Monsanto e o Projeto Vencedor no Haiti

2010-05-17 00:00:00

Sementes transgênicas estão sendo doadas ao Haiti pela empresa estadunidense Monsanto. A denúncia foi feita no último dia 10 de maio em artigo escrito pelo Padre inglês Jean-Yves Urfié, ex-professor de química do Collège Saint Martial, em Porto Príncipe. “A empresa transnacional Monsanto está oferecendo aos agricultores do país um presente mortal de 475 toneladas de milho transgênico, junto com fertilizantes associados e pesticidas, que serão entregues gratuitamente pelo Projeto WINNER [Vencedor em inglês], com o respaldo da embaixada dos Estados Unidos no Haiti”, alertou Urfiè. Segundo ele, a multinacional Monsanto já começou a distribuir sementes de milho transgênicas nas regiões de Gonaives, Kenscoff, Pétion-Ville, Cabaré, Arcahaie, Croix-des-Bouquets e Mirebalais. 
A forte repercussão dessa denúncia obrigou o Ministro da Agricultura do Haiti, Joana Ford, a convocar uma coletiva de imprensa no último dia 12 de maio em Porto Príncipe. "O Haiti não tem a capacidade para gerenciar os OGM [Organismos Geneticamente Modificados]” afirmou o Ministro Ford antes de desmentir que a doação da Monsanto fosse de milho transgênico. "Nós tomamos todas as precauções antes de aceitar a oferta feita pelo multinacional Monsanto para fazer uma doação de 475,947 kg de sementes de milho híbrido e 2.067 kg de sementes de hortaliças. Devemos também mencionar que, na ausência de uma lei que regulamenta a utilização de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) no Haiti, não posso permitir a introdução de sementes ‘Roundup Ready’ ou qualquer outra variedade de transgênicos", enfatizou o Ministro. 
Segundo Ford, as sementes híbridas oferecidos pela Monsanto são adaptadas às condições tropicais do Haiti. A doação integra uma campanha do Ministério da Agricultura para revitalizar o setor agrícola depois do terremoto de 12 de Janeiro. Para tanto, informa o Ministro, mais de 65 mil hectares de terra estão sendo beneficiados com tratores para o preparo do solo, fertilizantes, defensivos agrícolas e formação para os agricultores.
 
A própria Monsanto se viu obrigada a se pronunciar sobre o caso. “Nós acreditamos que a agricultura é a chave para a recuperação a longo prazo do Haiti”, afirmou a transnacional em nota publicada em sua página na internet. “Após o desastre, a Monsanto doou dinheiro para a recuperação”, continua a nota, “mas era evidente que a doação de nossos produtos - milho e sementes de hortaliças de qualidade - poderia realmente fazer a diferença na vida dos haitianos”. Foi imbuída deste espírito de generosidade que a maior fornecedora de sementes do Mundo resolveu doar ao Haiti o equivalente a US$ 4 milhões em sementes de milho híbrido, repolho, cenoura, berinjela, melão, cebola, tomate, espinafre e melancia. 60 toneladas dessas sementes chegaram em território haitiano na primeira semana de maio. Outras 70 toneladas aportaram na capital Porto Príncipe no dia 13 de maio. A previsão é que, para os próximos 12 meses, mais 345 toneladas de sementes híbridas de milho sejam distribuídas para os agricultores do país.
 
Abrindo mercados
O terremoto de 12 de janeiro causou a morte de 300 mil pessoas e desabrigou mais de um milhão de haitianos. Suas conseqüências foram devastadoras. Mas, apesar de ter alcançado sete graus na escala Richter, é bem pouco provável que o terremoto tenha abalado as estruturas de funcionamento de uma empresa transnacional como a Monsanto. A doação das 475 toneladas de sementes híbridas pode ser propagandeada como uma ação de generosidade da transnacional com o povo haitiano. Todavia, se forem analisadas as condições em que esta doação está sendo feita, a generosidade se converte em mera tática empresarial para aumento de divisas.  
 
O lucro da Monsanto no trimestre que se encerrou em 28 de Fevereiro de 2010 foi de US$ 887 milhões. No mesmo período do ano passado, o lucro fora de US$ 1,09 bilhão, o que significa uma queda de 19%. Segundo o diretor executivo da transnacional, Hugh Grant, o principal motivo desta queda foi a diminuição nas vendas de herbicidas e produtos químicos.
 
Em conferência a analistas no início de abril, Grant afirmou que não poderia recorrer ao aumento de preços para reverter essa queda, já que os agricultores não parecem dispostos a pagar preços mais altos pelas novas linhas de sementes transgênicas, algumas das quais duas vezes mais caras do que as variedades mais cultivadas hoje. "O retorno que estou tendo dos fazendeiros é de que se nossos preços forem diferentes, a curva de adoção das sementes será diferente", disse Grant.
 
Não sendo possível aumentar o preço dos seus produtos, a única saída para a Monsanto reverter a queda na sua taxa de lucros é com a abertura de novos mercados consumidores. Não é a toa que pouco menos de um mês após a conferência de Hugh Grant, as sementes da Monsanto aportaram no Haiti.
 
