Grito: a mudança em nossas mãos

2005-08-30 00:00:00

Vale a pena insistir na urgência de se superar visões setoriais e trabalhar em favor
da unidade regional, hemisférica e global, que articule a todos,
respeitando a particularidade de cada um.

Nosso país passa por um momento muito difícil, mas não deixa de ser purificador.

Com a eleição de um presidente do campo popular, difundiu-se no meio de nós a idéia de que a esperança venceu o medo. Passados alguns meses, quando dizíamos que o governo estava em disputa, começamos a viver momentos de perplexidade que aos poucos foram se transformando em desilusão, já que não víamos perspectivas de mudanças. Após as denúncias de corrupção, passamos para a decepção. E, segundo Dom Pedro Casaldáliga agora nos perguntamos, “será que a esperança poderá vencer a decepção”?

Ao comemorarmos o décimo primeiro grito no Brasil e o sétimo nas Américas, muitas pessoas, diante da situação que estamos vivendo se perguntam: - Como será o Grito neste ano? É uma pergunta que todos os dias chega à secretaria do Grito.

Muito simples, continuaremos gritando as mesmas coisas de antes, com uma ênfase maior na ética, no combate à corrupção e na punição dos corruptos. O documento do Grito Nacional lançado nestes dias destaca três eixos principais:

“O povo brasileiro vive um misto de desesperança, tristeza e porque não de decepção diante da situação do nosso país.

- O Brasil ainda está refém dos juros altos e do endividamento externo, o que o deixa sujeito a freqüentes ajustes fiscais exigidos pelos representantes do capital financeiro internacional;

- O governo tem se dobrado as essas exigências internacionais, encaminhado as reformas neoliberais, o que o torna incapaz de implementar políticas públicas de reforma agrária, e de aplicar maiores investimentos na saúde, educação, transporte, habitação, direitos humanos, meio ambiente, entre outras;

- A sociedade brasileira está dilacerada pelo desemprego, a pobreza, a fome, pela violência e a corrupção, o que muitas vezes resulta em revolta ou indiferença por parte do povo quanto ao destino político do país”.

Realidade excludente

Segundo dados do BID, na América Latina, 10% das classes mais ricas têm ingresso 84 vezes superiores a 20% dos ingressos dos mais pobres. Oitenta e cinco por centos das crianças latino-americanas vivem na pobreza, 33% das crianças sofrem de desnutrição. Na América Central entre 1992 e 2002, a porcentagem de gente faminta aumentou em 33%, de 5 milhões para 6,4 milhões. Na Argentina, que produz carne e trigo suficiente para alimentar a 350 milhões de pessoas, quase oito milhões de pessoas (mais 20% de sua população) são indigentes e subnutridos.

No Brasil o quadro não é diferente. Apenas cinco mil famílias detém o patrimônio correspondente a 42 % do PIB o que nos torna um dos campões das desigualdades sociais. O mais triste, porém, é que a política econômica segue aprofundando as desigualdades. Mesmo que muitos digam e a grande imprensa o confirma, que a economia vai bem. Mas não se perguntam: “vai bem para quem”? Basta olhar os dados dos investimentos no campo e da dívida externa. Vejamos!

Política voltada para o capital rentista e agronegócio.

No início de 1979, a divida externa do Brasil era de 52,8 bilhões de dólares. Se o Brasil tivesse pago uma taxa de juros de 6% ao ano que é a taxa mais que aceitável no 1º mundo, no final de 2004 o Brasil teria crédito de 161 bilhões. Os Países ricos deveriam ao Brasil mais de 161 bilhões de dólares. O que daria para fazer com 161 bilhões de dólares?

10 milhões de famílias sem terra, seriam assentadas.
Recuperar 20 vezes todas as estradas do Brasil .
Pagar 2 salários mínimos mensais, por um ano , para 55milhões de brasileiros.
Gerar 20 milhões de empregos na agricultura.
A Dívida Pública em 1995 era de 208 bilhões de reais. De lá para cá, pagamos 710 bilhões de reais e a dívida passou para 810 bilhões de reais. Pagamos 3,4 vezes o que devíamos e ainda devemos 3,9 vezes mais.

