Sociedade civil e FAO debatem sobre futuro da agricultura no mundo
Sociedade civil, governos e representantes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) debateram, na tarde de quinta-feira (09/03), as concepções de reforma agrária e de soberania alimentar. Também abordaram o papel da FAO neste processo. O espaço, chamado de "Debate de Iguais", integrou a programação da II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária, que segue até sexta-feira (10/03), em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
De um lado, integrantes de organizações camponesas, indígenas, pastorais e pesqueiras ressaltavam a relação entre a reforma agrária e a segurança e soberania alimentar. Para os presentes, não basta somente distribuir a terra sem cultivar uma relação sustentável e de respeito com a natureza. "Soberania alimentar é um conjunto de direitos. O de produzir alimentos e o de que estes sejam de qualidade", afirma o hondurenho Rafael Alegria, da Via Campesina Internacional.
Nesse sentido, ele destaca a possibilidade das sementes tradicionais desaparecerem devido a grande expansão dos transgênicos e da possibilidade da comercialização da terminator (semente que pode ser plantada uma única vez). "Pedimos que a FAO insira, em seu discurso final, uma menção contrária a estas sementes", afirma.
A água também esteve na pauta do debate. Levantamentos apontam que 95% da água subterrânea mundial está nas mãos das multinacionais, entre elas, a empresa de refrigerantes Coca-Cola. "Os governos estão permitindo a privatização de um bem que é público. Isto reflete na agricultura e nas sociedades indígenas, ameaçando a soberania alimentar e a autodeterminação dos povos", aponta Saul Vazquez, do conselho mexicano de indígenas.
Pedro Medanha, dos pescadores do Chile, relata que a atuação concentrada de multinacionais também ocorre no mar. "O que se passa com a terra também acontece com o mar. Se as empresas continuarem avançando, apenas quatro multinacionais dominarão 80% do mercado da pesca", argumenta.
Políticas Agrícolas
A necessidade de uma reforma agrária baseada na desapropriação e não na compra de terras, como o Banco Mundial indica, dominou a discussão sobre políticas agrícolas. No entanto, outros pontos foram levantados como fundamentais.
Entre eles, estão a garantia de posse da terra aos agricultores, mulheres e jovens, a regularização das heranças e a formulação de financiamentos que visem a independência do pequeno agricultor às multinacionais. "Nos preocupa muito a alta expansão econômica das multinacionais, que transformam as terras agrícolas em indústrias", aponta Harrison, de Madagascar.
O desemprego no campo, resultado das políticas neoliberais, também é um problema que depende de ações do Estado. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são registrados, anualmente, mais de 170 mil mortes de acidentes de trabalho. Mais de 50% dos acidentes de trabalho no mundo ocorrem no campo. "Se não mudarmos essas políticicas rumaremos para a morte, que é lenta mas implacável", enfatiza Rafael Alegria, de Honduras.
Representantes dos governos e da FAO enfatizaram a importância da Confer ência, assim como a realização de ações imediatas em relação à reforma agrária e à soberania alimentar. "Precisamos agir para que, em um próximo encontro, daqui há 27 anos, quem sabe, não vejamos novamente que estamos no princípio do debate", finaliza Francisco Salazar, chefe de estado de Portugal.