Seminário discute o avanço da indústria açucareira na América Latina
Começou hoje, em São Paulo, o seminário sobre a expansão da cana de açúcar na América Latina. Promovidos pelo Grito dos Excluídos Continental, Comissão Pastoral da Terra, Serviço Pastoral dos Migrantes e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o seminário contou com a presença de 65 pessoas de diversas organizações e estados brasileiros, bem como representantes da Bolívia, Costa Rica, República Dominicana, Colômbia e Guatemala.
O objetivo do Seminário é promover o intercâmbio de informações entre entidades e movimentos sociais que trabalham com o tema no Brasil e em outros países, para criar mecanismos de comunicação e estratégias conjuntas que visem combater os impactos que a expansão açucareira causa em relação aos direitos humanos e no meio ambiente.
Neste primeiro, dia a mesa foi composta pelos assessores, Támas Szmrecsányi, do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas, Pedro Ramos, do Instituto de Economia da mesma Universidade, Maria Aparecida Moraes, do Programa de pós graduação da Faculdade São Carlos e Roberto Novaes, professor do Instituto de Economia da UFRJ.
Támas, que enfocou o processo histórico e atual da indústria canavieira, afirmou que o açúcar por si só, não constitui razão suficiente para o atual surto de expansão da agroindústria canavieira. O principal motivo dessa febre especulativa reside num outro derivado da cana-de-açúcar: o etanol, ou álcool combustível. Esta corrida para o etanol deverá, e já está enriquecendo alguns, mas poderá reservar surpresas desagradáveis para o mundo.
Pedro Ramos, do Centro de Pesquisas Rurais da Universidade de Campinas, enfocou aspectos econômicos da agroindústria canavieira em São Paulo e no Brasil, lembrando que, só em São Paulo, são mais de 400 mil trabalhadores que se ocupam da colheita de cana e no Brasil cerca de um milhão. Muitos destes trabalhadores trabalham num regime de escravidão camuflada. A produção não é fiscalizada pelos trabalhadores ou sindicatos. É comum ocorrerem “erros” nas medições de corte feita pelos capatazes dos produtores. O desrespeito às legislações trabalhistas é constante e o esforço físico de um trabalhador é tanto que muitos morrem por fadiga, ou seja, excesso de esforço físico. Um cortador de cana chega a cortar mais de 20 toneladas de cana por dia. Mas na medição, nunca passa de 12 toneladas. Na década de 80, um trabalhador cortava cerca de 4 toneladas e ganhava 9,09 reais por dia. Hoje cortam em média 15 toneladas e ganham cerca de 6,88 reais por dia se comparado ao que ganhavam naquele tempo. O setor açucareiro é altamente competitivo, pois está estruturado no uso extensivo da terra (geralmente barata para os ricos), na excessiva exploração da mão de obra e no apoio do Estado que, além de perdoar dívidas dos produtores rurais, oferece-lhes créditos e subsídios.
Já Maria Aparecida Moraes, tratou do tema sob a ótica trabalhista, a negação dos direitos dos cortadores de cana. Lembra que embora São Paulo embora seja o principal produtor de açúcar e álcool do país, concentrando as maiores empresas que empregam tecnologias avançadas, graças ao desenvolvimento científico, estes avanços não são acompanhados de melhorias das condições de trabalho dos trabalhadores. De um lado o avanço tecnológico e o aumento exorbitante dos lucros e do outro o aumento da precariedade das condições de trabalho, moradia, dos níveis de intensificação da exploração e do descrédito dos direitos trabalhistas e humanos.
Roberto Novaes tratou da questão migratória provocada pelo trabalho nos canaviais das modernas usinas paulistas. Relata que segundo a UNICA (União da Agroindústria Brasileira), em 2006, foram mais 70 mil trabalhadores que vieram para o corte de cana, em São Paulo. Mostrou a deterioração nas condições de trabalho nos canaviais e ainda as medidas paliativas colocadas em prática pelo setor usineiro para melhorar as condições de trabalho sem alterar as exigências e os níveis de produtividade do trabalho, as formas de remuneração e o controle da produção.
Para analisar as mortes e as condições de trabalho no corte da cana, é necessário entender o processo de modernização e diversificação da produção que asseguram sua expansão para além das regiões tradicionalmente produtoras. O açúcar e o álcool têm condições favoráveis no mercado internacional atraindo investimentos neste setor. As mudanças alteram a dinâmica do mercado de trabalho, as formas de seleção, os tipos de contrato de trabalho, a organização do trabalho agrícola e o perfil dos trabalhadores. É neste cenário que os empresários do setor continuam priorizando a mão de obra migrante para o corte da cana. Eles estão habituados desde a infância com o trabalho duro na terra para garantir sua sobrevivência. O trabalho da cana não os amedronta nem mesmo quando os levam ao limite de sua capacidade física, até à morte.
Na parte da tarde foi a vez das entidades que trabalham com migrantes temporários falarem. Um destaque foi a intervenção de Carlita da Costa, presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Cosmópolis. Deu um testemunho pessoal como cortadora de cana e dirigente sindical. “Temos visto a cada dia a humilhação dos trabalhadores diante do crescimento dos usineiros. Quando o trabalhador vem para São Paulo e começa a se politizar, é expulso para outro estado. O fiscal dos usineiros vigia os trabalhadores e quando percebe que eles estão se organizando transfere o trabalhador de local. Hoje a representação dos trabalhadores está falida. Em geral, estão conluiados com os usineiros. Há um roubo explícito no processo de pagamento dos cortadores de cana. O cortador de cana migrante corta de 18 a 30 toneladas de cana por dia. O sindicato de Cosmópolis ao exigir a colocação de um computador na balança de pesagem da usina, registrou que há cortadores que chegam a cortar até 48 toneladas por dia Antes do computador, nunca chegava a mais que 10 toneladas. Os trabalhadores estão morrendo de tanto trabalhar. Em geral, os sindicatos não encaminham nenhuma reivindicação”.
Carlita finaliza dizendo que não conhece números e estatísticas, mas conhece a realidade dos trabalhadores e, principalmente a capacidade de organização dos cortadores e a confiança que eles possuem nas organizações sérias que trabalham junto com eles. É muito importante que possamos sair daqui com algumas metas e objetivos comuns para enfrentar a estrutura perversa da indústria canavieira”.
Amanhã, os trabalhos do Seminário seguem com a exposição dos convidados internacionais que falarão sobre a expansão da cana do açúcar na América Latina. Fará parte da Mesa, Hector Mondragon, da Colômbia, Gerardo Cerdas Vegas, de Costa Rica, Petronila Urena, da República Dominicana e Gerardo Linos, da Bolívia.
Luciane Udovic Bassegio, da Secretaria do Grito dos Excluídos Continental