Por que apoiamos a Marcha pela Reforma Agrária

2005-04-30 00:00:00

É de conhecimento público que o Brasil é um dos países com a maior con­centração de terra nas mãos de poucos, com um índice de Gini de 0,9, quase a concentração absoluta. O total de estabelecimentos agrícolas exis­tentes no País, de acordo com o Censo Agropecuário de 1996 (IBGE) é de 4,8 milhões e a área ocupada é de 353,6 milhões de hectares. Os minifúndios e as propriedades com menos de cem hectares perfazem 89,1% dos imó­veis e 20% da área total. Por outro lado, as grandes propriedades com áreas acima de mil hectares constituem 1% do total de imóveis e detêm 45% do total das terras cadastradas.

A Marcha pela Reforma Agrária, de 1 a 17 de maio, de Goiânia a Brasília, faz renascer em nós a esperança de que é possível mudar de rumo, embora pareça que o governo esteja decidido a seguir em frente com sua política neoliberal. Só a mobilização popular poderá provocar as mudanças. A Marcha, portanto, é um grito em defesa dos pobres e lavradores pela mudança na política econômica e um sinal de esperança de que outro Brasil é possível.

O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta. Dos 177 milhões de habitantes, apenas 5 mil famílias (cerca de 25 mil pessoas) são donas de 42% do PIB – Produto Interno Bruto. Temos um índice de desemprego superior a 10%, ou seja, 20 milhões de pessoas. Por outro lado, nossa dívida externa que em 1970 era de apenas 5,3 bilhões de dólares, hoje é de 243 bilhões.

As pequenas propriedades com tamanho inferior a 200 hectares, produzem 70% dos alimentos: 71% do leite contra 1,9% das grandes propriedades e 70% do café. Os 55 mil imóveis considerados latifúndios improdutivos detém 120 milhões de hectares, enquanto 16 milhões de pessoas estão sem terra. Segundo o cadastro do INCRA de 2003, dos 400 milhões de hectares da propriedade privada, apenas 48 milhões eram cultivados. Somente a construtora CR Almeida detém 4 milhões de hectares.

Se os recursos anuais destinados ao pagamento da Dívida Externa fossem aplicados no pagamento de salários, daria para pagar, por um período de 3 anos, 1 salário mínimo por mês para 35 milhões de pessoas.

A política do Governo

O governo parece não dar ouvidos a dados tão evidentes. Além de em 2 anos ter assentado apenas 60 mil familiais, das 430 mil previstas em 4 anos, faz cortes no orçamento destinado a reforma agrária. Em 2005 já cortou 2 bilhões de reais dos 3,4 previstos para o Ministério de Desenvolvimento da Reforma Agrária, deixando 664 dos trabalhadores rurais sem acesso ao crédito e aos subsídios agrícolas. Mas não é só isso. Favorece o setor agro-pecuário por meio do Banco do Brasil que destinou 6,1 bilhão de reais para as maiores empresas ligadas ao agro-negócio. Só a Aracruz Celulosa recebeu 1,2 bilhões de reais. A isso, somam-se os cortes na área social, tendo em vista aumentar o superávit primário.

Estes dados já são suficientes para que a Marcha da Reforma Agrária mereça todo o nosso apoio. Segundo estudo da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizado nos assentamentos, houve melhoria da qualidade de vida dos assentados. Cada lote proporcionou em média 3 novos postos de trabalho, além de produzirem 25% dos ovinos e caprinos e 15% da produção agrícola. Isso só nos assentamentos pesquisados. Os assentamentos revitalizam a terra, diversificam a produção, oferecem mais e melhores alimentos e dinamizam o comércio local. O custo de cada novo emprego é bem menor do que nos outros setores. Mas as vantagens não são somente econômicas. São também sociais e humanas. Recompõe-se os laços familiares desfeito pela migração ao proporcionar o retorno das pessoas ao campo. E também evitam a migração forçada.

Exigência Ética

A Marcha não reivindica apenas a Reforma Agrária ou uma política agrária e agrícola. Ela se impõe como uma exigência ética. Lembremos o que disse João Paulo II por ocasião de sua visita ao México: “Não é justo, humano e cristão, permanecerem incultivadas a terra que esconde o pão a tanta gente”. No Brasil ele disse: “A reforma agrária não pode fracassar”.

Concretamente a Marcha propõe:

- Assentar 430 mil famílias nesta gestão;

- Punir exemplarmente os fazendeiros responsáveis pela violência no campo;

- Aplicar o superávit primário em investimentos que gerem empregos;

- Dobrar o valor do salário mínimo (R$ 454,00 em 2005 e R$ 566,00 em 2006);

- Não assinar o acordo da ALCA;

- Realizar a Auditoria da Dívida Externa e;

- Realizar um grande mutirão nacional pelo Brasil que queremos.

Por isso o Grito dos Excluídos Continental e o Serviço Pastoral dos Migrantes apóia e se une a grande Marcha pela Reforma Agrária, na certeza de que o novo Brasil não só é necessário mas também urgente.

Luiz Bassegio, secretário nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes e
Luciane Udovic, da secretaria continental do Grito dos Excluídos.