Em ocasião da Sexta Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio

OMC: Declaração do Caucus de Direitos Humanos

2005-12-12 00:00:00

Em questão de dias, delegados governamentais se reunirão em Hong Kong para o último evento do processo de globalização econômica em curso a Sexta Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Nós, os membros da sociedade civil de países desenvolvidos e em via de desenvolvimento, preocupados com o impacto deste processo na realização dos direitos humanos e as liberdades fundamentais das pessoas de todo mundo, aproveitamos a oportunidade do Dia Internacional dos Direitos Humanos para recordar a nossos governos que suas obrigações de direitos humanos não podem ser abandonadas nas portas da OMC.

A primazia moral e legal dos direitos humanos

A luta pelos direitos humanos é uma luta pela dignidade humana, que constitui um valor ético fundamental e definitivo de toda cultura. A liberalização do comércio, por outro lado, é um meio, não um fim em si mesmo. O fim que deve perseguir o comércio, bem como outros fatores da política econômica, é o de incrementar o bem-estar humano através do desenvolvimento. Esta é a única base sobre a qual uma política econômica determinada pode cobrar legitimidade moral e política.

O cânon do direito internacional dos direitos humanos (compreendido pelos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais) oferece uma definição jurídica integral dos elementos fundamentais do bem-estar e a dignidade humana. Portanto , toda política comercial ou econômica que ofenda os princípios de direitos humanos, já seja em seu desenho ou em sua prática, carecerá de legitimidade moral e política.

Os direitos humanos se encontram consagrados num número de tratados internacionais e em muitas constituições nacionais. Considera-se que uma porção substancial do direito dos direitos humanos atingiu um status dentro do direito costumário internacional. Alguns de seus princípios fundamentais são reconhecidos como normas do direito internacional.

A promoção e proteção dos direitos humanos estão referidas na Carta de NU como objetivos fundamentais das Nações Unidas. Através dos Artigos 55(c) e 56 da Carta de NU, os Membros das Nações Unidas se comprometem a tomar ações conjuntas e por separado para "promover o respeito universal aos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos, sem fazer distinção por motivos de raça, sexo, idioma ou religião." O Artigo 103 da Carta estabelece expressamente e sem ambigüidade alguma que "en caso de conflito entre as obrigações contraídas pelos Membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e suas obrigações contraídas em virtude de outro convênio internacional, prevalecerão às obrigações impostas pela presente carta.”

O incremento do comércio sem dúvida pode atuar como um meio para a realização dos direitos humanos -especialmente o direito ao desenvolvimento-mas não necessária ou automaticamente o faz. Ainda que o comércio gera riqueza, a distribuição deficiente dos benefícios tanto dentro como entre as nações, perpetua a pobreza e impede a realização progressiva dos direitos humanos.

A Agenda de Desenvolvimento de Doha & coerência entre leis, políticas e práticas

Os direitos humanos e as políticas econômicas se encontram interconectados até um ponto tal que demandam coerência entre as leis, políticas e práticas nacionais e internacionais. Num contexto mais amplo do nexo entre segurança-desenvolvo-direitos humanos, Kofi Annan, Secretário Geral de NU, declarou em seu relatório de Março de 2005, Um Conceito Mais Amplo da Liberdade, que:

Não teremos desenvolvimento sem segurança, não teremos segurança sem desenvolvimento e não teremos nem segurança nem desenvolvimento se não se respeitam os direitos humanos. Se não se promovem todas estas causas, nenhuma delas poderá triunfar.

Não obstante, o regime de comércio internacional em reiteradas ocasiões negou e recusado toda interseção entre seu mandato e os direitos humanos. Isto resulta indefensível, tanto legal como logicamente, já que a maioria dos membros da OMC ratificaram ao menos um dos principais tratados de direitos humanos de NU.

Este isolamento da comunidade do comércio internacional se baseia, em parte, numa falta de conhecimento sobre os direitos humanos -em particular dos direitos econômicos, sociais e culturais como um elemento inseparável do cânon do direito internacional dos direitos humanos -e sobre a importante contribuição que os direitos humanos podem contribuir para obter resultados desejáveis de desenvolvimento a partir de políticas e práticas comerciais.

Assim mesmo, dito isolamento é o resultado de uma falta de conexão entre as políticas e práticas comerciais internacionais e a meta de aumentar o bem-estar humano. O incremento do comércio e a liberalização comercial se converteram em fins em si mesmos, e as negociações comerciais geram rinhas entre os governos envolvendo-os num processo competitivo impulsionado por interesses corporativos em lugar do desenvolvimento humano.

Denunciamos esta tendência aislacionista, que vai na contramão do Preâmbulo do Acordo de Marrocos, e apelamos a que nossos governos tomem medidas específicas para garantir a coerência entre os meios comerciais e os fins de direitos humanos.

