Trabalhadores impõem derrota à Syngenta no Paraná

2009-12-09 00:00:00

O dia 05 de dezembro de 2009 ficará marcado na memória dos camponeses e lutadores do Brasil como um momento histórico, devido à vitória de uma das maiores batalhas que a Via Campesina vem travando, desde 2006, contra o domínio de uma transnacional no Paraná.
 
A vitória foi comemorada com o ato de inauguração do Centro de Ensino e Pesquisa em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira e do Monumento Keno Vive, que reuniu cerca de 3,5 mil participantes, onde antes estava instalado o antigo centro de experimentos da transnacional Syngenta Seeds, em Santa Tereza do Oeste.
 
Durante a inauguração, um dos coordenadores nacionais da Via Campesina, João Pedro Stédile, garantiu que a organização internacional dos camponeses ganha com a vitória contra a Syngenta no Paraná. E comparou a conquista com a criação do MST, que aconteceu em 1984, na mesma região. “Podemos comparar essa conquista à formação do MST, pois o local servirá como retaguarda para produção e pesquisa, na resistência dos camponeses, sendo um marco na produção de sementes agroecológicas”, comemorou.
 
A conquista do Centro de Agroecologia, que será administrado pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), só foi possível devido à luta das famílias camponesas, que permaneceram na área por mais de dois anos, além da postura de apoio do governo do Paraná.
 
A solidariedade nacional e internacional foi outro elemento importante nessa conquista. José Maria Tardin, membro da Via Campesina, aponta que o dia do assassinato de Keno (21 de outubro), hoje simboliza uma data de luta contra as transnacionais, em vários países onde os camponeses estão organizados. “A Via Campesina realizou atos de ocupações, na Suíça, sede mundial da Syngenta, um funeral foi organizado, denunciando a prática ilícita da Syngenta em estabelecimentos de pesquisa”, declara.
 
Tardin explica que o novo centro deve ter um comitê gestor, entre movimentos sociais, universidades e o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar). A atribuição do novo centro é a geração de conhecimento tecnológico, para capacitar o agricultor na transição do uso de agrotóxicos para a produção agroecológica. “É uma ciência que nos permite, através de uma integração muito íntima do conhecimento humano com a natureza, produzir alimentos sem agredir o meio-ambiente, e ofertar o alimento para a população sem riscos para a saúde humana, sem a utilização de tecnologia de risco para a saúde, como os transgênicos”, define.
 
Guardiões da Biodiveridade
 
A atividade homenageou a memória do trabalhador da Via Campesina, Valmir Mota de Oliveira, assassinado em 2007, por uma milícia privada contratada pela Syngenta. Este também foi um momento em que os camponeses, verdadeiros guardiãos da biodiversidade, reafirmaram o compromisso de cobrar do governo do Paraná que o Centro de Agroecologia se transforme, de fato, em um espaço de referência na irradiação de experiências agroecológicas para os camponeses e pequenos agricultores brasileiros.
 
De acordo com o governador do Paraná, Roberto Requião, “O Estado tinha a obrigação de dar o nome do Keno (Valmir Mota de Oliveira) ao Centro de Agroecologia, devido à luta do trabalhador por uma sociedade mais justa”, declarou. Ele acredita que o combate contra a transgenia já é vencedor no Brasil, devido ao trabalho de conscientização dos movimentos sociais.
Requião também classificou como equivocada a posição dos ruralistas da região, que tentaram fazer um protesto contra a inauguração do monumento. E convocou os fazendeiros a enviar seus filhos ao Centro de Agroecologia para “aprender a cultivar uma agricultura sadia e viável que salvará a tradição agrícola dos seus pais e ajudará na luta pela independência nacional”.
 
“Lutar, erguer-se”,
A luta de nossa gente
gravada em sangue e aço,
conquistou essa terra,
que pode agora dar guarida,
gerar vida e conhecimento para a humanidade.
 
