Plebiscito Nacional da Dívida Externa Campanha Jubileu 2000, por um milênio sem dívidas

O Plebiscito confirma: a vida acima da dívida!

2000-09-29 00:00:00

Mais de 5 milhões de brasileiras e de brasileiros participaram do Plebiscito
Nacional da Dívida Externa.

Trata-se de uma iniciativa única em nossa história: um plebiscito de
comparecimento não-obrigatório, organizado pela sociedade, realizado com
lisura e transparência em todas as unidades da Federação, envolvendo cerca de
100 mil voluntários ligados a igrejas, movimentos sociais, partidos
políticos, entidades de representação profissional e poderes públicos.

Raras vezes em nossa história, atores tão diversos se uniram em torno de uma
causa comum como esta. Foi assim na campanha do "Petróleo é nosso", nos anos
50. Foi assim na campanha pelas Reformas de Base, nos anos 60. Foi assim na
campanha da Anistia, nos anos 70. Foi assim na campanha das Diretas, nos anos
80. Foi assim na campanha pelo impedimento do ex-presidente Collor, nos anos
90.

E está sendo assim no Plebiscito Nacional da Dívida Externa, que colheu a
opinião popular sobre três questões:

O governo brasileiro deve manter o atual acordo com o Fundo Monetário
Internacional?

O Brasil deve continuar pagando a dívida externa, sem realizar uma auditoria
pública desta dívida, como previsto na Constituição de 1988?

Os governos federal, estaduais e municipais devem continuar usando grande
parte do orçamento público para pagar a dívida interna aos especuladores?

Mais de 90% dos votantes responderam "não" a cada uma destas questões.

O sucesso do Plebiscito transcende, portanto, o expressivo número de
votantes. Alcançamos quatro grandes objetivos:

O tema das dívidas, que estava encoberto, voltou a fazer parte do debate
nacional.

Realizamos um importante trabalho de educação política.

Milhões de pessoas se manifestaram sobre algumas das causas da grave crise
econômica e social que afeta o País: a política de endividamento e o acordo
com o FMI.

Contribuímos para a campanha mundial de questionamento aos mecanismos e
organismos do sistema financeiro internacional, e de solidariedade aos países
pobres altamente endividados.

O Plebiscito atingiu seus objetivos, apesar da postura de grande parte dos
meios de comunicação.

Estes, ao invés de informar à população, optaram por combater o Plebiscito e
deformar seus objetivos, negando espaço para os seus organizadores.

O governo federal, por sua vez, difundiu ataques grosseiros à iniciativa,
pressionou as entidades patrocinadoras e chantageou a sociedade com
informações incorretas, alimentadas por um preconceito obscurantista contra
quaisquer idéias que destoem do ideário oficial.

Não querem que a sociedade debata estes assuntos, porque sabem que do debate
surgirão alternativas.

Esta atitude revela uma característica cada vez mais evidente do modelo
econômico implantado no Brasil: por mais adesões que encontre na mídia, no
mundo empresarial e financeiro e entre os denominados "formadores de
opinião", o modelo não suporta a controvérsia num ambiente arejado de idéias.

Os porta-vozes do "pensamento único" consideram qualquer crítica como
"ameaçadora" e "desestabilizadora"; defendem que todos deveriam apoiar os
cânones da política neoliberal, num "grande acordo" nacional que respeitaria
os direitos das elites, em detrimento dos direitos da maioria do povo.

Há uma década o país vem adotando esta orientação econômica, baseada na
dependência externa, no endividamento e sustentada pela chantagem segundo a
qual a interrupção no fluxo de capitais produziria o colapso.

Ironicamente, as agências internacionais consideram que, para os
investimentos estrangeiros, o Brasil representa maior risco que a Colômbia.

Não é uma iniciativa como o Plebiscito que prejudica o País, mas sim a
financeirização da economia, que o submete aos "humores" da banca
internacional.

Nos últimos anos, vários países recusaram as receitas do FMI e do Banco
Mundial, criticadas até mesmo por setores dessas instituições
internacionais.

A dívida externa constitui um problema gravíssimo, mesmo que o governo atual,
como o governo militar nos anos 70, prefira apresentar nosso endividamento
como "crédito".

A dívida vem sendo "perfeitamente administrada", no dizer dos porta-vozes
oficiais, graças a uma política de juros altos, de escancaramento comercial,
de privatização das empresas públicas e de precarização das relações de
trabalho.

Em outras palavras, estamos numa situação de moratória social, que se
expressa num enorme calote de todos os compromissos relativos à educação, à
saúde, ao valor do salário mínimo, à uma aposentadoria digna, ao direito ao
emprego, à reforma agrária, aos direitos dos povos indígenas e aos demais
direitos e garantias constitucionais da maioria de nosso povo.

Ao longo dos anos 90, o problema do endividamento foi agravado pelo brutal
crescimento da dívida externa privada. Parte do grande empresariado trocou
uma dívida contraída no exterior a juros baratos, por títulos da dívida
pública interna, que pagam juros estratosféricos. Em um resumo, estatizou-se
grande parte dos débitos privados.

O crescimento da dívida pública interna, portanto, está ligado a este
processo de especulação financeira, que freia o desenvolvimento econômico.

Por tudo isso, o Plebiscito veio no tempo certo, no espaço correto e com o
foco adequado.

E o foco do Plebiscito está na crítica ao modelo econômico aplicado em nosso
país.

