Mobilidade Humana

2006-06-06 00:00:00

Na semana passada o CELAM – Conselho Episcopal Latino Americano, promoveu em Bogotá um encontro sobre “mobilidade humana”. Pode estranhar esta maneira de falar, usada pela Igreja, na tentativa de aglutinar um leque muito grande de fenômenos que têm em comum o deslocamento de pessoas no mundo de hoje, por motivos os mais diversos.
Claro que nem todos os deslocamentos preocupam da mesma maneira. Mas já é interessante a tentativa de elencá-los, para se possível acompanhá-los com solicitude pastoral, como procura fazer a Igreja através do seu “Conselho Pontifício para os migrantes e itinerantes”.
O amplo guarda-chuva sob o qual a Igreja procura abrigar toda a “mobilidade humana” se subdivide em dois grupos de proximidade.
Em primeiro lugar existem os migrantes, os refugiados e os “desplazados”, palavra espanhola usada para identificar as populações que no interior do próprio país se vêem forçadas a abandonar seu território, por motivos políticos. Prevalece a palavra espanhola porque o fenômeno tem uma incidência especial na Colômbia, onde há mais de quarenta anos persiste o conflito entre a guerrilha, forças armadas clandestinas e o exército nacional, provocando estes deslocamentos forçados de populações que fogem da violência e buscam abrigo provisório em outros lugares.
O grupo dos “itinerantes” abrange um amplo leque de realidades, desde as pessoas envolvidas no turismo, os marinheiros, caminhoneiros, aviadores e operadores dos aeroportos, os pescadores, ciganos, feirantes, circenses. E’ vasto e diverso o fenômeno da mobilidade humana.
De todas estas realidades, a que emerge com mais evidência e complexidade, nos dias de hoje, é sem dúvida a migração. Daí a importância especial de conferir de perto este fenômeno. Ele manifesta sua dramaticidade em alguns lugares, concretamente nas fronteiras entre o mundo rico e o mundo pobre, em especial na divisa entre Estados Unidos e América Latina, e nos confrontos entre a Europa Ocidental e a África e os antigos países da Europa Oriental.
Sempre houve migrações. Mas quando recrudescem, prenunciam transformações. Os migrantes são profetas de mudanças. Quando grandes massas se põem a caminho, de forma irresistível, à procura de outras regiões ou países, em busca de sobrevivência, é sinal evidente de desequilíbrios de ordem econômica, que precisam ser superados com urgência. Os migrantes são a expressão mais eloqüente da urgência em humanizar a economia, inclusive para que ela não se inviabilize pela desestabilização que as migrações provocam. Se a economia não serve para tornar o mundo habitável, perde seu sentido e frustra sua finalidade.
São diversos os motivos pastorais que levam a Igreja a se preocupar com os migrantes. Mas existe um pressuposto básico, que a aproxima dos migrantes. Entre Igreja e migrações há uma certa conaturalidade. Ela própria se identifica como “Igreja peregrina”, ainda a caminho, em busca de sua realização plena.
Esta proximidade entre Igreja e migrantes revela igualmente a dimensão permanente de busca e de crescimento que marca a própria humanidade. No final das contas, os migrantes testemunham a dimensão peregrina de toda a humanidade.
Não é de estranhar, portanto, que a própria bíblia tenha sua estrutura construída em torno de um paradigma migratório, na pessoa de Abraão, o “arameu errante”, e na figura do povo de Israel, cuja história é uma seqüência de migrações.
O que mais impressiona é constatar como o próprio Cristo assumiu este paradigma migratório. Tendo-se identificado profundamente com o povo de Israel, assumindo portanto a condição de cidadão de um país, soube no entanto atravessar todas as fronteiras que circundavam sua pequena pátria. Ele mesmo se constitui em síntese perfeita de membro de uma nação e cidadão do mundo.
Como o encontro teve dimensões continentais, é evidente que os assuntos levantados foram colocados na perspectiva da Conferência de Aparecida, a se realizar no próximo ano. Nela, com certeza, não poderá ficar de fora a complexa realidade das migrações, como um dos sintomas que mais interpelam hoje a Igreja na América Latina, e mais desafiam a ordem política e econômica do nosso continente. (www.diocesedejales.org.br)