Negociando a saúde: Propriedade intelectual e acesso a medicamentos no ALCA

2003-12-12 00:00:00

Propriedade intelectual e acesso a medicamentos no Acordo
da Area de Livre Comércio das Américas (ALCA)

Medicamentos são um luxo para a maioria das pessoas
vivendo com HIV/aids e outras doenças na América Latina e
no Caribe. Esta situação começou a modificar-se para os
medicamentos para aids em alguns países da América Latina
graças à concorrência de medicamentos genéricos que fez
baixar sensivelmente os preços. No entanto, esta dinâmica
positiva está agora ameaçada pelas cláusulas de
propriedade intelectual incluídas no acordo da Área de
Livre Comércio das Américas (ALCA), uma proposta regional
de comércio abrangendo todo o continente americano,
exceto Cuba. Para evitar a destruição da concorrência que
está reduzindo os preços de medicamentos e ampliando o
acesso a tratamento, Médicos Sem Fronteiras (MSF)
conclama os países das Américas para que excluam todas e
quaisquer cláusulas de propriedade intelectual do acordo
da ALCA. As novas regras de propriedade intelectual mais
restritivas propostas no acordo da ALCA serão péssimas
para a saúde dos povos nas Américas.

As negociações em andamento da ALCA visam criar a maior
área de livre comércio do mundo: um mercado de US$ 13
trilhões que irá englobar 34 países das Américas e do
Caribe. A versão preliminar do acordo da ALCA é um elenco
de propostas que incluem capítulos sobre direitos de
propriedade intelectual (PI), serviços, investimentos,
agricultura e acesso a mercados, entre outros. No campo
da Propriedade Intelectual, os EUA estão tentando impor
padrões sobre produtos farmacêuticos que poderão
restringir gravemente o acesso a medicamentos mais
baratos, impondo regimes de PI mais restritos que em
qualquer outra região do mundo. Por exemplo:

Limitação dramática das circunstâncias sob as quais as
licenças compulsórias para produtos farmacêuticos podem
ser emitidas. Propostas no texto provisório da ALCA
iriam, por exemplo, limitar a licença compulsória a
"emergências nacionais" ou outras situações de extrema
urgência e apenas ao setor público, o que significa que
esses países não teriam o direito de emitir uma licença
compulsória para corrigir preços altos que restrinjam o
acesso a medicamentos, ou de estimular a concorrência no
setor privado para aumentar o acesso a medicamentos
essenciais patenteados.

A extensão dos prazos de patente para além dos 20 anos
requeridos no Acordo TRIPS. Isso prolongaria o monopólio
conferido aos detentores de patentes e atrasaria ainda
mais a introdução de produtos genéricos no mercado.

Uma outra preocupação com o atual texto provisório da
ALCA é que o acordo pode restringir a flexibilidade
conhecida como "importação paralela" para dentro da
região da ALCA, ao contrário do que sugere a Declaração
de Doha. Como resultado, os países da ALCA não teriam
mais a opção de importar medicamentos de marca com o
melhor preço. Além disso, o texto provisório inclui uma
proposta que proíbe a exportação de remédios produzidos
sob licença compulsória, o que é atualmente permitido até
certo ponto pelo Acordo TRIPS.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Como uma organização humanitária da área de saúde,
Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem visto em primeira mão os
efeitos prejudiciais da forte proteção da propriedade
intelectual em países em desenvolvimento - preços altos
significam pessoas não obtendo os medicamentos de que
necessitam. Salvaguardas no TRIPS, reafirmadas na
Declaração de Doha, suprem os países com a válvula de
segurança de que precisam, e a ALCA ameaça acabar com
essa válvula.

MSF apela aos países das Américas para que mantenham sua
obrigação de colocar as necessidades de saúde pública
acima dos interesses comerciais, implementando a
Declaração de Doha e fazendo uso, por completo, das
flexibilidades do acordo TRIPS.

MSF apela aos países das Américas para que excluam
totalmente as cláusulas de propriedade intelectual do
acordo da ALCA no sentido de proteger a saúde pública e
promover o acesso a medicamentos.

MSF apela à Organização Mundial de Saúde
(OMS)/Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) para que
apóiem publicamente uma posição "Propriedade Intelectual
fora da ALCA."

Para milhões de pessoas nas Américas, esta é uma questão
de vida ou morte.