Indígenas fortalecem luta por territorios
De Quito (Equador). A presença de dezenas de militares
equatorianos armados ao redor do local onde se realizava a
II Cúpula Continental dos Povos Indígenas, na capital
Quito, não intimidou os indígenas. A declaração final do
encontro tem forte conteúdo político e denuncia governos e
transnacionais. Além disso, reafirma a luta pelos
territórios e direitos coletivos como elemento de unidade
do movimento indígena. O documento também cobra do governo
brasileiro uma solução para o caso da Raposa Serra do Sol,
“um conflito causado pela falta de garantias territoriais e
de vida”.
Na entrada do evento, soldados fardados empunhando
carabinas e escopetas contrastavam com crianças - vestidas
com trajes típicos de suas nacionalidades indígenas - que
corriam e brincavam, indiferentes, pelas proximidades. Tal
imagem se repetiu durante os cinco dias em que se realizou
a Cúpula, que terminou dia 25 e antecedeu o Fórum Social
das Américas. Mais de 600 pessoas estiveram presente,
representando 64 povos de todo o continente americano.
Líderes das organizações participantes consideraram que a
declaração final avançou em relação ao resultado da I
Cúpula, realizada no México, em 2000, cujas resoluções
tinham conteúdo mais religioso, e menos político.
“Conseguimos obter uma unidade interna para impulsionar uma
coordenação permanente no continente. Precisamos estar
integrados, pois temos as mesmas necessidades”, afirmou
Gonzalo Gusman, dirigente internacional da Organização das
Nacionalidades Quíchuas do Equador (Ecuarunari).
Terra e resistência
O principal tema da declaração foi o da defesa dos
territórios indígenas, ameaçados hoje por estados,
organismos internacionais e grandes empresas. “Os governos
nacionais, seguindo a linha do Fundo Monetário
Internacional (FMI), do Banco Mundial e do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), nos devastam com o
pagamento da dívida externa e revertem nosso direito
coletivo à terra, modificando legislações para permitir sua
privatização e apropriação individual”, registra a
resolução do encontro, que se opõe a todas negociações de
acordos de livre comércio. “A experiência de nossos irmãos
mexicanos nos ensinou muito. Hoje, o México importa um
alimento típico de seu país, o milho, de agricultores
estadunidenses. Para piorar, compram milho transgênico. Não
queremos isso”, explica Gusman, sobre os efeitos do Tratado
de Livre Comércio do Atlântico Norte (TLCAN ou Nafta).
Nicia Maldonado, presidente do Conselho Índio da Venezuela
(Conive), concorda: “o neocolonialismo não nos mata
fisicamente, mas pela fome e pela escravidão. Temos de
somar forças continentais para enfrentar o sistema.
Queremos impor um pensamento multipolar e mostrar que
desejamos ser livres e autônomos.”
Direitos coletivos
Os indígenas também se mostraram contundentes na exigência
de que todos os estados nacionais reconheçam e apliquem o
Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), importante conquista dos povos indígenas e tribais
que lhes garante reconhecimento de direito à autonomia, à
igualdade de tratamento trabalhista e à preservação de seus
territórios. “Denunciamos que os estados da América se
caracterizam por violar instrumentos jurídicos nacionais e
internacionais em detrimento dos direitos coletivos de
nossos povos”, assinala a declaração da Cúpula.
Muitos estados nacionais, como o Equador ou o Brasil,
reconhecem direitos coletivos dos indígenas na
Constituição, mas, na prática, as normas jurídicas não são
aplicadas. Tais governos desrespeitam preceitos básicos
constitucionais, como o direito à diversidade cultural -
com a preservação de suas culturas, línguas e tradições -
ou o direito à gestão autônoma do seu território.
A Cúpula também foi crítica à militarização que ameaça cada
vez mais a soberania dos povos latino-americanos. “Trata-se
de um processo de recolonização da América Latina por parte
dos Estados Unidos, fato que se comprova pelas bases
militares instaladas estrategicamente, como no Equador, na
Colômbia, no Peru, em Cuba, em Honduras e na Argentina”,
criticam os indígenas.
Propostas e agenda de luta
Frente a essas adversidades, os indígenas elaboraram também
alternativas de resistências e superação das adversidades.
Uma delas diz respeito à busca de alianças com setores
também afetados pelo neoliberalismo, sobretudo com os
movimentos sociais. Outra exigência é a repatriação, sem
restrições, dos recursos genéticos e culturais extraídos
legal e ilegalmente das terras indígenas. A Cúpula também
define a criação de uma agenda comum de ações e
mobilizações para rechaçar o modelo neoliberal.
Solidariedade com Cuba, Venezuela e equatorianos
A declaração da II Cúpula contém três moções de apoio à
resistência dos cubanos, venezuelanos e equatorianos. “Nos
solidarizamos com o povo cubano por sua permanent luta
antiimperialista”, registra o documento. Sobre a Venezuela,
os indígenas avaliaram que o presidente Hugo Chávez tem se
caracterizado pela defesa da soberania nacional contra a
grave ofensiva capitaneada pelos Estados Unidos. As
organizações assumiram compromisso de realizar mobilizações
durante o referendo venezuelano, que vai decidir o futuro
de Chávez em 15 de agosto.
“O movimento indígena ganhou uma voz que não tinha quando
Chávez chegou ao poder, em 98. Pela primeira vez em nossa
história vamos apoiar um governo”, explicou Nicia
Maldonado, presidente do Conselho Índio da Venezuela
(Conive). Segundo ela, Chávez assumiu o compromisso de que
iria pagar uma dívida histórica com os índios – e seu
governo tem honrado com a promessa. “Chávez tem feito
demarcações de terra, criou uma cédula de identidade para
cada povo, rechaçou os transgênicos. Por isso, queremos que
cumpra seu governo”, explica Nicia.
Os indígenas também se solidarizaram com a luta da
Conferência das Nacionalidades
Indígenas do Equador (Conaie) contra o governo equatoriano
de Lucio Gutierrez e a defesa de sua plataforma política de
construir um Estado Plurinacional, onde as diversidades
sejam respeitadas.