Lei de Biossegurança fere a Constituição Federal

2005-03-07 00:00:00

Março de 2005

O projeto de lei de Biossegurança aprovado contém várias
inconstitucionalidades, especialmente com relação aos poderes
transferidos à CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
– em matéria ambiental e de saúde pública.

A conseqüência mais previsível com a aprovação dessa lei é a
perpetuação das ações judiciais devido aos conflitos de
competência entre a CTNBio/MCT, IBAMA/MMA, ANVISA/MS e SEAP – como
a que se assistiu nos últimos anos.

Além disso, a nova lei representa grave retrocesso à
Administração Pública, devido ao desmantelamento do SISNAMA –
Sistema Nacional de Meio Ambiente – e da ANVISA – Agência Nacional
de Vigilância Sanitária – detentoras, por natureza, da avaliação
de riscos em matéria ambiental e de saúde, respectivamente.

USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA

Ofensa aos artigos 76 e 87 da Constituição Federal

Os Ministros de Estados têm o dever constitucional de
“exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e
entidades da administração federal na área de sua competência
(...)” e “expedir instruções para a execução das leis, decretos e
regulamentos”, entre outras obrigações.

As leis nº. 8490/1992 e nº. 9649/1998, dispondo sobre a
organização da Presidência da República e dos Ministérios,
atribuíram ao Ministério da Saúde competência para cuidar da
política nacional de saúde, da saúde ambiental e de ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde, da coordenação do SUS –
Sistema Único de Saúde; entre outras. Dentre as atribuições
conferidas ao Ministério do Meio Ambiente estão o planejamento,
coordenação, supervisão e controle das ações relativas ao meio
ambiente; a formulação da política nacional do meio ambiente, da
política de preservação, conservação e utilização sustentável de
ecossistemas e biodiversidade e florestas.

Com a nova lei, a competência dos referidos ministérios com
relação aos transgênicos será subtraída, subvertendo-se totalmente
o funcionamento e a hierarquia do Poder Executivo. Isto porque a
CTNBio ficará acima dos Ministros de Estado da Saúde e do Meio
Ambiente e passará a ser o único órgão com atribuição e poder
deliberativo em assuntos afetos à saúde e ao meio ambiente.
Ressalte-se que apesar das atribuições dos Ministérios estarem
dispostas em lei, a existência dos mesmos, como principais órgãos
auxiliares do Presidente da República, é ditada pela Constituição
Federal (artigo 76), o que será desrespeitado ao se criar uma
super comissão com o papel não só de um, mas de vários
ministérios.

PACTO FEDERATIVO

Ofensa aos artigos 1º., 18, 23, II e VI, 25 e 200 da
Constituição Federal

O Brasil é uma República Federativa. É federativa, porque é
conferida autonomia aos Estados-membros que se consubstancia em
capacidade de auto-organização, de auto-governo e de auto-
administração (conforme artigos 18, caput e 25, caput e parágrafo
1º.)

O legislador constituinte atribui competência comum à União,
aos Estados, Distrito Federal e Municípios zelar pela saúde
pública (artigo 23, inciso II, CF). O Sistema Único de Saúde,
cujas atribuições estão repartidas entre as três esferas de
governo, tem o dever constitucional de exercer o controle e a
fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse
para a saúde, e a fiscalização e inspeção de alimentos,
compreendido o controle de seu teor nutricional, sem falar na
colaboração para a proteção do meio ambiente (artigo 200, I, VI e
VIII). Todas essas atribuições serão usurpadas pela CTNBio, em
total desrespeito às disposições constitucionais.

É igualmente de competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas (art. 23, VI da
CF).

Com a nova Lei de Biossegurança, a decisão final em matéria
de transgênicos caberá única e exclusivamente à CTNBio. Tal
concentração do poder decisório representa afronta direta à
competência “compartilhada” estabelecida constitucionalmente. Não
é admissível a União retirar do processo de gestão ambiental e de
saúde pública os demais entes da federação, sob pena de
desrespeito também ao pacto federativo.

ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

Ofensa ao artigo 225, IV da Constituição Federal

O artigo 225, IV exige estudo prévio de impacto ambiental
(EIA/RIMA) para “instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente”.