A poesia demonstra um dos momentos de maior emoção do ato, que ocorreu com a inauguração do Monumento “Keno Vive”, que teve a presença da viúva, Irís e dos dois filhos de Keno. O monumento foi erguido em frente ao Centro de Agroecologia. Projetado pelo artista Marcus Cartum. A peça é uma chapa de aço maciça com 10 metros de altura, “que emerge inclinada em balanço livre a partir do solo, como um objeto que estava tombando, mas voltou a erguer-se verticalmente”, de acordo com a explicação do artista.
 
Histórico de Luta – Acampamento Terra Livre
 
A partir de março de 2006, durante o COP8 e MOP3, a Via Campesina iniciou uma importante luta contra a transnacional Syngenta Seeds, que desenvolvia pesquisas ilegais em experimentos de soja e milho transgênicos, na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu. Prática proibida pela Lei de Biossegurança da época. Os camponeses e camponesas da Via Campesina ocuparam a área da empresa e organizaram a resistência a partir do acampamento permanente “Terra Livre”.
 
No dia 21 de outubro de 2007, a Syngenta contrata uma milícia fortemente armada que ataca as famílias no acampamento e executa o trabalhador da Via Campesina Valmir Mota de Oliveira – Keno, além de deixar várias pessoas gravemente feridas.
A sem-terra Izabel Nascimento de Souza, atingida por três tiros e espancada pelos pistoleiros, teve a perda de um olho e o movimento do braço direito. Um dos seguranças foi morto durante o incidente. Bastante emocionada durante a homenagem à Keno, Izabel lembrou que ele foi assassinado por estar na linha de frente protegendo os companheiros. “A maior cicatriz que fica é do sentimento, que nunca vai se apagar. Keno foi um herói”, resumiu.
 
Syngenta e ruralistas permanecem impunes
 
À época do assassinato, sete pistoleiros da NF Segurança haviam sido presos, os outros 33 não foram encontrados. Durante o episódio do assassinato, os dois proprietários da NF Segurança, Nerci de Freitas e Maria Ivanete Campos de Freitas, foram indiciados pela justiça. Desde o momento do assassinato, existem fatos que comprovam a ligação entre a NF Segurança e a Sociedade Rural do Oeste (SRO), comandada pelo ruralista Alessandro Meneghel.
 
Passados dois anos, a transnacional suíça e a entidade ruralista permanecem impunes. Embora a NF Segurança tenha sido contratada pela Syngenta, o Ministério Público não responsabilizou a empresa pelo uso de armas, de acordo com o advogado da organização Terra de Direitos, Fernando Prioste. “A vinculação existe. O Ministério Público entendeu que não é suficiente para penalizar a empresa. Já que o contrato não recomendava o uso de armas. No entanto, a lacuna é que não está previsto que uma milícia privada pudesse matar quem estivesse na área”, critica Prioste.
 
A denúncia do Ministério Público divide-se entre a indicação dos pistoleiros e donos da NF Segurança e dos próprios camponeses da Via Campesina. O famigerado Alessandro Meneghel é apontado no documento devido um despejo ilegal anterior ao caso da Syngenta. Em situação pouco comum, os membros da Via Campesina são acusados da morte do segurança e da morte do próprio Keno, “por dolo eventual” caracterizado por assumir o risco, como se houvesse intenção de cometer crime, explica a Terra de Direitos – a tese, na avaliação da entidade, insere-se em um processo de criminalização do movimento. “Na nossa avaliação, a posição do Ministério Público, dá a entender de modo indireto que o crime foi a ocupação da terra”, critica o advogado da organização Terra de Direitos, Fernando Prioste.
 
Caso isso ocorra, “não serão as pessoas individualmente as condenadas, e sim o MST, que vai estar lá no banco dos réus. O militante da Via Campesina, Celso Barbosa, é indicado como autor material do assassinato do segurança, pelo fato de ser uma liderança do Movimento na região”, afirma. Agora, o processo está na fase de recolhimento de provas, com testemunhas importantes a serem ouvidas, em relação ao envolvimento da SRO e atuação da NF Segurança, no campo de experimentos da Syngenta