Participação popular é caminho na busca pela qualidade na TV
Ele é membro do Parlamento Europeu, está por trás de
grandes decisões na área de cultura na Europa, é tido como
um pensador liberal, de vanguarda, especialista em questões
internacionais e presidente da organização Megachip.
Giulietto Chiesa chamou a atenção dos jornalistas no I
Fórum Mundial de Infomação e Comunicação, dia 25, ao falar
da necessidade de uma vacina contra a televisão. E
conclamou a sociedade a partir para a luta contra a
privatização das TVs e pressionar não só jornalistas, mas
publicitários e produtores de entretenimento na busca pela
qualidade da programação dos meios de comunicação.
Com jeito calmo, simpático e demonstrando muita empolgação
com o tema comunicação (inclusive solicitou exemplos de
experiências exitosas que unem educação e comunicação no
Brasil), Chiesa concedeu não exatamente uma entrevista, mas
um bate-papo à equipe da Agência ViraJovem? de Notícias, na
sala de imprensa do V Fórum Social Mundial.
Em meio à babel de dezenas de jornalistas de várias
nacionalidades, não foi de estranhar uma inusitada conversa
com perguntas em espanhol e respostas em italiano que
passeou por assuntos como: censura, televisão, juventude e
educação.
Cristiane Parente - Agência ViraJovem? - A Itália vive um
monopólio dos meios de comunicação muito particular. Como é
a discussão sobre comunicação por lá e já que o senhor é do
Parlamento Europeu, que países têm discutido de forma mais
madura a questão da democratização dos meios de comunicação?
Giulietto Chiesa - França e Alemanha. Na Inglaterra, que
tem certamente a melhor TV européia, há uma grande
contradição. A TV representa hoje um grande problema.
Trata-se de um problema de cultura, de formação do povo.
Talvez o problema ainda não esteja claro. Estamos numa
época de transformações radicais, sobretudo no campo da
política; não da informação. Porque tudo se tornou
televisivo: entretenimento, espetáculo, teatro.
Por isso, há na Itália particularmente algumas TVs que se
tornaram mais importantes que o Parlamento. O povo não sabe
nada do que se discute no Congresso, mas sabe tudo o que
acontece lá, através dos políticos que vão na TV. Eles
contam na TV o que vão decidir no Parlamento. Portanto, é
uma grande mudança essa que está acontecendo na Itália.
AVJ – E no resto da Europa? Como é a situação e o que se
tem discutido? GC - Na Europa não temos essa situação. O
tema principal é o pluralismo no sentido de multiplicar.
Isto é: “multipliquemos as televisões, assim teremos mais e
muitas vozes”, mas isso não é verdade. Se você privatiza a
televisão, a privatização é o primeiro passo para a
concentração.
É o que vemos na Itália, onde Berlusconi se apresentou como
o grande defensor das bandeiras das liberdades de
informação e em cinco anos construiu um grande monopólio.
Porque se você tem milhões de euros, pode comprar tudo. E
isso está acontecendo em todo o mundo. Agora acontece que
norte-americanos e europeus estão invadindo o Leste Europeu
(Lituânia, Estônia, Hungria), estão comprando tudo. Na
Hungria, por exemplo, tudo foi comprado pelas empresas
ocidentais. Portanto, o problema da unicifcação do
pensamento, o pensamento único, se torna o elemento
fundamental da informação.
Eles estão formando europeus do jeito que arquitetaram. Não
há consciência disso? Claro que eles estão conscientes do
que estão fazendo e tramando. Eles estão trabalhando para
eliminar as televisões públicas, porque elas são
governativas, por isso seriam mentirosas. Isso é o que
dizem, mas não é verdade, porque quando as TVs italianas
ainda eram públicas, apresentavam a melhor programação, a
melhor informação.
O problema da TV pública não é igual em todo lugar, depende
da participação popular. Se você tem um governo democrático,
vai ter uma boa informação.
AVJ - Falando em participação popular, como o senhor
imagina que os jovens possam atuar no sentido de ter uma TV
mais democrática e uma programação de qualidade, sem tanto
apelo ao consumismo, sexo...? GC - É exatamente isso. Esta
TV de que estou falando é feita para os jovens. De fato,
penso que só os jovens podem transformar essa situação.
Isso porque eles são, digamos, ainda virgens, podem se
contrapor mais facilmente à manipulação. Creio que é
preciso alfabetizar a população, começando pelos jovens,
ensinando a eles a linguagem da televisão.
AVJ – Seria o que nós chamamos de Educomunicação, educação
para os meios? GC – Sim. Trata-se de educação para os meios,
mas profundamente. A televisão é uma linguagem, que tem as
suas regras e que para ser lida tem de ser estudada a fundo.
