Fórum e Venezuela trocam ensinamentos em Caracas

2006-02-02 00:00:00

FSM debate as vitórias eleitorais na América Latina; revolução
bolivariana tem contato com a experiência da sociedade civil
fortalecida.

O principal encontro internacional da sociedade civil veta, em sua
Carta de Princípios, a participação de partidos políticos e governos.
Mas, em sua sexta edição, o Fórum Social Mundial (FSM) acontece em um
país cujo governo é apoiado por muitas das organizações presentes ao
encontro.

Essa novidade gera uma relação nem sempre fácil, segundo o chileno
Carlos Torres, do centro canadense de estudos Alternatives, única
organização estrangeira representada no Comitê Organizador da
Venezuela. "Estamos realizando este encontro num país que é governado
por um presidente que, mesmo não tendo chegado ao poder com
mobilizações ligadas ao Fórum, aplica muitas políticas defendidas por
nós", avalia.

O assessor especial de Assuntos Internacionais do presidente Hugo
Chávez, Maximiliam Arvelaiz, também cita os feitos de seu governo que
agradam à maioria dos participantes do Fórum. "Reforma agrária,
software livre, eliminação dos transgênicos, atendimento público de
saúde nos bairros", lista Maximiliam, responsável pelo diálogo do
Estado com os organizadores do FSM.

No entanto, Torres destaca que, mesmo tendo "baixado algumas políticas
do Fórum para a realidade", a Venezuela não conta com movimentos
sociais fortes. O fortalecimento dessa sociedade civil venezuelana
pode ser um ensinamento do FSM ao país, na visão do economista chileno.

Já Maximiliam não considera que os movimentos sociais venezuelanos
"sejam fracos ou fortes". "O povo está se organizando, mas em formas
que estão enquadradas em outra lógica. Quem vem de fora pensa em
organizações pressionando o governo. Aqui, o povo também está se
organizando, mas em modos diferentes, nos comitês de uso da água nos
bairros, nos comitês de saúde, nas rádios comunitárias", diz. Segundo
ele, são formas de democratização do Estado e de participação popular
independem de outras formas de organização, como sindicatos.

O sociólogo argentino Emilio Taddei considera que essas experiências
governamentais são importantes para o Fórum. Mas "Esses processos
beneficiam os movimentos, mas é óbvio que existe uma relação de tensão
cooperativa entre governos e sociedade civil", avalia Taddei, que
representa no Conselho Internacional do Fórum o Conselho de Ciências
Sociais Latino-americanos (Clacso).

Também considera que a vitória eleitoral de candidatos de esquerda na
maior parte dos países da América do Sul tem de estar na agenda do FSM.
"Não vamos alterar a Carta de Princípios para que entrem os partidos
políticos, mas é óbvio que essas vitórias eleitorais representam uma
vitória contra o neoliberalismo e que temos de discutir isso", diz
Taddei.

A opinião é compartilhada por outro integrante do Comitê Organizador
na Venezuela, Jacobo Torres, da Força Bolivariana de Trabalhadores,
uma corrente sindical venezuelana. "Os movimentos sociais são
autônomos. Mas, se não se vinculam às situações reais, não têm como
responder às necessidades dos povos", disse no debate O Futuro do
Fórum, na quarta-feira (25).