A ofensiva militar dos Estados Unidos na América Latina
A consolidação do domínio econômico e militar da América
Latina tem sido uma das principais prioridades do governo
dos Estados Unidos. O crescente processo de militarização
no Continente tem como objetivo assegurar o controle de
recursos naturais, principalmente na região amazônica, e
manter a dependência econômica dos países latino-
americanos.
No âmbito financeiro, a dependência latino-americana se
perpetua através de uma dívida externa ilegítima e da
criação de novos mecanismos de dominação econômica, como a
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). A vertente
financeira do imperialismo estadunidense é apoiada por um
grande aparato militar.
Após os atentados em Nova York e Washington, em 11 de
setembro de 2001, o governo de George W. Bush acelerou sua
escalada militar em todo o mundo. Na América Latina, a
estratégia dos Estados Unidos inclui a instalação de novas
bases militares e o reforço de bases já existentes, o
treinamento de militares latino-americanos, a venda de
armas, a instalação de sistemas de vigilância e espionagem,
além da influência sobre o poder judiciário em países
latino-americanos. Essa política visa manter o modelo
neoliberal, defender os interesses de grandes empresas e
garantir o controle de recursos naturais, principalmente
petróleo, água e biodiversidade.
A poderio militar dos EUA é um dos principais instrumentos
de recolonização da América Latina. O crescente processo de
militarização no continente tem gerado o aumento das
violações de direitos humanos e da repressão a movimentos
sociais, o deslocamento e a migração forçada de milhões de
pessoas, a destruição do meio-ambiente, a perda da
soberania e da autodeterminação dos povos.
O principal mecanismo dos EUA para garantir seu domínio
econômico e geopolítico é expandir sua força militar em
todo o mundo—o que representa um grande perigo para a
humanidade.
Além do grande aumento do orçamento do Pentágono, que chega
a 400 bilhões de dólares, o governo de Bush tem dado sinais
claros de seu autoritarismo. Por exemplo, a administração
de Bush rechaçou a Convenção de Armas Biológicas e, ao
mesmo tempo, realiza testes ilegais com essas armas, além
de recusar o acesso de inspetores em seus laboratórios. Os
Estados Unidos rechaçaram também o Tratado sobre Mísseis
Antibalísticos, a Convenção da ONU sobre Tortura (para
evitar a investigação de tortura contra prisioneiros na
Base de Guantánamo), e pretende violar o Tratado Contra
Testes Nucleares. Além disso, a CIA reforça suas operações
clandestinas, e inclusive admite a possibilidade de
assassinar governantes, como já declarou em relação a
Saddam Hussein.
O governo estadunidense necessita manter uma situação de
"guerra infinita" para justificar a existência de seu
aparato militar e consolidar sua posição de império. Na
América Latina, os EUA intensificam esse processo através
da instalação de bases militares como no caso de Manta
(Equador), Três Esquinas e Letícia (Colômbia), Iquitos
(Peru), Rainha Beatrix (Aruba) e Hato (Curaçao). Essas
bases complementam o cerco dos EUA no Continente, que
também possui bases militares em Porto Rico (Vieques), Cuba
(Guantánamo) e Honduras (Soto de Cano). Os EUA pretendem
ainda construir bases militares em El Salvador e na
Argentina (na Terra do Fogo), assim como controlar a base
de Alcântara, no Brasil.
A estratégia militar dos Estados Unidos na região inclui o
treinamento de militares latino-americanos, como no caso da
Operação Cabañas, realizada na Argentina com a participação
de 1500 oficiais dos EUA, Chile, Brasil, Bolívia, Equador,
Paraguai, Peru e Uruguai.
Segundo documentos do governo argentino, o objetivo desse
treinamento seria criar um "comando militar unificado" para
combater o "terrorismo na Colômbia, além de um campo de
batalha composto por civis, organizações não-governamentais
e agressores potenciais". A mídia estadunidense colabora
com esse processo. Por exemplo, um artigo de 23 de outubro
de 2002, publicado no jornal Miami Herald, defende a
necessidade da criação de uma Força Militar Sul-Americana
para lutar contra a guerrilha na Colômbia e para "lidar com
ameaças internas semelhantes no futuro".
