Caminhos de superação da exclusão na América Latina
Introdução
As breves considerações que seguem são escritas no dia das
eleições presidenciais na Argentina e no Paraguai. Ao mesmo
tempo, são marcadas pelo atordoamento geral que a guerra
cruel e sumamente injusta dos americanos no Iraque ainda está
nos causando. Pensando em Bagdá, sentimos que sobre nossas
cabeças pesa não mais uma "espada de Dâmocles", mas uma
ameaça maior, feita de poderio militar exorbitante, de
prepotência estúpida e de ambição inescrupulosa.
Para buscar os caminhos de superação da exclusão, a América
Latina agora está muito bem advertida que tem este tipo de
vizinho, a nos ameaçar no norte. Com a astúcia dos pobres,
precisamos lidar com esta serpente, mostrando que sabemos
muito bem onde está o seu veneno, mas não estamos dispostos a
oferecer o lado para que continue nos picando impunemente. E
se já fomos mordidos em diversos partes, precisamos
transformar o veneno inoculado em antídoto que nos dê
resistência, para aos poucos livrar-nos da incômoda
dominação.
Se há uma interpretação a dar à aparente rendição do governo
Lula, que parece se acomodar às manhas da serpente, deve ser
esta estratégia de quem aprendeu a assimilar o veneno, para
transformá-lo em antídoto, que deve ser devolvido aos poucos,
em doses adequadas para neutralizar a víbora e ver-nos
finalmente livres de suas picadas.
Já são diversas décadas que a América Latina está patinando,
sem conseguir avançar nos índices do seu desenvolvimento. O
receituário neo-liberal, bebido com sofreguidão na década de
90, em vez de melhorar a situação, levou alguns países ao
fundo do poço, como foi o caso da Argentina.
O aspecto talvez mais positivo é a constatação que agora
emerge com mais evidência e com menos ilusão: o caminho
precisa ser feito por nós mesmos, pacientemente, com lucidez
e tenacidade, na solidariedade continental, com a
persistência de quem está convicto dos valores que nos guiam,
e que aos poucos encontram sua concretização na maneira
diferente de operar nossa economia, de organizar nossas
sociedades e de sustentar nossas utopias.
As considerações que seguem são meros acenos para valores que
já despontam no horizonte, e que já vão sendo apropriados por
muitas pessoas neste caminhar de libertação que precisa nos
congregar sempre mais.
1- Despertar da consciência política
Está crescendo a consciência cidadã dos latino-americanos.
Uma consciência que dá conta dos valores culturais que nossos
povos trazem, que desperta a ação de novos sujeitos sociais,
que sacode inibições históricas produzidas por longos séculos
de dependência, que desperta para a ação consciente e
articulada.
Esta consciência política é uma força promissora, que
precisa ser valorizada com mais convicção em nossas
estratégias de ação, e que precisa ser cultiva com mais
planejamento. Pois ela é ponto de partida para as mudanças
que precisam ser feitas nas estruturas viciadas que
condicionam o desenvolvimento da América Latina.
2- Tecer articulações
O avanço da consciência política leva a buscar o
entrosamento na ação política que precisa ser feita. Este é
um campo novo, que deve ser levado adiante. Aprendermos a nos
articular. Pois a desarticulação desperdiça energias, leva a
frustrações, e anula esforços coletivos.
A articulação leva a superar o isolamento, e educa para a
cooperação, superando o individualismo que não consegue
avançar em ações realmente transformadoras.
3- Afirmação das nacionalidades
Andaram dizendo que já passou o tempo das nações. Isto foi
inventado por quem não quer fronteiras para os seus projetos
de exploração capitalista de uma globalização comandada pela
ganância dos detentores do capital financeiro, que é o
instrumento mais poderoso para reproduzir hoje a dominação
colonizadora.
As nações são redutos indispensáveis de resistência diante
da onda avassaladora do capital transnacional, que pretende
fazer do mundo um mercado único para seus negócios.
As nações são expressão de dignidade humana e de afirmação
de valores de convivência e de identificação concreta de
pessoas com o seu meio ambiente e com suas raízes históricas.
A América Latina não pode perder o colorido da diversidade de
suas nações, ainda frágeis mas já identificadas e provadas
pelas peripécias da história de cada país.
4- Preservar as identidades culturais
Em sintonia com a importância de afirmar a própria
nacionalidade, está a urgência de preservar a identidade
cultural de cada povo, mesmo no interior de cada país. Pois a
cultura é o ingrediente mais importante, e mais resistente,
da identidade de cada povo.
Uma das providências importantes, por isto, é deter o
avanço da "americanização" a que nossos povos estão sendo
submetidos.
5- Promover a solidariedade entre povos e países
Ao mesmo tempo que valorizamos a diversidade cultural e as
identidades nacionais distintas, é urgente promover a
solidariedade entre os latino-americanos. Este é um desafio
novo, positivo, promissor: abandonar desconhecimentos ou
isolamentos, e superar inúteis rivalidades ou intrigas
estéreis que andaram dividindo países da América Latina.
A solidariedade é fonte de energia, desperta novas
utopias, e faz experimentar a força da fraternidade.
6- Assimilar os avanços tecnológicos e colocá-los a serviço
do bem comum
Não precisamos temer a tecnologia. Ao contrário, somos
chamados a assimilá-la, com rapidez e precisão, não para nos
associar aos que fazem dela instrumento de dominação, ao
contrário, para colocá-la a serviço do aprimoramento das
condições de trabalho e para repartir socialmente as
vantagens econômicas que pode trazer.
7- Apostar na educação
Para superar a exclusão, a educação tem um valor
estratégico fundamental, além de ser direito de toda pessoa
para se capacitar a participar com dignidade das condições de
vida que hoje a realidade pode oferecer.
8- Participar de projetos políticos concretos
O despertar da cidadania não pode se limitar a acompanhar,
conscientemente, os acontecimentos. É preciso tornar-se
sujeito deles. Por isto, é urgente superar um dos empecilhos
mais difundidos na tradição cultural da América Latina: o
preconceito contra a participação das pessoas na política.
Incentivar, portanto, a participação política, não só nas
épocas das eleições, mas de maneira orgânica e permanente,
sobretudo pela participação nas diversas instâncias de
atuação popular que vão surgindo, e pela atuação direta em
partidos políticos.
Conclusão
No panorama ainda marcado por decepções, produzidas por
décadas de frustrações e por novos acontecimentos adversos,
como os discípulos de Emaús, precisamos fazer uma releitura
dos fatos, e sentir que o caminho da decepção pode se tornar
em caminho de alegria e de esperança, como aconteceu no dia
da Páscoa com os apóstolos.
Além dos sinais apontados, podemos descobrir outros, para
fortalecer nossa certeza e nossa esperança.