Se assim determina o texto constitucional, é inadmissível
minimizar ou flexibilizar esse dever imposto ao Poder Público
conferindo a uma Comissão - que sequer é vinculada ao Ministério
responsável pela matéria ambiental (!) - competência exclusiva
para “deliberar, em última e definitiva instância, sobre os casos
em que a atividade é potencial ou efetivamente poluidora, bem como
sobre a necessidade do licenciamento ambiental”.(1)

Vale salientar que a CTNBio é composta por membros designados
pelo Ministro de Estado da Ciência(2) , sem controle do Poder
Legislativo. Segundo voto do Juiz João Batista Moreira do Tribunal
Regional Federal da Primeira Região, nos autos dos agravos
regimentais na ação civil pública 1998.34.00.027682-0/DF, a
respeito da CTNBio:

“É evidente a vulnerabilidade dessa entidade
decisória às pressões políticas e econômicas. Seus
membros estão humanamente sujeitos, mais que nas
agências reguladoras, a cooptação por grupos de
interesses, justamente num setor econômico que envolve
vultosos investimentos e lucros transnacionais. Não é
preciso ir longe para constatar essa vulnerabilidade.
Basta ver que no governo anterior era ostensivo o
interesse da União, por meio do Poder Executivo - que
designa os membros da entidade -, na liberação do
cultivo da soja geneticamente modificada. Lembre-se que
até houve veemente sustentação oral em favor da
manutenção do ato da CTNBio, ao início do julgamento,
pelo ilustre Sub-Procurador-Geral da União.”

Vale destacar a posição restritiva adotada pelo Supremo
Tribunal Federal quanto à exigência do EIA/RIMA previsto no artigo
225, § 1º, IV, da CF/88. Em importante decisão, decidiu a Corte
Suprema pela inconstitucionalidade de uma Constituição Estadual no
tocante à possibilidade de dispensar o prévio EIA/RIMA, em
situação bem mais simples, de florestamento e reflorestamento para
fins empresariais. Segundo o Supremo Tribunal Federal “a expressão
“na forma da lei”, constante do dispositivo constitucional, diz
respeito à forma como se fará o prévio estudo de impacto
ambiental, e não aos casos em que a exigência será possível, de
vez que a exigência é fixada, na CF/88, sem qualquer exceção”.
(ADIn 1.086-7/SC)

Assim, admitir que a uma comissão com as características
peculiares da CTNBio possa ser atribuído o poder exclusivo de
dispensar o EIA/RIMA e até mesmo o licenciamento ambiental é
insustentável juridicamente. Se prevalecer este entendimento, não
há dúvida que as ações judiciais continuarão.

PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO, INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

Ofensa aos artigos 1º. caput e inciso II, 5º., XXXIII e 225,
caput

A informação e a participação da sociedade em matéria
ambiental decorre do princípio democrático e é assegurada
constitucionalmente, por meio do artigo 1o., caput e inciso II,
artigo 5o., XXXIII e artigo 225, caput. O meio ambiente é, segundo
a CF, “bem de uso comum do povo” e por essa razão é direito dos
cidadãos participarem das decisões atinentes à matéria. Não é por
outra razão que ao exigir EIA/RIMA no artigo 225, IV, o legislador
constituinte impôs a necessidade de se dar publicidade.

A publicidade, princípio constitucional basilar da
Administração Pública, previsto no artigo 37, caput, não será
respeitada se não forem garantidas a transparência e a informação
sobre as questões de biossegurança apreciadas pela CTNBio. Por
isso, as tentativas contidas no Substitutivo do Senado de deixar
ao livre arbítrio da CTNBio ouvir ou não a sociedade civil
organizada e os cidadãos não podem prevalecer por serem
inconstitucionais(3) .

PROPOSTA

Vetar: o Artigo 14, inciso XX e parágrafos 1º e 2º; e o
Artigo 16, parágrafos 2º e 3º.

Este passo será decisivo para que a sociedade seja
resguardada de produtos transgênicos que ainda não foram
devidamente testados, que não concretizaram suas promessas de
produzir mais e poluir menos e que são cada vez mais rejeitados em
outros países.

Notas:

(1) Conforme artigo 16, parágrafo 3o. do Substitutivo do Senador Suassuna.

(2) Conforme artigo 11 do Substitutivo do Senador Suassuna.

(3) Por exemplo, os artigos 15, caput e parágrafo único, e 16, parágrafos 2o. e 3o., do Substitutivo.