III Fórum Social Mundial das Migrações:Reflexões e Perspectivas
O III FSMM foi realizado em Rivas-Vaciamadrid, nos dias 11 a 13 de setembro, sob o lema “nossas vozes, nossos direitos, por um mundo sem muros”. O primeiro foi realizado em 2005 em Porto Alegre, RS e o segundo em Rivas, 2006. Em sua terceira edição, o Fórum Social Mundial das Migrações se consolida como um importante espaço onde as pessoas migrantes e suas comunidades são sujeitos sociais e protagonistas de sua própria história coletiva e mundial, construtores da resistência e da construção de alternativas.
Num balanço rápido, merece destaque o espírito de solidariedade que perpassou a preparação e realização do Fórum. Cerca de 300 famílias acolheram os participantes na hospedagem solidária. E não era só dar um lugar para dormir. As famílias promoviam momentos de convivência familiar com os hóspedes: almoços, festas, passeios. Também merece um destaque especial os mais de 500 voluntários que trabalharam na preparação e organização do evento.
O fórum contou com a participação de mais de três mil pessoas, representantes de duas mil entidades e movimentos sociais. Um enorme trabalho logístico e organizativo abrigou cerca de 50 seminários, talleres e outras atividades culturais. Centenas de pessoas puderam participar com “becas”, tendo sua passagem, comida e hospedagem totalmente gratuitas. Foram milhares de migrantes protagonisando sua própria história.
A declaração final da assembléia aprovada pelos participantes foi expressão de que é possível construir unidade na diversidade.
Na perspectiva da solidariedade vale a pena lembrar o primeiro parágrafo da Segunda Declaração de Rivas, onde o FSMM se solidariza com os povos do mundo “No aniversário dos sessenta anos da Nakba palestina (holocausto), aos vinte anos do início das mortes de migrantes no Estreito de Gibraltar tentando chegar à Europa, aos 35 anos do golpe militar contra Salvador Allende e hoje, no apoio à Bolívia cujo processo democrático está seriamente ameaçado”.
Afirmam os participantes do Fórum que uma das causas fundamentais da migração forçada é a globalização capitalista, neoliberal, concentradora, excludente e depredadora do ser humano e da natureza que, sustentada por políticas neoliblerais, favorece aos países ricos que ao concentrar mais e mais riquezas passam a ser um atrativo para milhões de imigrantes. Estes são obrigados a deixar os seus países de origem, justamente pelas conseqüências que tais políticas provocam. Denuncia também as migrações forçadas dos povos indígenas como resultado da expropriação das terras e dos mega-projetos agro-industriais, que tem como conseqüências a destruição de suas culturas.
Foi unânime o repúdio do modelo de criminalização das migrações que tanto a Europa como os demais países ricos estão adotando contra os imigrantes. Para poder expulsar as pessoas através da Diretiva de Retorno - popularmente conhecida como a Diretiva da Vergonha - a migração irregular passa a ser considerada como crime, justificando-se assim as detenções, as prisões arbitrárias e as deportações. O fórum destacou que não é crime ser migrante, crime são as causas que provocam as migrações; os migrantes não são, um perigo, são a solução justamente para os países ricos que há vários anos têm o crescimento vegetativo negativo.
Também foram denunciados os centros de internamento, verdadeiras prisões onde os imigrantes sequer possuem acesso aos direitos. O fórum exige o fechamento de todos eles. No mesmo tom foi condenada a externalização das fronteiras, ou seja, o sistema de controle que os países ricos colocam nos países de origem das migrações: (aeroportos, vistos, nos centros de internamento nos países de origem, nos muros reais ou virtuais, legislações restritivas, sistemas de vigilância)
Direito de ir e vir
O governo espanhol negou mais de 40 vistos para pessoas que participariam do III Fórum. Foram delegados do Senegal, Equador, Honduras, Perú, entre outros. O fórum reafirmou o direito humano que todos têm de ir e vir sendo que ninguém pode proibir a que as pessoas se locomovam, migrem.
Fenômeno Mundial
Os debates do Fórum apontam para a mundialização das migrações, as soluções não podem ser somente bilaterais, entre países. Devem ser globais. De nada valem os muros, as deportações, as legislações restritivas e criminalizadoras e os centros de internamento. Sendo um fenômeno mundial, as soluções devem ser buscadas também nos países de origem, por meio de processos de desenvolvimento sustentável, ecologicamente corretos, que criem trabalho nos locais de emigração.
Os migrantes são pessoas sujeitos de direitos (novo sujeito histórico) e não podem ser tratados como mercadorias, como moeda de troca e devem ter os direitos reconhecidos em qualquer lugar que se encontrem. O fórum destaca que pelo simples fato de ser pessoa humana, de pertencer a humanidade, o migrante tem direito a ter todos os direitos, independentemente de sua situação administrativa, cor, raça.
Os debates que perpassaram as mesas temáticas, as oficinas e seminários e que culminaram com a realização da assembléia dos movimentos sociais e na elaboração da Segunda Declaração de Rivas, por consenso, aconteceram de forma consciente e responsável.
O Fórum mostrou ainda que há uma relação muito forte entre migrações e meio ambiente. Muitos são obrigados a migrar devido às mudanças climáticas, as inundações e muitos outros fenômenos causados pelo aquecimento global.
Apontou que se faz necessária uma nova ordem mundial que promova a dignidade de todas as pessoas humanas, em sintonia com as potencialidades do nosso planeta terra.
Outro mundo possível
O Fórum demanda aos governantes que assinem, ratifiquem e ponham em prática a Convenção da ONU sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias bem como a necessidade de ter um procedimento ou um órgão que defenda e proteja aos migrantes, assim como os refugiados tem seu estatuto próprio;
A derrogação da Diretiva de Retorno e o fechamento de todos os Centros de Internamento de Imigrantes;
Na perspectiva de reconhecer o migrante como sujeito de direitos o fórum incentiva a que se promovam as pessoas e as comunidades de imigrantes para que se organizem, se rebelem, denunciem todas as formas de dominação de exploração e exijam os seus diretos, fortalecendo as suas organizações e as redes de apoio mútuo;
Exigir o direito ao voto no âmbito municipal e a participação política ativa na definição dos projetos de desenvolvimento local bem como o respeito à autonomia dos movimentos sociais e a participação política para incidir.
Um avanço importante foi o debate e as propostas sobre a Integração dos Povos . Há vários processos de integração em curso no mundo, mas muitos privilegiam a integração dos capitais, da infra-estrutura, da energia e do comércio. O FSMM enfatiza a integração dos povos através de livre circulação das pessoas, do acesso às políticas públicas, aos direitos, enfim sublinha a necessidade da cidadania universal.
Denunciou os muros como o da Palestina, Ceuta e Melia no Marrocos e na fronteira entre México e Estados Unidos.
Marcha dos Movimentos Sociais
“Contra o modelo neoliberal, não aos muros e pela cidadania universal”. Este foi um dos muitos slogans que se ouviram na marcha que encerrou o III Fórum Social Mundial das Migrações, em 14 de setembro. Cerca de cinco mil pessoas percorreram as ruas de Madrid reforçando a necessidade de se derrubar muros e construir pontes. Sob o lema “nossas vozes, nossos direitos, por um mundo sem muros, uma só voz, um só grito foi ouvido nas ruas de Madrid: “En el sur somos explorados y en el norte expulsados;” “Nenhum ser humano es ilegal, ciudania universal”.
Migrar não é um crime, crime são as causas que obrigam as pessoas a migrar.
O IV Fórum Social Mundial das Migrações será realizado nos dias 08 a 10 de outubro, de 2010, no Equador.