Esse comando atuaria ainda na região da Tríplice Fronteira
entre Brasil, Paraguai e Argentina. A autorização para a
entrada de tropas estadunidenses na América Latina inclui
garantias de imunidade diplomática, o que significa que
soldados norte-americanos suspeitos de crimes ou violações
de direitos humanos não poderiam ser julgados em países
latino-americanos.
Além disso, os EUA continuam treinando militares latino-
americanos na Escola das Américas e criaram a Academia
Internacional para o Cumprimento da Lei, na Costa Rica, com
o objetivo de influenciar a legislação dos países da região
em benefício de seus interesses políticos, econômicos e
militares.
Outra forma de controle por parte dos Estados Unidos é a
instalação de mecanismos como o SIVAN (Sistema de
Vigilância da Amazônia), um projeto de 1.4 bilhões de
dólares, realizado pela empresa norte-americana Raytheon,
com capacidade de monitorar 5,5 milhões de Km. O SIVAN
prevê ainda a compra de aviões de guerra, como o Tucano A-
29. Na Argentina, o Pentágono também planeja criar o Plano
Nacional de Radarização, como parte de um Sistema
Internacional de Vigilância.
Essa escalada militar fortalece a indústria bélica norte-
americana. Por exemplo, a estrutura da Base de Manta, com
capacidade de controlar o espaço aéreo em um raio de 400
Km, está sob a responsabilidade da empresa DynCorp, acusada
de envolvimento com a CIA. A Base de Manta será equipada
com grandes jatos E-3 Awacs, com caças F-16 e F-15 Eagle,
para controle da região Amazônica, do Canal do Panamá e da
América Central. Outras empresas bélicas e de tecnologia
militar, como a Raytheon e a Northop, estimam um aumento de
50% em seu lucro esse ano.
Os Estados Unidos aceleram também o Plano Colômbia, que
inclui um aparato de 1.3 bilhões de dólares, sendo que o
Secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, pretende
garantir mais US$731 milhões para financiar a participação
do Equador, Bolívia e Peru nas operações militares. Os
principais focos de violência na Colômbia, que causam a
expulsão da população indígena e camponesa de suas terras,
coincidem com as regiões mais ricas em biodiversidade. O
número de refugiados internos na Colômbia chega a dois
milhões de pessoas, sendo que 75% são mulheres e crianças.
A ofensiva militar do governo dos Estados Unidos tem gerado
protestos por parte de movimentos sociais em todo o
Continente. Essa resistência está refletida na Campanha
Continental contra a ALCA, que assumiu a luta contra a
militarização como um de seus principais objetivos. É cada
vez mais clara a necessidade de denunciar a ligação entre o
domínio econômico e militar do governo estadunidense na
América Latina. Portanto, a Campanha Continental contra a
ALCA propõe:
- Denunciar a dominação militar dos EUA na América Latina e
suas consequências, como as violações de direitos
humanos, a destruição ambiental e a perda da soberania e
da auto-determinação dos povos.
- Denunciar a relação entre o controle militar e econômico
dos EUA na América Latina, através de mecanismos como a
dívida externa e a ALCA.
- Realizar mobilizações, investigações e ações jurídicas
contra o aparato militar dos EUA e em defesa dos direitos
humanos.
- Apoiar os movimentos sociais em cada país, que lutam por
sua terra, sua cultura, seu trabalho e sua dignidade.
- A construção de um modelo econômico baseado na justiça
social e na solidariedade entre os povos.
- A construção de uma alternativa igualitária e sustentável
para a integração latino-americana.
*Maria Luisa Mendonça é jornalista, diretora da Rede Social
de Justiça e Direitos Humanos e membro da coordenação do
Grito dos Excluídos Continental.