Brasil: Repudiam ataques a Itamaraty

2003-10-15 00:00:00

Organizações sociais repudiam ataques ao Ministério das Relações Exteriores nas negociações da ALCA.

As negociações sobre a criação da Alca chegam a um momento crucial, explicitado
na forma de posições cada vez mais nítidas apresentadas durante a última reunião
do Comitê de Negociações Comerciais, em Trinidad e Tobago, entre os dias 30/09 e
03/10. Alguns setores da imprensa, revelando desconhecer a dinâmica negociadora,
optaram por atuar explicitamente em apoio aos interesses particulares de setores
do empresariado e do agribusiness, veiculados por alguns ministérios e, ainda
mais preocupante, aos interesses do governo dos EUA, atacando com argumentos
ideológicos a estratégia formulada pelo Ministério das Relações Exteriores.

A estratégia do MRE tem como grande mérito a criação de uma perspectiva de longo
prazo sobre a integração entre os interesses nacionais e as possibilidades da
integração econômica internacional, ao contrário de estratégias sujeitas a
interesses estreitos expressos por alguns outros ministérios que acompanham de
perto as negociações.

Como representantes de organizações sociais presentes na reunião, expressamos
nosso reconhecimento ao MRE pela abertura e transparência com que vem tentando
conduzir o processo, o que viabilizou inclusive a nossa participação na reunião.
Diante dos recentes ataques proferidos por setores da imprensa contra tal
abertura, reafirmamos a importância que o processo negociador seja conduzido
de forma transparente e com a participação de todos os setores da sociedade, e
não apenas daqueles que veiculam seus interesses através de alguns ministérios.
É importante salientar que, ao contrário do que tem sido veiculado sobre uma
suposta falta de consulta e informação prévia a reunião de Trinidad Tobago, temos
observado que a estratégia do MRE é sempre construída junto com vários
ministérios e órgãos governamentais, e que estes estiveram presentes à reunião
última reunião da CNC. Consideramos que o Parlamento, através das comissões e
demais instâncias criadas para acompanhar a ALCA, deveria ser envolvido de forma
mais sistemática nas consultas para a formação da estratégia brasileira.

Diferentemente de um conjunto de países que acabaram se submetendo a acordos de
livre-comércio com os EUA que no fundo referendam a estratégia norte-americana
para o continente, o governo brasileiro, através do MRE, tem procurado construir
uma política autônoma, tentando colocar limites às concessões que julga possíveis
no processo de negociação, privilegiando outros caminhos de integração, como o
Mercosul, a aceleração de acordos regionais na América do Sul, e a busca de
aproximação com África do Sul, Índia e China, entre outras alternativas.

Consideramos que o processo negociador da Alca, tal como construído até aqui,
apresenta enormes limitações aos interesses das maiorias sociais no interior de
cada um dos países, e um risco potencial grave para projetos de desenvolvimento
nacional. Em que pese a criatividade e altivez da estratégia do MRE, permanecer
no processo negociador em curso implica fazer concessões progressivas para fugir
de posições de isolamento, como mostrou a dinâmica da reunião de Trinidad e
Tobago, nas quais o Brasil e o Mercosul acabaram abrindo a possibilidade de
discutir, mesmo com restrições, os chamados "novos temas" no âmbito da Alca.

Ao acompanhar de perto o processo negociador, reforçamos ainda mais nossas
convicções sobre os riscos nele envolvidos. Entre esses riscos estão a abertura
para a discussão do tema investimentos no processo bilateral de negociações entre
o Mercosul e os EUA, assim como em Cancún o governo brasileiro expressara sua
disposição de discutir os chamados "novos temas" no âmbito da OMC. Estamos
convencidos que o Brasil não pode correr o risco de, em nome de tentar ampliar o
acesso ao mercado dos EUA, fazer concessões em áreas estratégicas para o
desenvolvimento nacional. Consideramos que o governo dos EUA tem dado sucessivas
demonstrações que não cederá precisamente onde estão os interesses dos setores
exportadores brasileiros: as restrições contidas no (TPA) Trade Promotion
Authority, a Farm Bill, a necessidade de ganhar apoio para a próxima eleição
presidencial em estados que se beneficiam dos subsídios e das regras anti-dumping
vigentes, e que os EUA demonstraram em Trinidad Tobago sua decisão de não incluí-
los na mesa de negociações.

Reafirmamos a posição de nossas organizações - que atuam nas áreas do
desenvolvimento sustentável, direitos do consumidor, saúde, acesso a
medicamentos, direito a serviços públicos essenciais, educação, meio ambiente,
direitos dos trabalhadores, defesa da agricultura familiar e camponesa, dos
direitos das mulheres, entre outros - contrárias à criação da Alca. Do nosso
ponto de vista, a participação em delegações oficiais é um passo muito importante
para garantir a transparência do processo, inclusive para aqueles que a ele se
opõem. Entretanto, essa participação e reconhecimento da transparência do
processo não podem se confundir com o apoio político ao acordo em negociação,
apoio este que só cabe ao conjunto da população brasileira se manifestar
legitimamente, através da realização de um plebiscito nacional sobre a adesão ou
não do Brasil à Alca.

13/outubro/2003

ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais.

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.

PACS - Políticas Alternativas para o Cone Sul.

REBRIP - Rede Brasileira Pela Integração dos Povos.

Via Campesina - Brasil.