Agronegócio avança sobre agricultores canadenses, diz apicultora
A retirada da proposta de análise “caso a caso” para a utilização de sementes Terminator na semana passada durante a COP-8 (8ª Conferência Internacional sobre Diversidade Biológica), é considerada uma vitória dos movimentos camponeses. Karen Peterson, 31 anos, apicultora familiar de Cut Knife, no norte do Canadá, acredita que essa é apenas uma batalha vencida na guerra contra o agronegócio.
Karen também é integrante da National Farmers Union, organização camponesa canadense, e luta para preservar o conhecimento sobre flora e fauna pertencentes às comunidades tradicionais do mundo. No Brasil, é representante da Via Campesina nas discussões em Curitiba sobre biodiversidade
Leia a seguir a entrevista com Karen Peterson.
Qual a origem da sua militância?
Vivo em um lugar que é exemplo da falência do modelo de agricultura exportador. Ainda temos pequenas propriedades, mas nos últimos anos as fazendas estão ficando maiores e a biodiversidade está acabando. Quando meu avô migrou da Dinamarca para o Canadá, ele criava ovelhas, vacas, galinhas e tinha plantações. Agora, apesar de a produção da minha família ainda ser diversificada, a monocultura na região prevalece. O que nos disseram durante anos é que éramos ineficientes. Ou seja, se nossas fazendas se tornassem maiores, nós seríamos melhores.
O que aconteceu com a sua comunidade?
Enquanto na época do meu pai o vilarejo mais próximo ficava a 4 quilômetros de distância, agora o lugar onde há escola, onde compramos leite, é distante 30 quilômetros. As comunidades próximas morreram e o êxodo rural, com o modelo neoliberal que ali se implantou, é contínuo. Meu endereço, por exemplo, já mudou três vezes.
E esse êxodo atinge principalmente os jovens, não?
A juventude se foi. A idade média dos camponeses de Cut Knife é 50 anos. A população está velha. Todas as atividades culturais de lá são ligadas à Igreja. É preciso chamar gente de outras cidades para participar. Isso é o que está acontecendo basicamente por causa do modelo neoliberal que muda as pessoas da terra. Por isso, mostro às pessoas o que eu faço, enquanto tento aprender mais sobre o conhecimento das comunidades tradicionais. Escolhi viver uma vida simples, não compro marca, tento ser exemplo para meus amigos, que são jovens. Meu medo é que o conhecimento sobre a terra vá embora antes que a repopulemos.
Qual a situação dos pequenos agricultores?
Os pequenos agricultores que ainda estão lá continuam lutando para manter sua cultura, sua comunidade. Para isso, preservam as sementes. Mas o governo canadense está tentando nos impedir de guardá-las, por meio da legislação e pressionando para a liberação de testes com Terminator. Ou seja, o agricultor não pode guardar não só porque a lei impede, mas porque com as sementes morrerão mesmo se forem guardadas. Se o governo disser “ok, vocês podem guardá-las”, e alguém plantar sementes Terminator por perto a polinização nas outras plantações não vão germinar no ano seguinte.
As abelhas poderiam transportar o gene da Terminator?
Não dá para saber. Até agora, só houve testes em laboratórios, e abelhas não estão lá. Nenhuma pesquisa pode nos dizer isso, porque as abelhas não trabalham bem em uma área restrita. Mas é um risco enorme, porque cada abelha visita milhares de flores para produzir uma única colher de mel. Se você pensar em uma tonelada de mel, são mais de 2 milhões de flores visitadas. Se houver milho plantado com Terminator em algum lugar, por exemplo, o gene passará para a grama.
E a monocultura é um problema também para a apicultura?
Sem dúvida. Porque a diversidade biológica, as diferentes flores existentes, são necessárias para a sobrevivência das abelhas. Além disso, no modelo industrial estadunidense de apicultura, dos grandes produtores, tiram milhares de colônias de abelhas de um local e as transportam para Estados diferentes para que polinizem plantas. Isso faz com que elas fiquem suscetíveis a doenças que existem nesses locais por onde passam. Esse modelo está começando a ser imitado pelos canadenses. Outro problema sério é o uso de pesticida nos campos de monocultura.
O que você espera das discussões sobre a Terminator daqui pra frente?
Espero que a COP mantenha o “caso a caso” de fora, mas tenho medo de que os governos que querem liberá-la transfiram a discussão para outro organismo, como a FAO, onde a indústria do alimento tem mais influência. Por outro lado, sabendo que há muita gente envolvida na campanha para bani-la, estou otimista