Prospectiva
Integração Regional na América Latina
PROSPECTIVA
Consultoría Brasileira de Assuntos Internacionais
Integração Regional na América Latina: o “processo real” e a visão da Aliança Social Continental
* Versão Final - Sujeita a Alterações *
São Paulo – agosto de 2005
Contratante: Central Única dos Trabalhadores – CUT
Integração Regional na América Latina: o “processo real” e a visão da Aliança Social Continental
Coordenação: Alexandre Barbosa
Equipe: Ricardo Camargo Mendes Gheisa Victorino Carla Tomazini Débora Miura
Assistência Administrativa: Maria Lúcia Ottati
Esse relatório não reflete as idéias e posições de toda a equipe da Prospectiva Consultoria.
Rua Diogo Moreira, 135 – 05423-010 São Paulo SP, Brasil Fone (11) 3816-3636 - Fax (11) 3816-010
Sumário
Apresentação 4
1. Desigualdades Norte-Sul e o Papel da Integração Regional na América Latina: As Abordagens da CEPAL e da UNCTAD 5
1.1 A Visão Estruturalista da CEPAL e a Criação da UNCTAD 5
1.2 As Teorias da Dependência 7
1.3 A Avalanche Neoliberal e a “Adaptação” da Cepal e da Unctad ao novo Cenário Internacional 9
2. O “processo real” de integração regional na América Latina 11
2.1 Mercado Comum Centro-Americano (MCCA) 12
2.1.1 Evolução Histórica e Características Institucionais 12
2.1.2 O MCCA e os Acordos Comerciais Extra-Regionais 14
2.1.3 Características Econômicas do MCCA 18
2.1.4 Quadro Sintético 21
2.2 Comunidade e Mercado Comum do Caribe (Caricom) 22
2.2.1 Evolução Histórica e Características Institucionais 22
2.2.2 O Caricom e Outros Acordos Comerciais 24
2.2.3 Características econômicas 25
2.2.4 Quadro Sintético 28
2.3 Comunidade Andina de Nações (CAN) 29
2.3.1 Evolução Histórica e Características Institucionais 29
2.3.2 A CAN e os Acordos Comerciais com outros Blocos 31
2.3.3 Características Econômicas 34
2.3.4 Quadro Sintético 37
2.4 Mercado Comum do Sul (Mercosul) 38
2.4.1 Evolução Histórica e Características Institucionais 38
2.4.2 O Mercosul e os outros acordos comerciais 40
2.4.3 Características Econômicas 42
2.4.4 Quadro Sintético 45
2.5 Alternativa Bolivariana para as Américas 47
2.5.1 Princípios Norteadores da ALBA e contraposições 47
2.5.2 A possível materialização 48
2.5.3 Características econômicas 49
2.6 Quadro Comparativo entre os blocos 51
2.7 Outras Iniciativas de Integração Sul-Americana 54
2.7.1 Iniciativa para Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA) 54
2.7.2 Comunidade Sul-Americana de Nações 55
3. Análise do Documento da Aliança Social Continental e Contraste com o “Processo Real” de Integração 57
3.1 A Visão da Aliança Social Continental 57
3.2 O Contraste com a Integração de Mercado 60
Bibliografia 62
Apresentação
Este texto, realizado pela Prospectiva Consultoria por solicitação da Central Única dos Trabalhadores, está dividido em três tópicos básicos.
Na primeira parte, discutem-se os principais marcos teóricos sobre a integração regional nos países periféricos, a partir de uma análise da evolução das idéias da Cepal e da Unctad.
O segundo tópico versa sobre o processo real de integração, descrevendo as principais características de blocos como o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), Caricom, Comunidade Andina de Nações (CAN) e Mercosul, as suas semelhanças e diferenças, assim como iniciativas comuns desenvolvidas entre estes projetos de integração. Discute-se também a proposta alternativa protagonizada pela Alba e as suas diferenças conceituais e práticas em relação às iniciativas predominantes de integração.
Finalmente, a terceira parte do presente trabalho realiza uma síntese da visão da Aliança Social Continental sobre a integração no âmbito do continente americano, a partir do documento “Alternativa para as Américas”, contrapondo-a com a dinâmica assumida pelo processo real de integração ao longo dos anos noventa.
O objetivo central deste relatório foi o de contrastar a dinâmica concreta da integração regional com os princípios defendidos pela Aliança Social Continental. Desta forma, ele cumpre um papel relevante na medida em que estimula o movimento social organizado do continente americano a refletir sobre os rumos da integração, mas também sobre as possibilidades de intervenção em processos que não estão concluídos e nem se mostram inexoráveis.
