Carta al BID
Ao Sr. Luis Alberto Moreno
Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento
1300 New York Avenue, NW
Washington, DC 20577
United States of America
Fax: (202) 623-3096
Cc.: Governadores
Diretores Executivos
Ref: Anulação da Dívida da Bolívia, Guiana, Honduras, Nicarágua e Haiti
15 de novembro de 2006,
Prezado Sr. Presidente
Banco Interamericano de Desenvolvimento
Luis Alberto Moreno,
É do nosso conhecimento que durante a 47ª Assembléia Anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ocorrida em abril de 2006 na cidade de Belo Horizonte, Brasil, os países membros do Banco iniciaram um processo de discussão em torno da anulação da dívida externa da Bolívia, Guiana, Honduras, Nicarágua e Haiti reivindicada pelo Banco. Esta iniciativa é de suma importância já que qualquer proposta de redução ou anulação da dívida externa dos países da América Latina e Caribe tem que incluir o BID já que até o final deste ano , Bolívia, Guiana, Honduras, Nicarágua e Haiti terão sido obrigados a pagar mais de US$ 313 milhões em serviços da dívida demandada pelo BID, mais que US$320 milhões em 2007 e até US$ 361 milhões até 2016 - valores que superam os disponíveis para a implementação de políticas sociais.
No caso do Haiti o país mais pobre da região, por exemplo, a situação de endividamento é crítica. O montante dos pagamentos de divida externa reclamados ao Haiti, duplicou entre os anos 1996 e 2003; durante os anos 2004/2005, em meio a crise social e política, 22% do orçamento governamental foi destinado ao pagamento dos serviços da dívida reclamada. Nos anos 2005/2006 o pagamento dos juros da divida mais as amortizações alcançou US$ 69.21 milhões, o dobro do valor deste mesmo orçamento destinado a gastos com saúde pública (US$ 33.34 milhões). No orçamento 2006/2007 o pagamento de juros da divida alcançará US$ 22.98 milhões e as amortizações US$ 47.92 milhões, ou seja, um total de US$ 70.9 milhões
Atualmente, 41% do valor total da dívida externa do Haiti é cobrada pelo BID (US$ 556 milhões de um total de US$ 1.348 milhões). Isto significa que durante 2006/2007, o Haiti terá pago ao BID o valor de US$ 33.82 em juros e amortizações (US$ 11.96 milhões em juros e US$ 21.86 milhões de amortizações). Em julho de 2003, o Haiti pagou US$32 milhões ao BID em dívidas atrasadas. Supostamente, este pagamento deveria dar acesso a novos empréstimos deste organismo. No entanto, os desembolsos do BID não foram reiniciados. Este pagamento representou uma transferência líquida de capital para o BID. Os recursos foram retirados das reservas internacionais do país provocando uma grave situação de vulnerabilidade.
Lembramos que este país tem uma renda per capita que representa 15% da media latino-americana, menos de uma pessoa entre 50 tem emprego fixo, menos de 40% da população tem acesso à água potável, o analfabetismo atinge 45% da população e a expectativa de vida caiu de 52,6 anos em 2002 para 49,1 anos em 2003. Este quadro é resultado de um longo processo de deterioração e crise estrutural, agravada pela aplicação dogmática de várias políticas de “estabilização” e “ajustes” impostos pelas Instituições Financeiras Multilaterais com o acordo de sucessivos governos haitianos. O povo haitiano é o credor!
Enquanto que reconhecemos a importância da decisão do BID de estudar a possibilidade de anular a dívida cobrada desses cinco países, lamentamos o fato de que o BID ainda não tenha aberto nenhum processo de consulta formal e efetiva com a sociedade civil. Sabemos que durante a assembléia mencionada acima, foi criada uma comissão para tratar desta questão e que esta realizou sua primeira reunião no dia 17 de julho deste ano. Entendemos que agora esta mesma Comissão terá sua segunda reunião no próximo dia 17 de novembro. É inaceitável que o Banco realize essas reuniões decisórias sem incluir a participação de organizações dos cinco países diretamente impactados por essa proposta - como também dos outros países da região que serão indiretamente afetados. Estas organizações, muitas das quais realizam um importante trabalho no que diz respeito ao monitoramento das dívidas externas e internas dos países do Sul, precisam ser ouvidas, pois suas propostas e preocupações abrangem aspectos da questão que não são contemplados pelo Banco.
Preocupa-nos que a atual proposta a ser discutida na próxima reunião do BID não considera a possibilidade de anulação total das dívidas e que a iniciativa possa resultar em condicionalidades futuras para os cinco países e outros tomadores de empréstimos do Banco. Questionamos o fato de que as dívidas do Capital Ordinário (CO) não estão contempladas, quando teriam um impacto imediato maior nos indicadores de serviço da dívida - e, portanto no montante de recursos disponíveis para os prementes gastos sociais. Também sabemos que dentro da proposta do Banco, a dívida a ser considerada é a de 2003, quando deveria ser a dívida atual. Com este suposto cancelamento de US$716 milhões para Honduras, de US$ 517 milhões para Nicarágua, de US$ 382 milhões para Bolívia, de US$ 326 milhões para Haiti e de US$ 248 milhões para Guiana, os cinco países continuarão com uma dívida de US$ 1.623 milhões, segundo dados de dezembro de 2005. Mesmo assim, o BID pretende implementar este cancelamento insuficiente somente em 2007 sem data definida, quando por sua urgência deveria ser implementado já. Esses países não podem mais esperar!
