Comunicação na pauta do dia

2005-08-09 00:00:00

Em entrevista, o diretor-geral da IPS, Mario Lubetkin, fala da nova ordem informativa do pensamento único. O tema foi tratado no primeiro Fórum Mundial de Informação e Comunicação

O diretor-geral da IPS (Inter Press Service), jornalista Mario Lubetkin, esteve a frente do I Fórum Mundial de Informação e Comunicação (I FMIC), que aconteceu dia 25 de janeiro, em Porto Alegre. O encontro, prévio ao Fórum Social Mundial 2005, reuniu cerca de 600 profissionais de mídias alternativas e comerciais. Os temas em pauta foram:“A nova ordem informativa do pensamento único”, “É possível a mudança?” e “A sociedade da informação, mercado ou cidadania?”.

Do encontro, saiu a proposta de criação de uma comunidade global de jornalistas interessados(as) em compartilhar seus métodos e conhecimentos em comunicação. Segundo Mario, os profissionais de mídia são atores sociais e precisam se dar conta disso logo.

Os(as) organizadores(as) do I FMIC continuarão suas articulações para divulgar e debater essa proposta ao longo do FSM 2005, que vai de 26 a 31 de janeiro: “Iniciamos mais um processo dentro do FSM, vamos dar continuidade neste e também em outras edições”. Em entrevista exclusiva para o Ibase Net, o uruguaio aponta alguns dos caminhos para tornar possível essa outra comunicação.

IbaseNet – Por que um fórum específico para a Comunicação?

Mário Lubetkin – Como militantes, falamos da importância da Comunicação desde o primeiro Fórum Social Mundial, em 2001, mas nunca fomos além disso. Essa é uma grande lacuna entre as organizações que promovem o FSM. Como instituições, só pensamos em Comunicação às vésperas do FSM. Se o FSM é um processo permanente, a nossa estratégia de comunicação não pode ser apenas para cinco dias de evento. O day after é algo que esquecemos.Depois de cada evento, a dispersão da mídia é impressionante. Se nós com este I FMIC começarmos a preencher essas lacunas estratégicas que existem – muitas criados pela própria dinâmica do FSM – vamos dar uma contribuição enorme ao FSM. Pensar a comunicação é fundamental.

IbaseNet – Como surgiu a idéia?

Mário Lubetkin – Em 2004, a IPS organizou uma reunião com ativistas e organizações que discutem a Comunicação desde o primeiro FSM. Queríamos descobrir como transmitir uma mensagem mais clara do FSM ao mundo. Assim, surgiu a idéia de criar uma instância para iniciar essa discussão, que não fosse uma oficina ou um evento, mas que fosse um processo. É este I FMIC.

IbaseNet – Ainda assim, o FSM consegue mobilizar milhares de profissionais de mídia de todo o mundo.

Mário Lubetkin – Sim, mas temos agido de forma extremamente passiva. Apenas recebemos jornalistas de todo o mundo e repassamos informações sobre os eventos e palestrantes. Mesmo os profissionais de comunicação que trabalham e são engajados no processo do FSM não agem de forma realmente enfática e estratégica.

A lógica da dispersão que nos envolve como profissionais é grave para quem quer mudar questões globais. Sabemos que há muitas mídias alternativas que se formaram e trabalham ao redor do FSM, mas que atuam de forma isolada. E até hoje não conseguimos criar um meio permanente para que essas mídias recebam informações sobre essa agenda global que o FSM tem gerado. É incrível porque ao mesmo tempo que há uma enorme sinergia entre tantos meios, há também uma enorme dispersão.

IbaseNet - E como evitar essa dispersão?

Mário Lubetkin – Tenho duas preocupações principais: gerar uma sinergia entre essas mídias alternativas e gerar um maior profissionalismo. O objetivo é que nossa mensagem penetre da melhor maneira na sociedade. Se essa informação nao é tranalhada de forma profssional e se não começamos a criar mensagens comuns para grandes massas, vamos manter o perigo da dispersão permanente.