- Os Estados membro da OMC deveriam ter em conta suas obrigações de direitos humanos em todos os aspectos do desenvolvimento, negociações e práticas da política comercial.

- Os Estados membro da OMC devem empreender avaliações de impacto nos direitos humanos antes de concluir novos acordos ou revisões de tratados comerciais existentes, bem como no curso de implementação de tratados existentes.

- A informação sobre o impacto nos direitos humanos deveria incluir-se nas revisões das políticas comerciais, tanto nos relatórios dos membros como nos relatórios elaborados pela secretaria da OMC, incluindo a informação proporcionada por fontes da sociedade civil.

- A OMC deveria ser receptiva quanto a argumentos de direitos humanos no contexto da solução de diferenças, incluindo a possibilidade para organizações de direitos humanos de apresentar escritos ante os painéis e o Órgão de Apelação estabelecido sob o Entendimento sobre Solução de Diferenças

- Os Estados devem estabelecer mecanismos efetivos dentro do governo para incrementar a coerência das políticas comerciais e as de direitos humanos. Os ministérios de comércio e representantes comerciais deveriam receber informação e avaliações de direitos humanos de fontes tanto governamentais como não-governamentais a fim de formular e vogar por decisões coerentes de políticas em foros econômicos internacionais.

Obrigações Extraterritoriais

Nenhum país, até o momento, esforçou-se o suficiente por garantir que sua posição com respeito às políticas em foros econômicos internacionais coincida com suas obrigações internas de direitos humanos e com as obrigações de direitos humanos de seus sócios comerciais.

O direito internacional dos direitos humanos gera obrigações sobre os Estados com respeito à assistência e cooperação internacionais. Estas obrigações requerem que os Estados se abstenham de tomar ações (incluindo no contexto de negociação e implementação de acordos comerciais internacionais) que pudessem interferir, direta ou indiretamente, com o goze dos direitos humanos em outros países, bem como em seus próprios países. Tais obrigações extraterritoriais implicam que devem adotar-se medidas para garantir que as atividades empreendidas pelos Estados individualmente ou como parte de processos multilaterais, incluindo negociações comerciais, não socavem a habilidade de outros Estados para satisfazer suas obrigações de direitos humanos.

- Os Estados desenvolvidos deveriam ter em conta sua responsabilidade na cooperação e assistência internacionais para a realização dos direitos humanos.

- Os organismos de tratados de direitos humanos de NU deveriam fortalecer sua capacidade para examinar os impactos dos acordos e políticas de comércio internacional nos direitos humanos e a emitir observações concernientes à coerência entre políticas.

Comércio agropecuário e o direito à alimentação

Num mundo que possui alimentos mais do que suficientes para abastecer a todos seus habitantes, o número de pessoas que sofrem de fome e desnutrição está em constante crescimento. De acordo com a Organização de Agricultura e Alimentação de NU, mais de 850 milhões de pessoas carecem de uma alimentação adequada. Cada cinco segundos, um menino menor de cinco anos de idade morre de fome ou por uma doença relacionada com a fome. O comércio internacional de produtos agropecuários deve ser parte da solução, não parte do problema, no que a esta trágica realidade se refere.

Existem vínculos diretos entre a liberalização do comércio agropecuário e a falta de respeito, proteção ou cumprimento do direito à alimentação. Os países em via de desenvolvimento foram pressionados a abrir seus mercados agropecuários às importações estrangeiras que com freqüência são exportadas a um custo menor ao custo de produção As regras comerciais injustas, somado às condições de empréstimo das instituições financeiras internacionais, limitaram o espaço político para que os países em via de desenvolvimento possam cumprir com suas obrigações de direitos humanos.

A Agenda de Desenvolvimento de Doha requer que os membros da OMC abordem as preocupações relativas aos meios de subsistência e a segurança alimentícia estabelecendo flexibilidades adequadas dentro das novas regras comerciais no setor agropecuário. No entanto, na véspera da 6ta Reunião Ministerial da OMC, não podem oferecer-se muitas esperanças de avanço neste objetivo aos granjeiros e populações pobres que sofrem fome ao redor do mundo, e às sociedades das que fazem parte.

- Os membros da OMC devem honrar seu compromisso de oferecer um trato especial e diferencial aos países em via de desenvolvimento como parte integral das negociações, incluindo as negociações sobre agricultura.

- As regulamentações de acesso ao mercado devem permitir a diferenciação, e que os países em via de desenvolvimento adotem regras e práticas em pos de proteger os meios de subsistência dos pobres que dependem da agricultura.

- Os países em via de desenvolvimento devem contar com suficiente espaço político para permitir-lhes apoiar aos pequenos granjeiros e proteger seus mercados agropecuários de importações a baixo custo, especialmente produtos básicos.

