OMC: Passos virtuais, perigos reais

2005-12-21 00:00:00

A reunião ministerial da OMC em Hong Kong se encerrou com um acerto
cosmético que tenta sinalizar aos governos e a opinião pública que a
OMC não está em crise institucional e que a Rodada Doha (ainda) não
fracassou.

O documento a que chegaram os ministros, entretanto, é um documento
fundamentalmente vazio, onde decisões aparentes, como a data para o
fim de subsídios às exportações agrícolas, é relativizada pela
necessidade de se chegar a um acordo de modalidades como condição à
sua implementação (1).

O ponto fundamental, mesmo para a agricultura, é a conclusão de que é
preciso seguir o processo de negociação para que se possa chegar ao
fim das discussões da Rodada. (2) Mesmo estando tudo condicionado,
foram introduzidos pontos que representam perigos reais, e que a
partir de agora servirão como referência para as negociações de bens
industriais e serviços.

Sobre bens industriais, com a inflexão dos negociadores brasileiros e
outros, acabou se aceitando a adoção da fórmula suíça (cortes
superiores para tarifas maiores). Entretanto, aqui como em agricultura,
fica a mesma questão dos prazos exíguos para a conclusão das
negociações (no caso de NAMA, item 23).

No item 24, (3) entretanto, se oficializa a barganha cruzada entre
abertura em bens industriais e bens agrícolas, que se levada adiante
pode cristalizar a primarização da produção nos países em
desenvolvimento exportadores de commodities agrícolas, como o Brasil,
com forte efeito negativo sobre o emprego industrial e sobre a
capacidade dos países do Sul de formularem políticas industriais.

Em serviços, os principais perigos estão no Anexo C, que se refere
tanto a possibilidade de levar adiante negociações plurilaterais, em
adição ao sistema de negociação por oferta e pedidos cristalizado no
GATS, e à inclusão de um reforço à discussão de compras governamentais.

Menções complicadas também são feitas ao tema da coerência entre
finanças e comércio, e ao trabalho conjunto a ser desenvolvido por OMC,
FMI e Banco Mundial (Ítem 56), e também (Item 57) ao apoio que essas
instituições podem dar ao programa de Ajuda para Comércio (Aid for
Trade).

Vale observar também que o Item 29 incorpora pesadamente o tema das
denominações de origem às discussões de TRIPS (demanda da União
Européia), e o Ìtem 40 ratifica a decisão do Conselho Geral de 06/12
desse ano que limita o licenciamento compulsório, apontando o caminho
da importação de quem já tenha feito o licenciamento como a saída para
alguns países obterem os medicamentos que julguem necessários a seus
programas de saúde nacionais.

Ou seja, o texto do documento ministerial é, de um lado, uma
reafirmação das intenções de seguir discutindo em vários temas, o
principal deles agricultura. Mas também é uma reafirmação dos perigos
que se desenhavam para os países em desenvolvimento desde a elaboração
do “Pacote de Julho”, em 2004.

As organizações e movimentos sociais no Brasil e no mundo devem seguir
vigilantes e mobilizadas em relação aos próximos passos dos
negociadores nos primeiros meses de 2006, pois estarão em jogo os
direitos e a soberania dos povos.

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(1) Item 6: “We agree to ensure the parallel elimination of all
forms of export subsidies and disciplines on all export measures with
equivalent effect to be completed by the end of 2013. This will be
achieved in a progressive and parallel manner, to be specified in the
modalities, so that a substantial part is realized by the end of the
first half of the implementation period.”.

(2) Item 10: “However, we recognize that much remains to be done in
order to establish modalities and to conclude the negotiations.
Therefore, we agree to intensify work on all outstanding issues to
fulfil the Doha objectives, in particular, we are resolved to
establish modalities no later than 30 April 2006 and to submit
comprehensive draft Schedules based on these modalities no later than
31 July 2006.”

(3) “We recognize that it is important to advance the development
objectives of this Round through enhanced market access for developing
countries in both Agriculture and NAMA. To that end, we instruct our
negotiators to ensure that there is a comparably high level of
ambition in market access for Agriculture and NAMA. This ambition is
to be achieved in a balanced and proportionate manner consistent with
the principle of special and differential treatment.”

19 de dezembro de 2005
Rede Brasileira Pela Integração dos Povos