É como um analfabeto, que fala, responde, entende, mas não
sabe ler.
Por isso é muito limitado em seus horizontes. Os seus
horizontes são apenas aquilo que ele vê diretamente.
Imagine uma situação na qual o povo é analfabeto em massa
da linguagem da televisão, das imagens. É analfabeto da
linguagem visual de hoje e será ainda mais no futuro porque
tudo será imagem.
Estamos diante de um grande problema devido ao fato que o
povo só conhece a imagem televisiva e, de fato, não sabel
decifrá-la realmente. A imagem em movimento é uma coisa
completamente diferente de outras linguagens. É aquilo que
dizemos em latim: o homo videns ou o homem que vê é
completamente do homem que lê. São dois processos lógicos
diferentes.
Quando você lê, o processo lógico é claro, a frase é clara.
Cada coisa está no seu lugar. Mas quando você vê uma imagem,
não há lógica. Uma imagem de guerra pode ser seguida de uma
imagem de publicidade, de uma casa rica, de felicidade, de
amor etc. Logo depois, podem fazer você ver uma imagem
verdadeira de um assassinato.
AVJ – Isso se torna ainda pior quando os telespectadores
são crianças... GC - O problema é que as crianças são
submetidas a linguagenes que não sabem realmente ler. As
crianças se encontram diante de uma mensagem principal
durante 4 horas por dia, pelo menos é esse o caso italiano.
Isso significa que grande parte da formação e informação
delas acontece através de uma linguagem que elas
desconhecem. Estamos diante de uma verdadeira ameaça. Se
quem controla essa linguagem é desonesto, na cabeça, nos
projetos, em seus valores morais, só teremos manipulação
poque são eles que decidem o que vemos da manhã à noite .
No Fórum Mundial de Informação e Comunicação discutimos
muito a censura, mas a censura não é nada diante do que
está acontecendo com a TV. Na censura, você está impedido
de dizer uma coisa. Nesse nosso caso, escondem toda a
verdade. Quando a eles serve sangue, eles fazem você ver só
sangue e assim vale para a violência, para cenas de sexo em
horários não apropriados para o público infanto-juvenil...
Substancialmente temos diante de nós uma espécie de lençol
de água, por trás do qual dizem que vemos o mundo, vemos a
sociedade da informação. Mas qual sociedade da informação?
Por isso chamo esse sistema de “Fábrica de Sonhos”. Porque
toda essa potente fábrica está nas mãos apenas do patrão.
Inteiramente. E nós devemos nos defender. Os jovens devem
aprender essa linguagem e a primeira grande batalha é
introduzir essa discussão na escola, em todos os seus
níveis, do ensino básico à universidade.
AVJ - Essa discussão está amadurecendo há alguns anos entre
os jornalistas, mas não parece estar sendo feita pelos
publicitários e produtores de programas de entretenimento.
Como lidar com essa questão, já que o jornalismo é apenas
parte de um grande todo e o entretenimento está mais perto
do público, dos jovens? GC - É verdade. O problema é que
devemos investir em todas as profissões. Há uma cadeia de
produção que deve ser trabalhada. O jornalismo é só uma
pequena parte dessa cadeia.
Os autores de telenovelas, de programas em geral, os
músicos, compositores e cantores....Os publicitários são
potentes e têm nas mãos um pedaço da nossa psicologia.
Estudamos a imagem de outdoors por quatro anos. Pedimos a
alguns fotógrafos que documentassem todas as imagens de
outdoors de Milão. Há fotografias extraordinárias. A imagem
é dominante. Você sai de manhã e vê a mesma imagem, duas,
três, milhares de vezes. Nas discussões que fiz com
publicitários, me dei conta que eles não são conscientes da
mensagem que lançam. Eles têm uma cultura muito elementar,
não têm nenhuma idéia do uso social que se faz das imagens
que eles constróem.
É impossível discutir com eles. Eles seguem a lei do
mercado. Por isso, é preciso consturir um debate com os
publicitários. Até agora não entramos nesse campo de
batalha. Estamos todos submetidos a eles. É preciso
exercitar uma pressão sobre eles, inclusive psicológica e
política. Isso se pode fazer em toda a cadeia produtiva.
AVJ – O senhor defende um observatório de mída global. Esse
seria, por exemplo, um tipo de pressão? GC - É preciso
construir um observatório nacional da mídia em cada país e
não só um internacional. No quadro internacional, é muito
evidente. A grande “Fábrica de Sonhos” tem articulações
diversas nos países.
Cada cidade tem sua TV. Elas não são invencíveis, o
problema é que nunca as combatemos. Vamos começar pelo
jornalista que diz falsidade e cobrar dele uma postura
ética e profissional. A informação se tornou um grande
instrumento político.
