as sementes como bens públicos da humanidade; - reconhecer o papel histórico das mulheres no processo de melhoramento das sementes ao longo da história.
FINANCIAMENTO - realização de uma auditoria sul-americana da dívida; - criação de um Banco Solidário do Sul; - criação de um fundo de reserva; - criação de uma moeda única regional.
MILITARIZAÇAO - retirar as tropas da MINUSTAH que estão no Haiti; - que os governos sul-americanos não enviem soldados para treinamento na Escola das Américas; - que o governo do Equador não renove o convênio com os Estados Unidos sobre a base de Manta.
INFRAESTRUTURA - que a integração física do continente proposta pela Comunidade Sul-Americana de Nações não seja implementada no intuito de criar corredores de exportação, que virão a se tornar corredores de miséria se o objetivo principal não for a integração dos povos; - repensar os modelos de transporte, dando preferência à construção de ferrovias para o transporte de pessoas, no lugar de estradas; - reconstruir a rede ferroviária e reaparelhar as empresas estatais; - garantir à Bolívia uma saída para o mar como um direito; - criação de uma marinha mercante sul-americana estatal; - criação de um Banco Sul-Americano de fomento, que rompa os paradigmas clássicos destes tipos de instituição.
REVALORIZAÇAO DA FOLHA DE COCA - contra a penalizaçao internacional da folha de coca, que é descaradamente imposta já que documentos científicos que comprovam suas características positivas são solenemente ignorados; - que as Nações Unidas (ONU) apresentem a totalidade dos estudos sobre a folha de coca; - que a folha de coca seja suprimida da lista de entorpecentes, já que ela representa vida e forma parte da cultura dos povos indígenas; - que a sagrada folha de coca seja considerada patrimônio cultural dos povos originários já que é alimento, vida e soberania.