A proposta que trouxemos para Porto Alegre, e que já vem sendo discutida há algum tempo, é a criação de uma comunidade global de jornalistas. Pensamos em usar softwares avancadíssimos que permitem cadastrar dados e circular informações entre nós de forma permanente. É possível até mesmo organizar grande coletivas de imprensa com 300, 400 jornalistas em diferentes locais do mundo. É mais simples do que parece; basta unir a tecnologia à potencialidade de tantos jornalistas que querem participar e seguir adiante.

IbaseNet – Como avalia a cobertura da mídia em geral desde o primeiro FSM? Houve mudanças?

Mário Lubetkin – Estamos melhor na mídia hoje, sem dúvida. Acredito que isso se deva ao fato de já termos uma cultura do FSM. Mesmo um tipo de cobetura superficial, pela soma de informações e fatos que a cada ano são divulgados, é capaz de gerar mensagens precisas.

No caso do FSM, acho que a soma das mensagens da mídia pode ser analisada por cada ano de edição. Em 2001, ainda que o “colorido” fosse a notícia, o que ficou foi o surgimento de algo totalmente novo. Em 2002, também com a mesma lógica de informação superficial, a mídia mostrou a leitores, espectadores, ouvintes e internautas de todo o mundo que o FSM não tinha sido uma casualidade de 2001, que era algo mais sólido e permanente. Em 2003, a mídia concentrou-se em Lula; afinal, era um ex-participante do FSM se tornando presidente do Brasil. Foi então que se percebeu que o FSM veio para ficar e que estava mudando de patamar. Em 2004, na Índia, foi diferente, mas também superficial: o FSM também teve uma enorme adesão e se viu enfim que não era algo só do Brasil, da América Latina. A mensagem foi que o FSM é mesmo global.

A verdade é que se avaliamos separadamente as matérias publicadas ao redor do mundo sobre o FSM, não se percebe do que é capaz essa soma de mensagens. Hoje ninguém duvida do caráter permanente e do grande impacto do FSM; já sabemos que é multicultural e que é global. No primeiro FSM, não tínhamos mesmo como falar isso.

IbaseNet – Qual a partcipação da IPS no processo FSM?

Mário Lubetkin – Estamos desde o início como um de seus idealizadores. Como agência de notícias, temos duas preocupações principais. A primeira é procurar entender qual o diagnóstico da Comunicação no mundo, para então saber como mudá-la. Somos uma agência que tem mais de mil clientes, muitos mass media, outras mil rádios assinantes, três milhões de páginas lidas a cada mês, isso sem contar com outras páginas que reproduzem nosso conteúdo. Chegamos a muitos e muitos milhões de pessoas. Temos uma grande e permanente inserção no mercado, mas, ao mesmo tempo, somos uma grande ONG de Comunicação, que tem a reflexao, a participação e a educação como diretrizes.

Nossa outra preocupação é com a difusão. Como achar o melhor instrumento para chegar aos profissionais de comunicação e fazer ecoar a mensagem do FSM? Acredito que fazendo isso de forma profissional e não propagandística, podemos chegar a muito mais pessoas.

Alem disso, desde 2002, fazemos o jornal Terra Viva, um jornal distribuído durante o FSM e que procura orientar sobre alguns debates que acontecem. Dia 27, quinta-feira, começamos a circular.

É justamente essa dupla identidade que não nos permite ficar apenas na contemplação; a nós interessa o enfrentamento da vida e da realidade. Por isso, essa preocupação em saber qual o cenário para descobrir como mudá-lo.

