Declaração de Colombo

2005-06-22 00:00:00

“10 anos bastam – Sem acordo na reunião ministerial da OMC em Hong Kong!” Declaração das Organizações, Movimentos e Indivíduos reunidos no Encontro Asiático de Estratégias frente à Organização Mundial do Comércio, Colombo, Sri Lanka, 6 e7 de junho de 2005. De 13 a 18 de dezembro de 2005 a sexta Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) vai acontecer em Hong Kong. Esse acontecimento vai ter fortes conseqüências. Ou a OMC finalmente se consolida como principal mecanismo global de liberalização do comércio ou se desmantela pela terceira vez, possivelmente com um abalo permanente sua função de instituição de garantia dos interesses das Corporações Transnacionais do Norte (CTN)s. A Década do Desespero Não é uma surpresa para nós na Ásia que a OMC esteja sofrendo uma profunda crise de legitimidade e credibilidade em seu 10º aniversário. Quando foi fundada em 1995, foi vendida aos paísses menos desenvolvidos ou em desenvolvimento como uma instituição que traria crescimento, reduziria a pobreza global e diminuiria as desigualdades de renda pela expansão do livre comércio. Uma década depois, não se pode negar as evidências de que a OMC trouxe praticamente os efeitos contrários. - O Acordo sobre Agricultura (AOA) mostrou não passar de um mecanismo gigante de dumping[1] para vender grãos e alimentos subsidiados dos Estados unidos e União Européia nos mercados dos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento, destruindo os meios de vida de centenas de milhões de pequenos agricultores, provocando suicídios entre eles e seus dependentes. - O acordo relacionado a Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPs) foi utilizado para roubar os direitos coletivos de nossas comunidades aos recursos, sementes, conhecimentos e até à própria vida, e para impedir o desenvolvimento permitindo que as corporações monopolizem as inovações tecnológicas em todos o setores da indústria. Colocando o lucro das transnacionais acima da saúde pública, o TRIPs facilitou uma crise de saúde pública sob a forma do HIV- AIDS que se alastra em muitas partes da Ásia, assim como na África. - O Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), com seu princípio de “tratamento nacional”, oferecendo aos investidores estrangeiros direitos iguais aos atores nacionais, tem se mostrado uma arma poderosa para que as Transnacionais ganhem o controle do setor de serviços. Essa situação é ainda mais dramática para os países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento, para quem os serviços representam de 50% do produto interno bruto. Particularmente ameaçados estão a água, eletricidade, telecomunicações, saúde, educação e outros serviços que precisam de sistemas públicos de geração e distribuição que garantam acesso cidadão e igualitário a todas as pessoas. O GATS gera encolhimento do setor público, ameaça a soberania nacional e crise social. Apesar da promessa de servir aos países menos desenvolvidos, o Modo 4 do GATs, que trata do movimento de pessoas, traz o risco de fazer do controle do movimento de pessoas entre países um grande negócio, acabando com os direitos de trabalhadoras e trabalhadores migrantes. A liberalização controlada pela OMC e o dumping legitimado pela organização resultaram em perda de empregos e erosão do bem-estar social generalizadas. Mas, seus impactos mais negativos recaem sobre as mulheres, que constituem mais da metade da força de trabalho na agricultura, indústria e serviços em muitos países, mas recebem menores salários, são sujeitas a piores condições de trabalho, são menos protegidas pelas legislações de trabalho e direitos humanos e enfrentam maior instabilidade no emprego do que os homens. A privatização dos serviços sociais aumenta o fardo do trabalho reprodutivo sobre as mulheres. Da mesma forma, a exclusão dos mercados de trabalho força muitas a migrar. As regras da OMC também ajudam a acelerar a marginalização de grupos vulneráveis como os dalits e povos indígenas que hoje representam uma boa parte das pessoas atingidas pela pobreza e pela fome. O Acordo de Referência de Julho contra o desenvolvimento Num espetacular arroubo de cinismo, os grandes poderes do comércio chamaram a rodada de negociações em curso de “Rodada do Desenvolvimento de Doha”. Mas não há nada na agenda de Doha[2] que promova o desenvolvimento. Na verdade, tudo o que há no “Acordo de Referência de Julho”, texto que serve de base para a conclusão das negociações atuais é profundamente anti-desenvolvimento: - A referência para agricultura é desenhada para manter ou expandir os fortes mecanismos de subsídios para os interesses do Norte, tais como a “Caixa Verde” ou a “Caixa Azul”, ao mesmo tempo em que pede a abertura dos mercados do Sul através de uma nova rodada de reduções e mesmo eliminação de tarifas. - A referência para acesso a mercados de produtos não-agrícolas (NAMA) visa derrubar e atrelar tarifas da indústria e manufaturas para permitir o deságüe de produtos das transnacionais para os mercados do Sul, resultando em desemprego, flexibilização e desindustrialização. O mecanismo impede os países em desenvolvimento de fazer uso das políticas comerciais como instrumento de industrialização. Também resulta em mais dificuldades para as já sofridas comunidades de pescadores, em particular aquelas de países atingidos pelos tsunami, cujos meios de vida serão ainda mais solapados pela liberalização da pesca proposta no acordo. - O Acordo de Julho deixa em banho-maria as principais preocupações dos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento: a institucionalização do Tratamento Especial e Diferenciado e a discussão sobre o problema dos altos custos de implementação dos compromissos de