Começa o 3º Fórum Social Mundial das Migrações
Com 2800 delegadas e delegados inscritos em representação de todos os continentes, e com uma cidade voltada por completo à organização e celebração do evento, começou, esta quinta-feira (11), em Rivas Vaciamadrid, Espanha, o III Fórum Social Mundial das Migrações (IIIFSMM). Os fóruns anteriores foram celebrados nesta mesma cidade (2006) e em Porto Alegre, Brasil (2005).
O ato inaugural do Fórum foi realizado no Auditório Pilar Bardem, e participaram o prefeito da cidade de Rivas, sr. José Masa, assim como Ignacio Díaz Aguilar, presidente da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado (CEAR) e Dom Demétrio Valentini, bispo brasileiro, co-fundador do Grito dos Excluídos e integrante do Serviço Pastoral dos Migrantes no Brasil.
Para o prefeito de Rivas, o III FSMMM acontece em um momento complexo, devido as recentes mudanças na política migratória da União Européia. Para o prefeito, a crise que a economia européia vive não deve ser paga pelos mais fracos: os migrantes. Nessa direção, manifestou seu rechaço à triste Diretiva de Retorno, aprovada há poucas semanas pelo Parlamento Europeu.
Recordando que há 20 anos chegou à Espanha a primeira “balsa” - como são chamadas as embarcações usadas pelo migrantes africanos em sua travessia pelo mar -, o presidente do CEAR advogou pela plena garantia de respeito aos direitos das pessoas migrantes, incluindo seus direitos políticos. Com relação à forma em que a União Européia está lidando com a questão migratória, com um enfoque criminalizador, afirmou que “os dirigentes políticos europeus têm muito medo de um mundo que está mudando e que eles não compreendem”, ao referir-se às dinâmicas migratórias que não são compreendidas em sua verdadeira natureza e que por isso mesmo são criminalizadas.
Por sua vez, Dom Demétrio Valentini disse que os conflitos migratórios são o termômetro mais sensível que temos sobre as dificuldades de uma convivência sã e aberta em meio à diversidade. Para ele, os migrantes “são profetas de mudanças, pois tornam necessárias grandes mudanças políticas, culturais e sociais” nos países de destino.
Apesar de ter expressado seu rechaço definitivo à Diretiva de Retorno da UE, o bispo brasileiro foi enfático ao assinalar que o III FSMM deve superar a simples condenatória da mesma, vendo nela mais um sintoma da crise atual, que é muito mais complexa e que guarda uma estreita relação com a crise ambiental.
Para o bispo, se trata de superar o paradigma atual e passar a uma nova forma de compreender as migrações, em sua estreita relação com os processos econômicos e culturais desencadeados pelo modelo produtivo capitalista: “A civilização atual está em um beco sem saída, e por isso é imposta uma mudança de paradigma em favor da humanidade, pois é inadmissível que continuem existindo ilhas de prosperidade rodeadas de oceanos de miséria, isso simplesmente está condenado ao fracasso”, protestou.
Também participaram da mesa principal outros oradoras e oradores, a reconhecida dirigente palestina Rajaa Derbashi, presidente do campo de refugiados palestino de Baga; o sociólogo belga Francois Houtart, assim como a dirigente Farhiya Noor, do Movimento Nacional de Base de Migrantes Somalis nos Estados Unidos.
A dirigente palestina fez uma entusiasmada defesa do direito de seu povo retomar sua pátria, que qualificou como “uma necessidade histórica”. Fez uma crítica severa aos campos de refugiados palestinos, como por exemplo na Jordânia, onde vivem milhares e milhares de seres humanos nas piores condições materiais imagináveis. Rajaa disse que a luta por conquistar de novo sua pátria é uma luta de todos os palestinos expulsos e dos que vivem ainda em sua terra, mas sem o reconhecimento jurídico internacional e submetidos por forças opressoras todos os dias.
A dirigente Farhiya Noor, somali que aos 12 anos chegou sem parentes, sem amigos e sem apoio aos Estados Unidos (expulsa de sua pátria pela guerra civil), hoje em dia é reconhecida como norte-americana depois de ter estudado e terminado de criar-se nos EUA, é agora uma ativista em favor dos direitos humanos dos somalis que vivem e chegam aos Estados Unidos em busca de uma nova oportunidade. Ela destacou a necessidade de organizar os migrantes para que tenham voz em uma sociedade que, apesar de necessitar deles, lhes nega o reconhecimento básico de seus direitos.
As migrações do novo século: as migrações climáticas
Para Francois Houtart, “estamos na véspera de um novo tipo de migrações: as migrações climáticas”, associadas à mudança climática que antes do fim do século pode gerar o deslocamento de cerca de 150 a 200 milhões de seres humanos, forçados a abandonar sua terra pela seca, as inundações e a expansão dos agro-combustíveis.
O modelo de desenvolvimento, altamente consumidor de energia fóssil gera desequilíbrios ambientais que afetam a população mundial, em especial a mais pobre. Este modelo de desenvolvimento produz 300 milhões de toneladas de CO2 por ano, com uma tendência à alta que faz prever um crescimento de 57% para 2030.
Enquanto 20% da população mundial consome 80% dos recursos, a crise ambiental é eminente (ainda que todavia pudéssemos fazer algo, começando a atuar agora). Um aspecto da crise ambiental é a crise hídrica, por exemplo, a China tem 20% da população mundial, mas apenas tem 7% da água potável do mundo, e essa pressão pelo recurso é sentida em muitos outros cantos do planeta. Ao final, perderão os que perdem sempre, de acordo com este modelo depredador e concentrador, pelo que se impõe urgentemente atuar para mudar a direção das coisas.
Para Houtart, “no princípio, o sistema econômico mundial se negou a reconhecer as evidências da mudança climática, pagando inclusive milhões de dólares em consultorias que disseram que isto não existia; agora, ante a evidência cada vez maior do impacto humano sobre o meio ambiente, tem adotado um discurso 'verde' para abrir novos negócios e mercantilizar as soluções possíveis do problema”.
Como exemplo, fez referência aos mecanismos pervesos como a “Bolsa de Carbono”, que fomentam os monocultivos florestais como supostos poços de carbono mas que, na realidade, agravam o problema. Igualmente, os agro-combustíveis não são a solução à dupla crise energética e ambiental que enfrenta o capitalismo, pelo que se faz necessário buscar as alternativas políticas e sociais que tornem possíveis um mundo que inclua e onde as soluções beneficiem a todos e todas, incluindo ao planeta mesmo, do qual somos apenas uma parte.
Ao iniciar o III FSMM, então, se abre um debate intenso do qual participarão movimentos sociais, organizações de migrantes, ONG's e diversas personalidades preocupadas pelo crescimento e tendências no âmbito migratório. Espera-se que este Fórum fortaleça as iniciativas conjuntas e o intercâmbio de esforços e informação para poder enfrentar articuladamente uma questão que, longe de ser “nacional”, tem se convertido em um dos maiores desafios globais para a humanidade.