Parte-se do pressuposto de que a reflexão constitui etapa necessária e fundamental para qualquer ação propositiva sobre a realidade econômica e social da região.
1. Desigualdades Norte-Sul e o Papel da Integração Regional na América Latina: As Abordagens da Cepal e da Unctad
Esta introdução procura situar, em linhas gerais, a evolução teórica das interpretações promovidas, a partir da periferia, sobre o papel da integração regional. Serão enfatizadas especialmente as contribuições da Cepal e da Unctad, mas também os enfoques desenvolvidos a partir da teoria da dependência.
As atividades teóricas e políticas empreendidas por estas duas entidades pertencentes ao sistema das Nações Unidas possuem uma interdependência clara, na medida em que o trabalho de Raúl Prebisch como secretário-executivo da Cepal adquiriu uma tal visibilidade internacional, que permitiu a este economista se transformar no primeiro secretário-executivo da Unctad, quando da sua criação em 1964.
Vale ressaltar ainda que ambas as organizações foram adequando as suas diretrizes de atuação de acordo com as mudanças vividas pela economia internacional, seguindo caminhos distintos, ora se distanciando, ora voltando a se interpenetrar.
A presente introdução teórica sobre o debate em torno da integração regional, do ponto de vista da periferia do sistema capitalista, seguirá a seguinte estrutura. Em primeiro lugar, apresentaremos a visão estruturalista da Cepal e o papel da Unctad durante a sua primeira década de intervenção pública, para depois discutirmos a expansão das teorias dependentistas ao longo dos anos setenta. Finalmente, buscaremos averiguar as transformações sofridas pela Cepal e pela Unctad no período pós-anos oitenta, quando se verifica o predomínio das políticas neoliberais na grande maioria dos países em desenvolvimento.
1.1 A Visão Estruturalista da Cepal e a Criação da Unctad
Durante os anos sessenta, os principais teóricos cepalinos começaram a realizar uma auto-crítica sobre os principais documentos elaborados na década anterior. Celso Furtado (1991) menciona seminário de auto-crítica realizado no Ilpes, em junho de 1964, enquanto Prebisch (1964) segue na mesma toada, referindo-se, já em 1963, à insuficiência dinâmica do processo expansivo e ao entorpecimento gerado pela estrutura social.
Percebia-se, por um lado, que o ritmo da industrialização substitutiva mostrava-se, além de insuficiente para solucionar os problemas sociais, inferior ao que havia sido prognosticado. Inicia-se uma discussão sobre a tendência à estagnação das economias latino-americanas e sobre a necessidade de se remover os obstáculos estruturais. Por outro lado, diagnostica-se que a industrialização tendia a intensificar, ao invés de reduzir, a tendência secular de desequilíbrios externos na região.
É neste quadro geral que surge a conceituação da integração regional como peça-chave para se avançar no processo de industrialização, como também para atenuar a dependência dos países desenvolvidos. Os mecanismos de integração surgem como vitais para superar um quadro de estruturas industriais estanques e para agregar valor às exportações nos marcos de uma “substituição regional de importações”. Em síntese, ainda que sob um viés economicista, tratava-se de solucionar o problema da necessidade de economias de escala num contexto de mercados relativamente reduzidos (Cepal, 1969).
Na verdade, a integração regional deveria fazer parte de um amplo leque de políticas ativas de comércio internacional. Segundo Prebisch (1964), para que os países latino-americanos pudessem prosseguir rumo à industrialização – e já que a contribuição de recursos internacionais possuiria no máximo um caráter temporário – deveriam estes estabelecer políticas para modificar a estrutura do comércio internacional, aumentando as exportações de produtos industrializados, sem prejuízo de mecanismos de controle das flutuações dos preços dos produtos primários, já que então se verificava um crescente protecionismo agrícola dos Estados Unidos e da Comunidade Européia.
Ao final dos anos sessenta, e já procedendo a uma análise das experiências da Área de Livre-Comércio da América Latina e do Caribe (Alalc) e do Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), Furtado (1986) avalia que o esforço integracionista teria frustrado as expectativas iniciais, na medida em que a própria dinâmica econômica destes países se encaminhara não tanto para a diversificação produtiva, mas antes engendrando uma “nova dependência”.
Tal fica claro, no âmbito da Alalc, onde poucos progressos foram feitos na liberalização do comercio de bens industriais, devido à resistência do Brasil, México e Argentina. Na melhor das hipóteses, criaram-se condições para a “planificação econômica” dos consórcios internacionais, já que o livre-comércio por si só não permite se caminhar para a gestação de um “sistema econômico regional”. Ainda assim, vale ressaltar que se estabelecera então um mecanismo inovador de reciprocidade parcial para os países com atraso relativo.