liberalização anteriores. A resistência popular e a resposta das corporações Como era de se esperar, a agenda corporativa da OMC enfrentou resistência massiva nos últimos 10 anos. Em Seattle em dezembro de 1999, a combinação da recusa dos países do sul em aceitar uma nova rodada de negociações e a mobilização massiva da sociedade civil contra a OMC levou quase ao colapso a terceira reunião ministerial. Em Cancun em Setembro de 2003, a resistência dos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento organizados no G-20, G-33 e G-90, combinada com protestos da sociedade civil dentro e fora do Centro de Convenções levaram ao fracasso da quinta reunião ministerial. Para salvar a OMC enquanto instrumento da agenda das Transnacionais, os EUA e a União Européia armaram um bem sucedido golpe em julho de 2004, quando o conselho geral da OMC aprova um documento que legalmente só poderia ser aprovado por uma reunião ministerial: o famoso Acordo de Referência de Julho. No entanto essa manobra só pode ter sucesso graças à cooptação dos líderes do G20, Brasil e Índia, aceitos como parceiros plenos de negociação entre as chamadas “5 Partes Interessadas”, como designados pelos EUA e a EU para “representar” o Sul. Mais uma vez os poderosos do Norte usaram a estratégia de dividir para dominar contra o Sul. Mais uma vez conseguiram. Mais uma vez as elites do Norte atiçaram as ambições de seus parceiros do Sul que agiram contra seus povos. O que também é importante, com o resultado da ameaça, da decepção e da cooptação, vem o fato de que os países menos desenvolvidos perderam qualquer crença na possibilidade de reformar a OMC para tentar subir abordo. Porque Sem-Acordo-em-Hong-Kong é a única estratégia viável Com nada a ganhar e tudo a perder aceitando o Acordo de Referência de Julho, os países em desenvolvimento e os menos desenvolvidos devem defender seu terreno com firmeza e recusar-se a fazer as concessões demandadas pelos grandes poderes comerciais. A sociedade civil global deve pressionar de forma consistente os governos do Sul para reforçar sua determinação e forçá-los a voltar atrás se vacilarem como fizeram as elites do Brasil e da Índia. Nessa conexão, demandamos aos governos que coloquem os interesses dos povos acima daqueles das corporações transnacionais. Recusando seu consentimento à agenda da transnacionais cujos pontos principais estarão sendo negociados a caminho de Hong-Kong e durante a própria ministerial, os governos dos países em desenvolvimento tem poder para colocar em cheque a ofensiva liberalizante. Essa estratégia, é óbvio, seria equivalente a impedir que se chegue a um acordo na sexta ministerial. Assim como em Seattle e Cancun, melhor nenhum acordo que um acordo ruim. O descarrilamento da sexta ministerial não vai por fim à ameaça do livre comécio para os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos. Eles ainda terão de fazer frente aos acordos bilaterais e multilaterais – os chamados acordos OMC + - impulsionados por EUA, EU e Japão. No entanto, dada a centralidade da OMC na agenda das Corporações Transnacionais, uma ministerial falida ajudaria a dar espaço para uma nova equação de poder global, mais favorável aquilo que acreditamos serem os requisitos estratégicos para um desenvolvimento sustentável a favor dos povos: - Expulsar da OMC dos domínios da agricultura e pesca, serviços e direitos de propriedade intelectual. - Barrar a tentativa da OMC de desindustrializar os países menos desenvolvidos e em desenvolvimento e fazer deles mercados cativos das Corporações Transnacionais. - E criar um regime de comércio que realmente promova um desenvolvimento sustentável voltado para os povos e seus direitos. Para concluir, declaramos nossa solidariedade com os povos e comunidades que lutam contra a OMC e os acordos bilaterais, regionais e multilaterais de livre comércio na Ásia, África e América Latina. Convocamos todas e todos a participar das atividades que vão acontecer durante os próximos meses destinadas a prevenir que se chegue a uma acordo na reunião Ministerial de Hong Kong, sejam atividades de lobby, mobilizações de massa e ação direta não violenta. Também chamamos os movimentos sociais e políticos a mobilizar e organizar ações de pressão sobre os governos nacionais para defender os direitos dos povos. Chamamos todas e todos a mobilizar companheiros e companheiras de trabalhos, suas famílias, amigas e amigos para que venham às manifestações e eventos em Hong Kong em Dezembro para descarrilar a ministerial. Também chamamos os governos dos países do Norte a desistir das táticas de intimidação e manipulação que costumam empregar nas negociações... Nós, trabalhadoras e trabalhadores, campesinas e campesinos, dalits, povos indígenas, pescadores e pescadoras, estudantes, migrantes e outras comunidades marginalisadas da Ásia em solidariedade com outros povos estaremos firmes na linha de frente da luta global contra a Reunião Ministerial de Hong Kong. ABAIXO O ACORDO CONTRA O DESENVOLVIMENTO DE JULHO! SEM ACORDO NA MINISTERIAL DE HONG KONG! PROTESTEMOS CONTRA A OMC! -------------------------------------------------------------------------- ------ [1] Nota da tradução - Dumping: É a venda de um produto no mercado de um outro país a um preço "abaixo de seu valor normal", ou seja, preço que geralmente se considera menor do que o que se cobra pelo produto dentro do país exportador, ou em sua venda a terceiros países. De modo geral, o dumping é reconhecido como uma prática injusta de comércio, pois prejudica os fabricantes de produtos similares no país importador. Fonte: Rebrip, www.rebrip.org.br [2] Nota da Tradução: Doha, no Quatar, onde aconteceu a IV Reunião Ministerial da OMC, que deu início à atual rodada de negociações.