Chamado a opinar sobre as dívidas e o acordo com o FMI, uma expressiva
parcela da população tomou posição frente a temas que o governo prefere ver
tratados apenas por seus especialistas.

O Plebiscito evidenciou que o endividamento não é um assunto técnico, a ser
debatido exclusivamente por teóricos em economia e finanças.

As decisões técnicas resultam de opções políticas, que no fundo se resumem em
pagar as dívidas financeiras ou pagar as dívidas sociais.

O Plebiscito deixou claro, também, que uma causa justa, capaz de mobilizar as
entidades populares e principalmente milhões de anônimos cidadãos e cidadãs,
não precisa de enormes recursos financeiros.

Fizemos uma campanha modesta em termos materiais, sem instrumentos de
divulgação no volume necessário à uma empreitada deste porte.

Mas o que nos faltou de aparato, foi compensado por dezenas de milhares de
voluntários que, de forma espontânea e entusiasmada, inclusive em regiões
distantes dos grandes centros, promoveram debates, produziram seus próprios
materiais de divulgação, imprimiram cédulas e providenciaram urnas.

Para as entidades que impulsionaram o Plebiscito Nacional da Dívida Externa,
as dívidas sociais estão acima das dívidas financeiras.

A prioridade nacional deve ser garantir trabalho, terra, moradia, educação,
saúde, salário e aposentadoria dignas para nosso povo.

Foi exatamente a discussão das dívidas sociais e ecológicas, de suas causas e
dos caminhos para seu pagamento que nos levou a questionar o acordo com o
FMI, o endividamento externo e o endividamento interno.

Já em 1998, por iniciativa ecumênica das igrejas cristãs, realizou-se em
Brasília o "Simpósio: dívida externa, implicações e perspectivas", no qual
resgatamos e atualizamos a rica experiência acumulada, nos anos 70 e 80, nas
mobilizações contra o endividamento.

No ano seguinte, realizou-se no Rio de Janeiro o "Tribunal da Dívida
Externa", com 2 mil participantes, entre eles representantes de 14 países e.
de vários movimentos sociais e políticos.

O Tribunal aprovou um "Veredicto" condenando as dívidas e apontando nosso
engajamento na mobilização internacional pelo seu cancelamento, que hoje
integramos através da campanha Jubileu Sul.

Em 2000, finalmente, realizamos o Plebiscito Nacional da Dívida Externa.

O Plebiscito não se limitou a dizer "não" à dívida, "não" à especulação e
"não" ao acordo com o FMI.

O Plebiscito também representa um "sim" a outro modelo econômico, que tenha
na promoção da vida um de seus valores fundamentais.

Não podemos fazer nossa economia e nossa sociedade dependerem da atração de
capitais estrangeiros.

As bases do atual modelo tornam o endividamento sinônimo de dominação.

Ou mudamos esta realidade, ou continuaremos a ver a maior parte de nossa
sociedade ser vítima da crise social, do desemprego, dos baixos salários, da
falta de serviços públicos, da violência e de tantas outras mazelas que tão
bem conhecemos.

Não nos espanta que os senhores da dívida, muitos deles brasileiros, nos
acusem de "caloteiros" e nos ameacem com retaliações.

Observemos a história: os colonizadores diziam que a independência seria o
caminho para o caos.

Os senhores de escravos diziam que a abolição provocaria a falência da
economia nacional.

As potências imperiais, como a Inglaterra do século passado e os Estados
Unidos da América de hoje, sempre alardearam que não existiria outro caminho
de desenvolvimento para as colônias, senão a submissão à metrópole.

Os latifundiários diziam e dizem que a reforma agrária nos levará à
bancarrota.

Os devastadores do meio ambiente, muitas vezes financiados por créditos
externos, dizem que este é o preço inevitável do "progresso".

No caso do endividamento, o discurso se repete. Nem por isso vivemos melhor.
Assim, nada mais justo, nada mais natural, nada mais necessário, nada mais
urgente, do que quebrar as cadeias que nos oprimem.

A dívida externa é, em grande parte, ilegal, ilegítima, imoral e já foi paga
várias vezes. Apesar disso, continua crescendo e continua sendo paga, como se
o objetivo fosse transformar o Brasil num país pobre altamente endividado.

As dívidas externa e interna são mecanismos que concentram renda, riqueza e
poder nas mãos de segmentos minoritários, porém poderosos, de nossa
sociedade.

O endividamento externo e interno não são fenômenos naturais, nem tampouco
inevitáveis.

São produzidos de forma consciente, por setores sociais que deles se
beneficiam. E só continuam a existir porque o conjunto da sociedade assim
permite, consciente ou inconscientemente.

Nossa mobilização continua, agora por uma Auditoria da Dívida, por um
Plebiscito Oficial, na formulação de um modelo alternativo de desenvolvimento
econômico e social, na participação do Brasil na campanha internacional
Jubileu Sul.

O sentido mais profundo do Plebiscito Nacional da Dívida Externa, realizado
simbolicamente na semana em que se comemora a Independência do Brasil é
constituir um libelo contra a exploração a que é submetida a maior parte de
nosso povo.

Que este grito seja ouvido em todos os cantos do nosso país e do mundo, e que
sua energia se reproduza na continuidade da luta por um Brasil de igualdade,
democracia e vida.

A Vida Acima da Dívida!

Brasília/DF, 13 de setembro de 2000.

As entidades promotoras do Plebiscito Nacional da Dívida Externa