Na no caso do MCCA, os efeitos da integração teriam sido positivos ao permitir uma industrialização, “quase do nada”, a partir da demanda regional. Contudo, tal processo, ainda que relevante, não logrou reduzir a dependência em relação às exportações tradicionais, voltadas para os mercados externos.
Os anos setenta veriam o ocaso do projeto integracionista, mas também da temática estruturalista da Cepal, na medida em que as ditaduras militares se expandiram no Cone Sul e o dinamismo econômico mostrou-se crescentemente vinculado à expansão das multinacionais, e em alguns casos, como o brasileiro, do poder de investimento estatal.
Neste contexto, em 1969, o Grupo Andino adquiria vida própria, apostando numa integração, sem o peso dos países mais industrializados da região, e que previa a desgravação tarifária, a instauração de uma tarifa externa comum e a criação do primeiro órgão financeiro totalmente latino-americano, a Corporação Andina de Fomento (CAF). Mas também esta iniciativa ficou refém do boom petroleiro, que favoreceu a Venezuela, além de ter perdido o Chile em meados dos anos setenta.
Contudo, apesar deste cenário político conturbado, presente na maioria dos países latino-americanos, pode-se dizer que o estruturalismo da Cepal havia se universalizado, com a criação da Unctad - e logo quando de sua primeira reunião em Genebra - do G-77 (hoje com 131 países).
A Unctad surgia como a voz do Sul nos debates multilaterais, apesar de não ter sido capaz de alterar, de forma substancial, as relações de comércio entre o centro e a periferia. Estas continuaram se mostrando assimétricas – tendo as distâncias entre estas regiões econômicas inclusive se ampliado desde então, como admite a própria Unctad (2004a).
De concreto, durante esta primeira fase da Unctad (Unctad, 2005), que engloba da sua criação até o final dos anos setenta, podemos mencionar a criação do Sistema Geral de Preferências, em 1968, que abre espaço para exportações de países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, com vantagens tarifárias, especialmente no caso dos produtos industriais. E em segundo lugar, a realização de acordos internacionais para algumas commodities, com o intuito de estabilizar o preço das exportações.
Ressalte-se ainda que, em 1971, a Unctad desenvolveu a metodologia para a definição dos países com menor grau de desenvolvimento, os quais requerem tratamento privilegiado em termos comerciais e financeiros.
Ao final dos anos oitenta, depois de discussões iniciadas na década anterior, foi assinado, no âmbito da Unctad, o Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC), que estabelece vantagens tarifárias entre 41 países signatários (todos provenientes de países em desenvolvimento). O SGPC, ao invés de substituir, deve ir além dos acordos regionais desenvolvidos entre estes países, estabelecendo a não-reciprocidade para os países mais pobres. O Mercosul passou a fazer parte deste sistema, atuando como bloco, em 1998.
Observa-se, portanto, que a defesa do comércio intra-industrial entre os países da periferia passa a ser adotada na Unctad, assim como fora a integração regional dos países latino-americanos para estimular a industrialização.
Prebisch (1981) partia do pressuposto de que não se podia imaginar o centro como absorvedor de todas as exportações industriais dos países periféricos. O comércio intra-periferia deveria ademais se concentrar não na especialização setorial, mas na especialização em certos produtos, os quais ocupariam certos nichos de mercado inclusive das economias centrais.
1.2 As Teorias da Dependência
À medida que as formulações cepalinas deixavam de orientar as políticas econômicas dos países latino-americanos, que o poder político se tornava mais concentrado e autoritário, e que se verificava o reduzido alcance das medidas multilaterais desenvolvidas no âmbito da Unctad, a partir dos anos setenta, o cenário intelectual latino-americano apresentaria-se cada vez polarizado entre a visão liberal e a visão neo-marxista das várias facções de autores dependentistas.
O núcleo comum da teoria da dependência pode ser resumido no título do livro de André Gunder Frank, “o desenvolvimento do subdesenvolvimento”, que partia da seguinte interpretação: subdesenvolvimento não é o mesmo que atraso ou resultado de um suposto insuficiente desenvolvimento capitalista, estando antes relacionado à própria expansão do capitalismo enquanto totalidade, por natureza polarizadora (Amin 1996).