Não bastasse isso, a atual política econômica privilegia os grandes produtores rurais do agronegócio exportador, em detrimento da agricultura familiar. Basta olharmos os créditos concedidos ou disponíveis para os grandes proprietários e para os pequenos ou à agricultura familiar.

Para os 342 mil estabelecimentos rurais, com mais de 200 hectares, que ocupam 13,4% da população rural, (2 milhões de pessoas), está previsto um crédito, para 2005/2006, de 44 bilhões de reais.

Por outro lado, para 3,8 milhões de famílias que trabalham em pequenas propriedades, e que ocupam 86% da população ativa no meio rural (14 milhões de pessoas) estão destinados, no mesmo período, apenas 9 bilhões de reais em crédito. É por isso que mais do que nunca temos que gritar.

Porque tanta exclusão?

O Manifesto do Grito Continental que será lançado no dia 07 de setembro analisa desta forma: “a exclusão social é acima de tudo uma relação: não podemos entender a existência do excluído sem aquele que exclui; não podemos entender a miséria absoluta sem a opulência vergonhosa; não podemos entender porque existem os bairros miseráveis sem nos perguntar sobre a origem dos guetos de multimilionários e das elites econômicas dos negócios. A exclusão é necessária para o sistema autoperpetuar-se, mesmo que com isso se condene a milhões de seres humanos a uma existência fantasma, sem perspectivas de vida e sem esperanças”.

E acrescenta: “hoje sabemos que não é com mais mercado e com menos Estado, nem com mais abertura e garantias para os capitais, que serão resolvidos os graves problemas a que é submetida a maior aparte da humanidade no início do novo milênio. Não é com o crescimento da economia que se distribuirá a riqueza: deve-se distribuir a riqueza para que todos possam crescer e a sociedade comece a ser verdadeiramente inclusiva. Esta certeza é compartilhada por muitos movimentos, redes e organizações do mundo inteiro, as quais, com o seu trabalho, fazem crescer a consciência planetária sobre a necessidade de mudanças de cunho radical”.

Mas há sinais de mudanças

Em resposta ao poder da opressão, os excluídos/as rebelam-se contra a violação dos direitos econômicos, sociais, culturais e humanos; derrubam presidentes, criam movimentos autônomos, libertam territórios e tomam fábricas.

Não será suficiente criar postos de trabalho enquanto as relações de poder na sociedade continuem sendo por definição, assimétricas: superar a exclusão significa transformar as estruturas e o exercício do poder em nossas sociedades. Por isso, é hora de pensar em como precisamos avançar na formulação de um projeto político global das resistências que equivalem a uma refundação do mundo. Precisamos, portanto,radicalizar a nossa opção pelos excluídos e excluídas, construir uma utopia e um sujeito social (ou muitos sujeitos sociais) aglutinadora, com capacidade de transformar a desesperança em capacidade de mobilização, de ação e organização. Para isso somos chamados a reinventar formas de organização coletiva, da economia até a política, que nos permitam transformar a atual situação.

O esforço para globalizar a resistência e a solidariedade, aponta para a necessidade de criar uma sociedade mundial capaz de distribuir de forma eqüitativa a riqueza criada por toda a humanidade. Como dissemos acima, não se trata de crescer para depois distribuir, mas de distribuir como base de crescimento e solidariedade. É necessário também, a criação de uma cidadania universal que permita aos trabalhadores/as ter plena liberdade de movimento na busca e construção de oportunidades para o seu desenvolvimento e dos demais.

Além das manifestações de 07 de setembro no Brasil e de 12 de outubro nas Américas e Caribe, somos conclamados, no Brasil, a participar da Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil, a se realizar em Brasília, DF, de 25 a 29 de outubro com a participação de mais de 10 mil pessoas

(*) Secretário do Grito dos Excluídos Continental