O Grito dos Migrantes pela Vida

Por que calar se nasci gritando

2004-08-16 00:00:00

Esta era a frase que ficou escrita na embaixada dos Estados
Unidos em Quito, no final da marcha contra a ALCA, Dívida,
Militarização e o Livre Comércio, da qual participaram em torno
de vinte mil pessoas, por ocasião do Fórum Social das Américas,
em julho deste ano. Entre tantos outros assuntos, as migrações
foram tema de debates em painéis, seminários, e conferências. A
problemática migratória está cada vez mais presente nos diversos
fóruns que vão se sucedendo pelo mundo. Segundo alguns dos
conferencistas, as migrações são causadas pelas mudanças
estruturais neoliberais, pela demanda de mão de obra barata para
os países mais desenvolvidos e também pelos incentivos de alguns
países pobres, que vem na migração uma fonte de divisas para o
país de origem.

Ao nos aproximarmos do décimo grito dos excluídos no Brasil, é
importante perguntarmo-nos por que gritam os migrantes, ou
melhor contra o que estão gritando. Podemos destacar o grito
contra a concentração da terra, a migração forçada, o superávit
primário em detrimento das áreas sociais, contra o pagamento da
dívida externa sem uma anterior auditora e contra a ditadura dos
capitais financeiros especulativos.

Nossos gritos:

Gritamos contra a concentração secular da terra no Brasil. Nunca
no Brasil mexeu-se efetivamente na estrutura fundiária. Daí as
contínuas migrações em direção às novas fronteiras agrícolas que
estão se esgotando. As pequenas propriedades com menos de 200
ha, num total de 3,9 milhões ocupam uma área de 122 milhões de
hectares e absorvem 95% da mão-de-obra do campo. Já as grandes
propriedades, com mais de 2 mil ha, num total de 32 mil, ocupam
132 milhões de hectares e absorvem apenas 45 mil pessoas, 0,3%
do total das pessoas ocupadas no campo.

Gritamos contra todas as formas de migração forçada, seja
internamente no Brasil, seja de nosso país para outros e entre
os diversos países. Atualmente são mais de 175 milhões de
migrantes no mundo, sendo que em média, nos últimos dez anos,
são 6 milhões de novos migrantes por ano. O grito dos migrantes
é para que a migração seja um fato espontâneo e não compulsório
como na maioria dos casos.

Gritamos contra o superávit primário, que de janeiro a junho
deste ano, foi de 46,183 bilhões de reais, mas que foi realizado
à base de cortes nos investimentos sociais e no aumento da carga
tributária. O Ministério da Saúde, por exemplo, tem um orçamento
previsto para este ano de 2,5 bilhões de reais, mas até o
momento, foram liberados apenas 159,9 milhões (apenas 6,16%). Já
para o programa 'primeiro emprego' estão destinados 189 milhões
de reais, mas o realizado é de apenas 441 mil reais, (ou seja
apenas 0,2%).

Gritamos cada vez mais forte para livrar o Brasil da ditadura
dos capitais financeiros especulativos. É a livre circulação de
dinheiro, um dos mandamentos sagrados do credo neoliberal, que
obriga o Brasil a desviar, para o pagamento de juros, recursos
que serviriam para reabilitar os serviços públicos, iniciar a
recuperação das redes de infra-estrutura, gerar milhões de
postos de trabalho.

Nosso grito ergue-se também contra a eterna dívida externa. De
1979 a 2003, o Brasil pagou 170 bilhões de dólares a mais do que
recebeu de empréstimos. E o que é mais triste, segundo a
Auditoria Cidadã da Dívida, levada em frente de forma muito
competente pelo UNAFISCO, no histórico dos contratos da dívida
encontramos absurdos tais como: "renúncia à alegação de nulidade
e renúncia antecipada a qualquer alegação de soberania". Como
não gritar diante de tal afronta?

Gritando por mudanças.

Nossos gritos, porém, não são apenas contra, são também a
favor, são propositivos.

Nosso grito é por uma Nova Lei dos Estrangeiros adequada à atual
realidade migratória, que esteja de acordo com os princípios da
Constituição que se fundamenta na dignidade das pessoas humana,
na cidadania, de acordo com o Plano Nacional dos Direitos Umanos
de 1996 e com a Convenção Internacional da ONU sobre a proteção
dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e de seus
familiares, de 1990.

Gritamos em favor da Auditoria Cidadã da Dívida que está
prevista na Constituição Federal de 1988, no artigo 26 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, até hoje não
cumpridas.

Gritamos em favor da Reforma Agrária para que as pessoas que
assim o desejarem, tenham condições de permanecer no campo sem
migrar forçosamente para as cidades ou para outros países; pela
mudança do atual modelo econômico cujo debate estará em foco no
Tribunal do Modelo Econômico a se realizar, em São Paulo, em
abril de 2005.

Gritamos pelo direito de ir e vir que nos é garantido pela
Constituição e pela auto-determinação dos povos e suas culturas,
contra toda discriminação e por políticas públicas que incluam
migrantes e imigrantes.

Gritamos pelo resgate de nossas raízes, contra toda
massificação.

Gritamos por um novo conceito de cidadania, pois, no mundo
globalizado no qual vivemos, é inadmissível reduzir o direito de
cidadania a uma circunscrição geográfica.

O grito dos migrantes soma-se à proposta da 4ª Semana Social
Brasileira que propõe um "Mutirão por um Novo Brasil", cujo
objetivo é de construirmos juntos um projeto popular para nosso
país; projeto que seja justo, solidário, plural e sustentável.

* Luiz Bassegio e Roberval Freire. Ambos são do Serviço Pastoral
dos Migrantes