Diga-se aliás que a unidade histórica entre subdesenvolvimento e desenvolvimento surge antes em Celso Furtado, logo no início dos anos sessenta (Mallorquin, 2005). Pode-se também perceber que tanto o economista brasileiro como Prebisch vão se tornando “dependistas” à sua maneira ao longo dos anos setenta, principalmente quando ressaltam a reconfiguração da economia internacional, sob o comando das multinacionais, e o seu impacto disruptivo para a construção de sistemas econômicos nacionais e regionais.
A diferença está no fato de que para os dois cepalinos trata-se de rever o atual sistema de dependência, que passa por mudanças sociais e políticas, que permitam o superar o modelo limitado de acumulação, centrado do consumo imitativo das minorias privilegiadas. Portanto, transformar o padrão de distribuição de renda para transformar o perfil produtivo e criar novas possibilidades de inserção social, ao mesmo tempo em que se alteram as relações externas (Prebisch, 1981).
Para outros dependentistas, tais como André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos, a superação da dependência deveria levar inapelavelmente ao socialismo, cortando-se os laços que unem a periferia ao centro (Gunder Frank, 1996), os quais levariam a uma tendência inexorável de intensificação da exploração do trabalho, já que se caracterizam pela extração de excedente, especialmente sob a forma de mecanismos financeiros.
A teoria da dependência, depois do rápido auge na primeira metade da década de setenta, seria profundamente questionada pelas interpretações econômicas neoliberais, protagonizadas pelos governos chileno e argentino, e que se transformaram em programas de estabilização e reformas estruturais para “reinserção” destas economias nos marcos de uma economia crescentemente globalizada.
Cabe concluir que a discussão sobre propostas de integração econômica entre os países latino-americanos seriam questionadas pelos dois extremos teóricos. De um lado, os dependentistas enfatizariam que se tratava de organizar um mercado livre para a atuação das multinacionais, enquanto os neoliberais apontam para os desvios de comércio e para os resultados negativos em termos de alocação eficiente de recursos.
1.3 A Avalanche Neoliberal e a “Adaptação” da Cepal e da Unctad ao novo cenário internacional
A década de noventa significou, de forma até então inaudita na América Latina, o predomínio de uma nova ideologia econômica, que embasaria as políticas de liberalização e desregulamentação realizadas pelos seus diversos países, ainda que com várias conotações e ritmos.
Neste cenário, entidades como a Cepal e a Unctad reciclaram muitas de suas antigas formulações no sentido de poder interferir ou se adaptar a esta nova realidade internacional.
No que diz respeito à Cepal, pode-se dizer que tem início uma reconsideração crítica quanto às experiências passadas de integração regional, e que pode ser sintetizada na defesa de uma nova proposta de “regionalismo aberto” (Cepal, 1998).
A integração passa a ser vista como um mecanismo relevante, mas com um papel diferenciado, já que agora o objetivo não é mais substituir em escala regional as importações, mas o de permitir aos países latino-americanos uma inserção mais qualificada no cenário internacional.
Além de permitir o aproveitamento das economias de escala e de fornecer um trampolim para uma melhor inserção externa de setores de maior valor agregado, o regionalismo aberto contribuiria para aumentar o nível de investimentos externos na região e criar novas especializações produtivas entre os países da região (Cepal, 1998).
Para esta “atualização” do pensamento cepalino, contribui sobremaneira a interpretação de Fernando Fajnzylber (1998), realizada no início da década de noventa, de que existe uma associação entre 4 fatores que levam a uma impossível conciliação entre crescimento e eqüidade na região. Segundo este autor, o perfil das exportações concentradas em commodities minerais, agrícolas ou industriais, a industrialização restrita ao mercado interno, o consumo conspícuo das elites e o baixo dinamismo do empresariado nacional (público e privado) levariam a uma inserção externa pouco dinâmica. Trata-se de engendrar uma nova articulação externa que injete dinamismo no sistema, estando pautada pela incorporação de progresso técnico e pela melhoria da distribuição de renda.
Ainda que se possa dizer que a história latino-americana dos anos noventa seguiu rumos diferenciados, deve-se ressaltar a capacidade de adaptação da formulação cepalina no tocante à integração regional, inclusive se distanciando em muitos sentidos das proposições do Banco Mundial. Por outro lado, é também verdade que esta instituição abandonou várias das formulações dependentistas e estruturalistas que hoje apenas compõem parte de sua herança intelectual e história.
Paralelamente, e mais para o final da década de noventa, quando a Cepal tentava assimilar a nova realidade internacional, desbastando parte do seu marco teórico, percebe-se um ressurgimento da Unctad, se não mais enquanto agência propositiva e capaz de interferir na dinâmica das relações Norte-Sul, ao menos no que diz respeito ao uma crítica da globalização realizada a partir da periferia, e recuperando vá