BOXE 1 Conheça outros depoimentos feitos durante o I FMIC

“Os Estados Unidos têm a maior quantidade de discussões públicas e também a maior pobreza de informação. Temos uma mídia patriota, leal ao governo e não ao que é melhor para a população. A mídia norte-americana distorce o jugalmento das pessoas, priva-as da capacidade de ver qual é o real papel do governo.” (Andrew Calabresi/Universidade de Colorado)

“A mídia convencional hoje se transformou em um problema para a democracia. A informação se converteu em mercadoria, só circula segunda as leis de oferta e demanda, e não segundo as leis cívicas, não trabalha para apresentar realidades concretas. Não temos mais como saber quando as informações são falsas ou verdadeiras, vivemos hoje uma insegurança informacional tão grave quanto a insegurança alimentar.” (Ignacio Romanet/Media Watch e Le Monde Diplomatique)

“É possível construirmos uma informação que não seja para a guerra, mas para a paz? Nosso problema maior é que os senhores da guerra estão transformando a comunicação em um campo de batalha. Não é importante apenas se mobilizar contra os exércitos, devemos trabalhar juntos em experiências concretas para promover a defesa da democracia.” (Flavio Lotti/Mesa de la Paz)

'Os meios independentes não vão ganhar essa guerra se não alcançarem corações e almas. A mídia alternativa precisa passar de produtora de informações à organizadora de um movimento popular pela democracia na comunicação. E as escolas têm que criar uma nova linguagem para lidar com as crianças, uma vacina contra a doença em que se transformou a TV.” ( Giulietto Chesa, Parlamento Europeu)

“A decisão política do Conselho Organizador do FSM em abrir-se para a comunicação popular aconteceu ao longo de 2004. O resultado está presente nesta edição, não só no espaço temático da comunicação como na estrutura que estamos buscando oferecer aos comunicadores e comunicadoras presentes, que são as pessoas mais capazes de levar nossa mensagem às populações.” (Salete Valesan/Comitê Organizador Brasileiro e Instituto Paulo Freire)

“Para mudar o mundo, é preciso mudar a informação. Precisamos criar meios de comunicação fortes, com boas matérias, muita pesquisa, muito esforço de redação e de análise. A Ciranda é a única maneira de enfrentarmos o monopólio da imprensa. Está na sua quinta edição, surgiram outras experiências, quanto mais surgem, reforça o sinal de que a idéia é correta. Mas não podemos simplesmente repetir a Ciranda, existe uma grande rede de veículos independentes e é preciso criar condições para que a partilha de material aconteça.” (Antonio Martins/Ciranda e ATTAC)

“Todos da mídia temos obrigação de nos envolver de forma crítica, de mostrar o que acontece na sociedade, mas não é o que se passa de fato, por conta dos interesses corporativos. Daí a importância da comunicação popular. As rádios comunitárias, por exemplo, chegam a lugares sem a menor infra-estrutura.” (Steve Buckley/Amarc)

“Nossa maior tarefa no FSM é a luta política que a Comunicação permite. Temos que ser capazes de criar fatos, o FSM ganhou a batalha de Davos, mas ainda não são as visões do interior do FSM que vão para a mídia. Dar eco é difícil. A maioria das pessoas se informa só pela TV. Por mais meios alternativos que produzimos, precisamos descobrir como aceitar o desafio de discutir com quem são nossos adversários.” ( Cândido Grzybowski/Conselho Internacional do FSM e Ibase)

Saiba mais:

http://www.ipsnews.net/

http://www.ipsterraviva.net

BOXE 2 Ensaios de uma outra informação

O FSM 2005 será um celeiro para colocar em prática a proposta de criação de uma comunidade global de comunicação popular, apresentada durante o I Fórum Mundial de Informação e Comunicação. Para isso, foram organizados novos espaços, que já estão funcionando, e permitem o compartilhamento solidário de informações, buscando dar vez e voz à comunicação popular: um fórum de rádios comunitárias, que ficará 24h no ar (87.9 do dial); um fórum de TVs, que vai ao ar pelo MBR Canal, a paritr das 13h; um laboratório de conhecimentos livres (dentro do Acampamento Intercontinental da Juventude), além da Ciranda – espaço pioneiro de compartilhamento de informações, criado no primeiro FSM, em 2001.

Para participar, basta acessar os seguintes endereços:

www.forumdasradios.fm

www.forumdetvs.tv

www.ciranda.net