Da Alca à Alba

2005-11-14 00:00:00

É nessa lógica de complementaridade e de cooperação regional ao serviço do desenvolvimento econômico e social que a Venezuela e Cuba lançaram neste ano a Alternativa Bolivariana das Nações (Alba)

O grande destaque da IV Cúpula das Américas foi a oposição do Mercosul e da Venezuela (que junto representam em torno de 40% do PIB da América Latina) ao projeto da Alca. Essa posição encontrou um respaldo na Cúpula paralela dos Povos, que exprimiu a oposição das populações do continente aos planos da Alca e mostrou o desgaste de vários governos que têm se dedicado a implementar políticas ''pré-Alca'' tais como desregulação do comércio exterior, privatização de industrias estratégicas e de serviços públicos, disciplina fiscal radical etc., destinadas a criar um ambiente mais atraente para a chegada das grandes empresas transnacionais do hemisfério norte.

Essas políticas têm favorecido o crescimento das desigualdades sociais, da pobreza e da violência e, ao mesmo tempo, têm diminuído os poderes regulatórios e de intervenção econômica e social dos governos, deixando os governos sem real capacidade de enfrentar esses males. Vale lembrar o recente episódio dos protestos de rua em Manágua (Nicarágua) contra o aumento das passagens de ônibus. Enrique Bola¤os, presidente da Republica e também aliado de Bush, disse não ter como impedir o repasse aos transportes da alta do petróleo ou subsidiar os transportes. Ao tentar sair da residência oficial para negociar, ele foi apedrejado por 5 mil manifestantes.

No sentido contrário, a Argentina de Nestor Kirchner, hoje em fase de re-industrialização e a Venezuela de Hugo Chavez, em fase de diversificação da economia e de socialização dos benefícios do crescimento, têm apostado com sucesso e apoio popular na recuperação do papel do Estado como instrumento de desenvolvimento econômico e social. Os dois países estão crescendo há dois anos acima de 8% (a média regional é 5%).

É interessante notar que esse crescimento alto é também relacionado a um intercâmbio econômico crescente entre os dois países e que não segue o modelo teórico da Alca: a Venezuela ajuda a Argentina a reconstruir suas industrias de petróleo e gás, descapitalizadas pelas privatizações da época de Carlos Menem. Por sua vez, a Argentina ajuda a Venezuela a reconstituir sua agropecuária, também destruída por anos de desinvestimento na época dos governantes neoliberais mais preocupados em se locupletar com as receitas das exportações de petróleo.

É nessa lógica de complementaridade e de cooperação regional ao serviço do desenvolvimento econômico e social que a Venezuela e Cuba lançaram neste ano a Alternativa Bolivariana das Nações (Alba) como alternativa à Alca. No quadro desse acordo multi-setores, a Venezuela está montando uma rede hospitalar e de centros de saúde integral gratuita voltada para as populações pobres com a participação de Cuba, grande exportadora de serviços de saúde.

Um outro desdobramento da Alba foi o acordo ''PetroCaribe/AlbaCaribe'' assinado em junho passado entre Venezuela, Cuba e outros 12 países da região do Caribe. Esse acordo prevê a construção de refinarias na região e o financiamento de 40% do valor da compra, por esses países, de petróleo venezuelano à taxa de 1%, com pagamento em 25 anos e que poderá ser feito na forma de exportação, à Venezuela, de açúcar, bananas e outros produtos agrícolas da região tradicionalmente penalizada pela política comercial protecionista dos países ricos.

O Brasil assinou com a Venezuela, em fevereiro deste ano, uma ''Aliança Estratégica'' organizada em torno de projetos de investimentos em ambos países envolvendo principalmente a Petrobras e a PDVSA.Essa Aliança se insere numa visão ampla de integração à nível continental com a futura participação do Mercosul no projeto energético Petrosur/Enesur, na criação do Banco de Desenvolvimento do Sul, do canal continental Telesur (alternativa latinoamericana à CNN) e da Universidade do Sul. Já se discute a construção do supergazoduto Venezuela - Buenos Aires entre outros investimentos de peso.

Vale sublinhar que o ingresso previsto da Venezuela como membro pleno do Mercosul no mês que vem, tem o condão de dar um novo impulso a essa Organização, no sentido de aproximar mais as economias dos Estados membros em torno de projetos regionais estratégicos concretos e geradores de empregos.

Deixando para trás a Alca e a ilusão do livre comércio globalizado como receita mágica para combater a pobreza e as desigualdades, este ano 2005 viu surgir, com a Alba e os acordos estratégicos acima mencionados, as primeiras iniciativas no caminho de uma verdadeira integração latinoamericana, baseada nas vantagens cooperativas das Nações.

ALEXANDRE ZOURABICHVILI é professor da Unifor
12 Novembro 2005

http://www.noolhar.com/opovo/opiniao/535340.html