- Os países desenvolvidos devem cessar o dumping da produção agropecuária subvencionada.

Comércio de serviços e provisão eqüitativa de serviços essenciais

As negociações atuais sobre o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços da OMC (AGCS) implicam a ameaça de socavar a capacidade dos governos nacionais para implementar medidas para a provisão eqüitativa de serviços essenciais (tais como saúde, água, saneamento e educação) a todos seus cidadãos. A implementação de tais medidas é um requisito central para os Estados em virtude dos compromissos assumidos nos tratados de direitos humanos. Pese a que o AGCS tecnicamente não requer que o Estado se retire da provisão de serviços essenciais, a lógica da liberalização do comércio em serviços não favorece a provisão eqüitativa de ditos serviços. Os requerimentos legais do AGCS continuam ameaçando a intervenção e supervisão efetiva do Estado nesta área. As demais negociações mandatárias também podem pôr em risco a capacidade dos governos para regular os serviços no interesse público.

Ademais, a devida consideração do potencial impacto do AGCS deveria abordar a falta de balanço de poder entre os países no processo de negociação, e a pressão atual pela privatização do setor público sob as prescrições de políticas por parte das IFIs.

Na medida em que as obrigações de direitos humanos de empresas privadas ainda não sejam legalmente aplicáveis a todas as circunstâncias, já que os Estados de origem destas empresas duvidam em adotar legislação extraterritorial a estes efeitos, e dado que os Estados anfitriões podem achar legal ou praticamente impossível impor obrigações estritas às empresas estrangeiras, os direitos das populações pobres e vulneráveis ao mais alto nível de saúde nutrição, educação, etc. possível, pode cair em grave risco.

- Os serviços essenciais com implicâncias diretas em direitos humanos específicos -tais como o direito humano à saúde, o água e a educação deveriam excluir-se das negociações em virtude do AGCS.

- Não deveriam incorporar-se novos enfoques às negociações do AGCS (tais como 'estabelecimento de pontos de referência' ou enfoques setoriais) que pudessem socavar a atual flexibilidade do enfoque da lista positiva.

- A habilidade dos Governos para regular no interesse público não deve estar sujeita a novas restrições.

Direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio e o direito humano à saúde

O Acordo da OMC sobre os Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (DPIC) gerou tremendos obstáculos para a realização progressiva dos direitos humanos à saúde e à vida, particularmente em matéria de acesso a medicamentos. Ao proteger, ou inclusive ordenar, direitos de monopólio por ao menos 20 anos, e reprimindo a competição de produtores com custos menores, o Acordo ADPIC permite que se estabeleçam altos preços nas drogas e que estes permaneçam sendo altos.

A Declaração de Doha de 2001 quanto ao Acordo sobre os ADPIC e a Saúde Pública reconheceu os problemas práticos que o cumprimento do ADPIC impõe à saúde pública, e alenta aos membros da OMC a aproveitar as flexibilidades previstas no ADPIC. No entanto, muitos desincentivos comerciais e políticos continuam restringindo a disponibilidade e utilidade prática destas flexibilidades tais como as licenças obrigatórias e as importações paralelas, e põe obstáculos a habilidade dos países mais pobres para garantir do que os resultados do ADPIC estejam em conformidade com suas obrigações de direitos humanos. Ademais, a crise com respeito às doenças desatendidas (principalmente aquelas que afetam às populações no mundo em via de desenvolvimento demonstrou as limitações da justificativa de leis rigorosas de propriedade intelectual em base ao mercado isto é, o incentivo à inovação.

Ademais, a disposição do ADPIC que permite monopólios de patentes sobre organismos vivos ofende a muitas religiões e tradições espirituais, e é, portanto, uma violação aos direitos culturais.

- Os Estados devem garantir que as regras de propriedade intelectual no ADPIC e em outros acordos comerciais não obstruam ou socavem a capacidade do Estado para cumprir com suas obrigações de direitos humanos, incluindo o acesso eqüitativo a medicamentos.

- Devem proporcionar-se garantias para assegurar que a prorrogação de sete anos adicionais outorgada aos Países Menos Adiantados (PMAs) para a implementação do ADPIC não seja utilizada para obter concessões em agricultura, serviços ou acesso ao mercado não agropecuário (AMNA).

- Os países do G8 devem honrar seu compromisso de Gleneagles de garantir "o acesso universal a tratamento de (HIV) a todos aqueles que o precisem para o 2010", e conforme a este compromisso a tomar todas as medidas necessárias para mitigar os efeitos restritivos do Acordo ADPIC sobre o acesso a ARVs no mundo em via de desenvolvimento

- A revisão sob a disposição 27(3)(b) deveria prosseguir e as patentes de por vida deveriam ser removidas do acordo.

Direitos & Democracia, Canadá

Rede Mexicana de Ação frente ao Livre Comércio (RMALC), México