A teoria da luta de classes sem a informação não funciona
mais. É por isso, que o fórum se apresenta como o lugar
mais vivo no universo nesse momento, mas também ainda não
entendeu a força desse problema. Porque se fala de alguma
coisa ainda muito genérica e não se vê a grande força da
“Fábrica de Sonhos”.
Isso deve ser o ponto principal da nossa luta. É preciso
colocar em ato um grande processo de participação
democrática dos meios de comunicação. Não basta controlar a
pornografia e a violência, como fazem na Itália. Isso não é
nada diante daquilo que fazem as crianças verem durante o
dia por longas quatro horas no Brasil, na Itália e outras
partes do mundo.
É terrível, porque as crianças são bombardeadas
continuamente por uma série de mensagens que são piores do
que a pronografia e mais violentas.
AVJ - E os pais, professores...muitas vezes não sabem como
agir diante do fato. GC - Os pais ainda não sabem disso,
porque não foram educados para entender esse tipo de
linguagem televisiva, não conhecem os mecanismos
psicológicos sobre os quais foram construídos os programas
televisivos, os filmes, as telenovelas. Não conhecem os
efeitos fisiológicos da televisão sobre as mentes das
crianças. Há centenas de pesquisas sobre os impactos
fisiológicos da televisão em todo o mundo, mas não são
publicadas. Raramente sai do âmbito dos especialistas.
Estou até para escrever um livro sobre esse assunto.
Ninguém fala disso porque são todos ligados à televisão. Os
professores escrevem para as TVs e, por isso, sobre certos
assuntos, é melhor não falar. Mas sabemos que isso produz
mudanças no comportamento dos telespectadores. Sabemos que
a Coca-Cola estuda os efeitos televisivos sobre a mente das
pessoas.
Mas só eles sabem dos resultados dessas pesquisa. É preciso
trabalhar na defesa dos direitos do consumidores em relação
ao principal produto de consumo: a televisão. Estamos só no
começo, porque quando a grande mudança acontecer, teremos
de estar preparados, porque seremos a civilização da imagem.
Para esta civilização da imagem é preciso outras formas de
luta. Caso contrário, perderemos a democracia. Hoje
democracia e comunicação estão intimamente ligadas. Se o
movimento democrático não é capaz de defender-se nesse
terreno (da comunicação), não poderá se defender sobre
nenhum outro campo de batalha.
AVJ – O senhor poderia citar alguma experiência exitosa
nessa área que possa ser multiplicada? GC - Nós já fizemos
essas experiências. Construí uma organização, a Megachip
(www.megachip.info/), que praticamente coleta todas as
experiências. A palavra de ordem é: que mil pingos formem
um rio. Esses pingos já existem, há pequenos núcleos.
O problema é que estamos isolados. Só juntos poderemos
fazer pressão. temos de multiplicar as experiências, criar
outras. Estamos trabalhando para que este sítio na internet
possa ajudar a saber, em matéria de observatório
internacional, o que se faz na Índia, no Brasil e outros
países.
AVJ - Falando de internet, como o senhor avalia essa mídia?
GC - A internet não é o reino da liberdade. Nunca foi. A
internet e o mundo digital são instrumentos técnicos. Como
os que têm o poder são mais preparados do que nós, eles
cooptam. Claro, é um instrumento muito importante para a
organização, a mobilização, mas não é um instrumento da
verdade. Temos de usar toda essa rede, inclusive conquistar
grandes nomes, um grande ator de cinema, um grande
cantor....
Porque temos que trabalhar com o mundo do entretenimento e
do espetáculo na contramão. Usando um termo de Gramsci: é
uma questão de hegemonia. Não é apenas uma questão de força
material.
Temos que usar os protagonistas da cadeia para que sejam
nossos aliados. No caso da cobertura da guerra no Iraque,
por exemplo, a maioria dos jornalistas italianos eram a
favor da invasão, mas conseguimos coletar mais de mil
assinaturas de jornalistas contrários, o que representa
quase um terço. Se conseguíssemos fazer com que fossem três
mil, claro que poderíamos colocar em crise o sistema de
informação de alguma forma.
AVJ - Para finalizar, que mensagem o senhor deixaria para
estimular os jovens na luta pela democratização e melhoria
da qualidade dos meios de comunicação? GC - Sem nenhuma
retórica, acredito que a primeira coisa a ressaltar é que
olhem tudo com olhos muito críticos. Não confiem em ninguém.
Aprendam a desconfiar das mensagens que a televisão passa.
E, depois, aprendam a ler essa linguagem, a dominá-la.
(Tradução/italiano: Paulo Lima- Agência ViraJovem
de Notícias)
- Cristiane Parente - Agência ViraJovem de Notícias