O que não foi dito nem pela Monsanto, nem pelo Ministério da Agricultura haitiano, é que essas sementes híbridas de milho só poderão cumprir suas promessas de produtividade e adaptação ao clima tropical haitiano se forem tratadas com herbicidas, fertilizantes e produtos químicos específicos, que não por acaso são produzidos pela própria Monsanto. Isso significa que os agricultores haitianos que receberem as sementes híbridas só conseguirão torná-las produtivas se adquirirem os herbicidas e fertilizantes da Monsanto.
 
Além disso, as famílias camponesas não poderão reaproveitar as sementes que brotarem desse milho, já que uma das características das sementes híbridas é que apenas a sua primeira geração é adequada para o plantio. Se quiserem continuar produzindo na próxima safra, os camponeses terão de comprar novas sementes da Monsanto.
Nesse ritmo, com o aumento do consumo de sementes e, consequentemente, de herbicidas, fertilizantes e produtos químicos da Monsanto, a previsão do Padre Jean-Yves Urfié poderá se tornar realidade: “Em breve, haverá apenas sementes da Monsanto no Haiti. Então, será o fim da independência dos agricultores.”  
 
Vencedor
A Monsanto não está sozinha nesta empreitada. O transporte e toda logística de distribuição das sementes no Haiti está a cargo de outras duas empresas estadunidenses, a Kuehne + Nagel Emergency and Relief Logistics e a UPS Foudation.
Ken Sternad, presidente da UPS, fez questão de se pronunciar sobre essa ação: “Como parte de nossos esforços contínuos para apoiar a recuperação do Haiti, a UPS tem o orgulho de doar os nossos serviços para os navios de sementes, já que o país começa a se mover em direção à construção de um futuro sustentável".
 
Esse “futuro sustentável” de que fala Sternad e que vem atraindo o interesse de tantas empresas estrangeiras está consolidado no Projeto WINNER [Vencedor em inglês]. Lançado em 08 de Outubro de 2009 pela USAID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional], o Projeto WINNER irá investir 126 milhões de dólares nos próximos cinco anos para construir uma nova infra-estrutura agrícola no Haiti, com o objetivo de aumentar sua produtividade. Para tanto, irá fornecer assistência técnica especializada, além de serviços técnicos e insumos agrícolas, como pesticidas e fertilizantes.
 
É por intermédio deste Projeto que serão distribuídas as 475 toneladas de sementes da Monsanto. De fato, tais sementes não chegarão diretamente às mãos dos camponeses haitianos. Elas serão destinadas primeiramente a lojas geridas pela USAID e depois serão vendidas por um preço “significativamente reduzido” às famílias camponesas. “Nossa meta é atingir 10 mil agricultores nesta temporada”, informou Jean Robert Estime, diretor responsável pelo Projeto WINNER. “As sementes irão ajudar a alimentar e fornecer oportunidades econômicas para os agricultores, suas famílias e a comunidade em geral”.
 
Para compreender que tipo de “oportunidades econômicas” são essas, é preciso elucidar quem são os atores por trás do Projeto WINNER. Seu diretor responsável, Jean Robert Estime, serviu como Ministro das Relações Exteriores durante os 29 anos da ditadura Duvalier no Haiti, época em que foram assassinados mais de 30.000 haitianos e o país abriu suas portas para os produtos alimentícios estrangeiros. Graças a essa abertura, o Haiti importa hoje 80% dos alimentos que consome.
 
Arquiteta e coordenadora do WINNER, a USAID é uma agência governamental estadunidense criada em 1961. Segundo sua página oficial na internet, tem a missão de “promover os interesses da política externa dos Estados Unidos na expansão da democracia e dos mercados livres, melhorando a vida dos cidadãos do mundo em desenvolvimento”. Com sede em Washington/DC, a USAID está presente nas cinco regiões do mundo. Seu trabalho apóia “o crescimento econômico e os avanços da política externa dos Estados Unidos”.
 
Novo terremoto
“Trata-se de um novo terremoto mais perigoso a longo prazo do que o que ocorreu em 12 de Janeiro. Não se trata de uma ameaça, mas de um ataque muito forte à agricultura camponesa, aos camponeses e às camponesas, à biodiversidade, às sementes crioulas que estamos defendendo, ao que resta de nosso meio ambiente no Haiti”, denuncia Chavannes Jean-Baptiste, coordenador do MPP (Mouvman Peyizan Papay) e membro da Via Campesina haitiana.
 
Chavannes acusa o governo haitiano de estar aproveitando o terremoto para vender o país às forças imperialistas e às empresas transnacionais. “Não podemos aceitar isso”, adverte o dirigente camponês, “devemos iniciar já a mobilização contra este Projeto, contra a Monsanto no Haiti. Necessitamos de uma unidade forte no Haiti e uma forte solidariedade internacional para enfrentar a Monsanto e todas as forças da morte que querem acabar com a soberania total deste pequeno país que conquistou sua independência com o sangue de seus filhos e de suas filhas desde 1804”.
 
Como primeiro passo neste enfrentamento, o MPP convocou os camponeses a enterrar e queimar todas as sementes de milho provenientes do Ministério da Agricultura. Além disso, uma grande marcha está sendo planejada pela Via Campesina Haiti para os próximos dias 04 e 05 de junho, na ocasião do Dia Internacional do Meio Ambiente. A marcha partirá da região de Papay com destino à cidade de Hinche, capital do departamento Central.