Rádios comunitárias saem unidas de Porto Alegre

2005-08-09 00:00:00

Porto Alegre - Uma rápida pesquisa sobre as atividades
realizadas no espaço de comunicação no 5o Fórum Social
Mundial (FSM) revela que a radiodifusão comunitária foi,
certamente, um dos assuntos mais presentes nas mesas de
discussão. Mesmo em debates cujo tema central era outro,
dificilmente não havia um participante – brasileiro, quase
sempre – para defender a importância das rádios
comunitárias e para condenar as investidas de órgãos do
governo federal contra as iniciativas populares.

A repressão às rádios comunitárias, ao contrário do que se
esperava, aumentou significativamente após a posse do
presidente Lula. Segundo dados do relatório “A Repressão
Contra as Rádios Comunitárias no Brasil”, divulgado durante
o FSM, em 2003 e 2004, foram fechadas aproximadamente oito
mil rádios, enquanto outras oito mil aguardam que seus
processos de outorga de concessões sejam analisados. O
relatório ainda revela que boa parte das ações de
fechamento das rádios são feitas com base no Código
Brasileiro de Telecomunicações (CBT), legislação do período
da ditadura militar. Segundo Dioclécio Luz, um dos
coordenadores da pesquisa “os números são enfáticos,
incontestáveis, e revelam que houve uma clara opção do
governo por defender os monopólios. Infelizmente, no campo
da comunicação comunitária, só há notícias ruins”. O
relatório ainda descreve dezenas de ações da Polícia
Federal – a mando da Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações) – contra rádios e membros das comunidades.
“Há muitos casos de violência física, assim como de
procedimentos ilegais por parte dos policiais. O incrível é
que tudo isso acontece em um governo que se diz popular”,
completa Luz.

União contra a repressão

Reunidas em assembléia durante o último dia da 5ª edição do
FSM, entidades brasileiras que representam rádios
comunitárias em todo o país reafirmaram a intenção de unir
esforços para lutar contra a repressão às iniciativas
populares. No encontro, entidades como a Abraço (Associação
Brasileira de Rádios Comunitárias), a Amarc (Associação
Mundial de Rádios Comunitárias) e a Abccom (Associação
Brasileira dos Canais Comunitários) aprovaram o envio de
uma carta aberta ao governo Lula, ao Congresso Nacional e
aos órgãos do Judiciário.

A divulgação da carta marca o início de uma série de ações
conjuntas que as organizações planejam para 2005. “O
processo que estamos construindo é de integração do
movimento. Estamos decididos a caminhar juntos. Precisamos
de uma pauta que nos una para que possamos enfrentar a
repressão contra o direito legítimo de nos comunicarmos.
Enquanto permanecer este modelo, não haverá liberdade de
expressão e, portanto, democracia”, afirmou Joaquim
Carvalho, diretor nacional da Abraço.

Segundo as entidades, a agenda do ano inclui principalmente
o debate sobre a nova Lei Geral de Comunicações (LGC) e a
construção de uma possível Conferência Nacional de
Radiodifusão Comunitária. “Temos a convicção de que é
imprescindível que a nova LGC seja discutida amplamente por
todos os setores da sociedade. Nós precisamos construir uma
proposta única para que tenhamos força nas negociações e
nos debates públicos”, disse Tais Ladeira, representante
brasileira da Amarc. Se a sociedade não interferir nos
debates e a formulação da Lei ficar com o Executivo federal
e com o Congresso, afirmam as organizações, o resultado
pode ser a aprovação de uma lei que, no campo da
comunicação comunitária, seja mais restritiva do que a
atual.

A outra pauta central para os movimentos será a Conferência
Nacional de Radiodifusão Comunitária. Segundo a proposta
feita em 2004 pelo governo federal, a Conferência não teria
caráter deliberativo e seu tema seria a relação das rádios
comunitárias com o desenvolvimento local. Tanto a Abraço
como a Amarc contestam veementemente o conteúdo da proposta
e a forma como os debates têm sido conduzidos. “Ao
contrário de todas as conferências temáticas realizadas até
agora, esta não teria plenária final, o que revela que a
intenção é que não haja qualquer interferência da sociedade
nas políticas que regulam a radiodifusão comunitária. Além
disso, não haveriam conferências preparatórias nos estados,
o que é fundamental para legitimar o processo da
Conferência”, completou Ladeira, para quem “essa iniciativa
pode ser chamada de qualquer coisa, menos de Conferência”.

Articulação mundial pela comunicação comunitária Presentes
na assembléia das entidades brasileiras, representantes de
organizações internacionais destacaram a importância das
rádios comunitárias na luta contra o pensamento único que
impera nos meios comerciais e para efetivar o direito de
todas as pessoas de se comunicar. Para o uruguaio Gustavo
Gómez, diretor do Programa de Legislação e Direito à
Comunicação da Amarc para a América Latina e Caribe, a luta
pela radiodifusão “insere-se em um movimento mais amplo que
defende que a comunicação deve estar a serviço
exclusivamente do interesse público. É uma luta conjuntural
contra o neoliberalismo, mas também a defesa de que, em
qualquer lugar do mundo e em qualquer tempo, todos devem
ter o direito de se comunicar publicamente. Afinal, a
expressão das minorias e maiorias sem acesso aos meios de
comunicação comerciais é condição básica para a dignidade
dos povos e das pessoas”.

Segundo Gómez, o contexto atual torna necessária a união
mundial de todos os que acreditam que a comunicação
comunitária é um direito que deve ser respeitado e
promovido. “A globalização financeira está impondo aos
países, especialmente aos pobres, normas e regras que os
impedem de formular suas políticas locais de
desenvolvimento”. O representante da Amarc afirma que, se
os organizamos internacionais como a OMC (Organização
Mundial de Comércio) considerarem a comunicação como um
serviço, e não um direito, qualquer iniciativa local que
apóie ou dê subsídios materiais ás rádios comunitárias será
considerada como predatória à livre concorrência. “Por isso,
os movimentos não podem se contentar em se articular
nacionalmente. Precisamos de uma aliança mundial para
combater a transformação da comunicação em mercadoria”.