Exigimos que a dívida cobrada pelo BID a estes cinco países seja totalmente anulada imediatamente sem condicionalidades. No caso específico do Haiti, exigimos que o país não seja obrigado a cumprir as condições do programa Países Pobres Altamente Endividados (PPAE/HIPC) e/ou do Programa Estratégico de Redução da Pobreza (PRSP), que têm causado tantos impactos nefastos nos outros quatro países. Exigimos que o BID se submeta a um processo de auditoria externa destas dívidas cobradas dentro do marco de uma auditoria geral das dívidas cobradas de todos os países da América Latina e Caribe para verificar os reais impactos nas condições de vida dos povos, os termos, condições e beneficiários dos contratos, assim como os valores já pagos. Entendemos que na realidade são os povos destes cinco países e de toda a região que são os verdadeiros credores e que a única dívida legítima a ser cobrada é a dívida histórica, social, cultural e ecológica para com nossos países.
A situação atual do Haiti demonstra firmemente a importância de reivindicar a dívida histórica, social, cultural e ecológica. Isso remonta à experiência colonial e o bloqueio econômico de dez anos imposto pela França que só foi levantado quando os governantes do Haiti decidiram concordar com o pagamento de 150 milhões de francos ouro (US$ 22 bilhões em valores atuais) em compensação pela perda de seus escravos. Essa dívida continua acumulando-se em custos humanos, sociais, financeiros, ecológicos e culturais resultantes da proliferação de zonas francas e de outras políticas elaboradas e implementadas pelas Instituições Financeiras Multilaterais e pelos ditos “doadores internacionais” violando o direito de autodeterminação do povo haitiano; o direito de definir suas próprias políticas, sua trajetória e seu destino.
Consideramos que todas as Instituições Financeiras Multilaterais têm grande responsabilidade no crescimento das dívidas financeiras, sociais culturais e ecológicas dos nossos países, e assim, são os países que se beneficiaram delas que devem pagá-las. Os Estados Unidos da América, como maior acionista do BID, é um dos países mais responsáveis pela conjuntura regional atual, e assim devem ser encarregados do reabastecimento dos fundos do Banco. Os países tomadores de empréstimos não devem ter que arcar com nenhuma conseqüência negativa deste processo.
Entendemos que os programas de “perdão” da dívida promovidos pelo G8 e as Instituições Financeiras Multilaterais, demonstram uma incapacidade de resolver os problemas de endividamento dos nossos países. Pelo contrário, favorecem um modelo que aumenta a dependência das nossas nações e agrava a vulnerabilidade das nossas economias. Portanto, o BID não deveria adotar o mesmo modelo. Neste sentido, demandamos do BID a anulação total e incondicional da dívida do Haiti, Bolívia, Guiana, Honduras e Nicarágua propiciando uma determinação soberana por parte dos governos destes países em relação ao destino eventual dos recursos que não gastarão com os serviços da dívida anulada.
Exigimos a realização imediata de uma reunião coletiva com organizações e movimentos sociais da sociedade civil de diversos países da região diretamente e indiretamente impactados pela proposta de cancelamento da dívida do BID para que possamos colocar efetivamente nossas demandas e preocupações conforme mencionadas nesta carta.
Aguardamos uma pronta resposta,
Atenciosamente,
Beverly Keene
Coordenador Jubileu Sul/Américas
Organizações assinantes:
Jubileu Sul/Américas
Aliança dos Povos do Sul Credores da Dívida Ecológica
Dialogo 2000, Argentina
Rede Jubileu Sul - Campanha de Auditora Cidadã da Dívida, Brasil
Rede Jubileu Sul - Rede Brasil sobre las Instituições Financeiras Multilaterais, Brasil
Mesa de Trabalho Mulheres e Economia, Colômbia
Centro Memorial Martin Luther King, Cuba
Acción Ecológica, Ecuador
Rede Sinti Techan, El Salvador
Plataforma de Ação por um Desenvolvimento Alternativo (PAPDA), Haiti
Associação de Profissionais Haitinos Formados em Cuba (APROHFOC)- Haiti
Konbit Fanm, Haiti
Grupo de Apoio aos Refugiados e Repatriados (GARR), Haiti
Grupo Jovens Sabanet (Rajes), Haiti
Movimento Democrático Popular (MODEP), Haiti
CHANDEL, Haiti
Centro de Busca de Ação para o Desenvolvimento (CRAD), Haiti
Instituto Cultural Karl Léveque (ICKL), Haiti
Solidaridad de Mujeres Haitianas (SOF), Haiti
Bloque Popular, Honduras
CAFRA, Santa Lucía
FITUN, Trindade y Tobago
COMPA, Venezuela