Em 2006, um encontro mais politizado

2006-02-02 00:00:00

Em entrevista, o sociólogo Edgardo Lander afirma que a discussão
política de 2006 será mais intensa, pois o Fórum está sendo realizado
"onde a política corresponde à prática"

O Fórum Social Mundial desde ano está mais politizado. O crescimento
do número de governos progressistas na América Latina nos últimos anos
levou para a pauta do FSM a discussão da relação entre movimentos
sociais e Estado. A avaliação é do sociólogo e professor da
Universidade Central da Venezuela Edgardo Lander que, em entrevista ao
Brasil de Fato , afirma que a discussão política de 2006 também será
mais intensa, pois o Fórum está sendo realizado na Venezuela, "onde a
política corresponde exatamente com a prática".

Brasil de Fato - Como o Fórum Social Mundial 2006 pode influenciar a
conjuntura política da Venezuela?

Edgardo Lander - Creio que há três aspectos importantes. O primeiro, é
do ponto de vista das organizações sociais venezuelanas, criadas
recentemente, que tem uma experiência internacional muito limitada.
Isso é uma limitação, porque aqui há um olhar muito auto-centrado
sobre o processo político e voltado para a conjuntura imediata. Dessa
maneira, há dificuldades de comparação com as lutas de outros povos, o
que, com freqüência, leva ao sectarismo e à intolerência. Falta debate
sobre a experiência de outras praticas democráticas. Nesse sentido,
creio que será muito bom que essas organizações entrem em contato com
movimentos de outros países, troquem experiências, conheçam
pessoalmente aqueles movimentos e, a partir disso, estabeleçam uma
rede de contatos e possam enriquecer o processo social venezuelano.

BF – E os demais aspectos?

Lander – Outro, vital, é que, de fora da Venezuela, é difícil ter uma
visão completa do que acontece no país. Há algumas organizações
solidárias à Venezuela, com base numa visão maniqueísta, pouco
analítica. O Fórum vai permitir que essas pessoas tenham um contato
mais orgânico e direto com o que acontece no país. Elas terão a
oportunidade de falar com os ativistas, com as organizações de base, e
poderão ver, de perto, o processo venezuelano, seus problemas e
conflitos. Se queremos aprofundar as relações de solidariedade com o
povo venezuelano, isso tem que ser feito de maneira transparente, não
com apoio incondicional.

BF – Só isto?

Lander – Não. Em terceiro lugar, também é muito importante que uma
gama tão significativa de campanhas e redes conheçam a Venezuela com
mais profundidade e se sensibilizem com a ameaça que a política
imperial representa para o país. Assim, acredito que a presença
internacional na Venezuela é uma espécie de escudo de proteção à
ameaça que o governo Bush representa.

BF – Como os participantes do FSM vão sair da Venezuela? O FSM acabará
mais politizado?

Lander - Quando foi feita a consulta para a elaboração do programa do
Fórum, um dos temas que apareceu com mais forca, foi o da política
como tal. Por exemplo, qual deve ser a relação dos movimentos na
América Latina com os governo de esquerda? Qual é o impacto da crise
do governo Lula sobre os movimentos sociais? Eles devem manter um
apoio crítico, ou devem romper com o governo? Quando foram definidos
os eixos temáticos do FSM, o primeiro foi a política, a relação entre
partido e movimentos, entre movimentos e Estado. E isso não tem a ver
só com a Venezuela, mas com um amadurecimento do Fórum, que está
crescendo nos debates conceituais. Esse é um Fórum mais político do
que o de Porto Alegre. A isso se soma o fato de estar sendo feito
Venezuela, onde a política está culminando expressamente na prática.
Aqui, a política será colocada como um tema, de maneira natural, não
imposta.

BF - Uma das críticas ao Fórum é que há muito debate e, no final, nada
é colocado em prática.

Lander - Esse é um dos principais debates políticos do FSM. Acho que
se tentarmos impor um ritmo fora da própria dinâmica dos movimentos, o
Fórum pode morrer. A questão é que o processo de politização do FSM
não é uniforme, não há alguém que fale em nome de tudo isso. Mas a
Assembléia Mundial de Movimentos Sociais pode construir uma plataforma
e uma declaração única comum. Isso é muito forte, muito importante. Se
a campanha contra a Alca conseguir articular seu programa de lutas com
a campanha contra a guerra, e a campanha contra os trangênicos, se os
movimentos forem capaz de articular campanhas que tenham elementos
comuns de convergência, esse processo está se fortalecendo. Temos que
seguir estimulando o processo do FSM, mas ao ritmo dos movimentos, de
sua própria dinâmica, e, assim, seguir avançando para surtir efeito
sobre o conjunto do Fórum.

BF - Como será a discussão sobre o aumento do número de governos de
esquerda na América Latina?

Lander – No continente, houve mudanças profundas nos últimos seis anos.
Há seis anos, o panorama político era desolador. Se, de um lado, a
política imperial, da guerra e a ameaça militar seguem avançando de
maneira muito mais agressiva, por outro, do ponto de vista
governamental houve um motor de esquerda. Diante disso, surge uma nova
relação dos movimentos com os governos, que não podem seguir atuando
como se estivessem lidando com os governos anteriores. Isso não quer
dizer que devam entrar para o governo, mas que precisam atuar de outra
maneira. Com um governo de direita têm que contê-lo, e num governo com
o qual quase se tem empatia, a estratégia é a pressão. Todas essas
questões não têm uma solução teórica única, são conjunturais e variam
de país a país.