Direitos Humanos e Exclusão Social

2002-07-05 00:00:00

É longa e trágica, em nosso continente, a história de violação e desrespeito aos
direitos fundamentais da pessoa humana. Em quinhentos anos, milhões de homens e
mulheres negros, indígenas, migrantes e deserdados da terra, na feliz expressão de
Florestan Fernandes, não conhecem o que é ter terra para plantar, casa para morar
e salário digno que atenda às suas necessidades mais urgentes e primordiais, sem
as quais não podem ser considerados cidadãos. Neste continente cheio de riquezas
e de potencialidades múltiplas, milhares de pessoas não têm acesso aos direitos
econômicos e sociais fundamentais, e vivem à margem do Estado, como massa de
manobra dos políticos demagogos e populistas de plantão.

A quase completa ausência de um arcabouço de direitos econômicos e sociais
fundamentais em nosso continente, e particularmente no Brasil, constitui a questão
central a ser enfrentada por aqueles e aquelas que abraçam a bandeira dos direitos
humanos. De que vale o direito de votar e ser votado, de não ser impedido de
expressar suas idéias, de viajar para onde quiser, de não ser coagido ou forçado?
Em suma, de que valem os direitos civis, num ambiente em que poucos têm acesso a
renda socialmente produzida? Onde pouquíssimos podem ser efetivamente considerados
cidadãos?

A formação social e econômica do Brasil, com a colonização, a escravidão e a nossa
submissão às potências imperialistas ao longo da história, está fundamentada na
violência, na exploração, em injustiças e desigualdades. Assim, no Brasil atual,
34% da população ou 53 milhões de pessoas vivem na pobreza. Dessas, 23 milhões
vivem na situação de indigência ou miséria – não ganham o suficiente para a
alimentação básica. Os 10% mais ricos possuem metade da renda nacional e 1% da
população (os mais ricos) possuem renda equivalente à da metade da população (50%
mais pobres). Enquanto no México, para citar um país subdesenvolvido, a diferença
entre a renda dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres é de 13 vezes, no Brasil,
chega a 33 vezes. Esse é o drama e a batalha fundamental de nossa terra.

Em sua grande maioria, os países da América Latina, guiados por suas elites
antidemocráticas e antinacionais, abriram mão de construir a nação e optaram por
satisfazer os interesses das corporações internacionais. E é preciso que se
entenda que os interesses do imperialismo, que se resumem na ganância pelos
negócios, não se coadunam com a construção de uma nação. Em outras palavras, não
há meio termo: ou se constrói a nação ou se atende aos interesses dos negócios. A
partir da década de 90, assistimos em todo continente, as privatizações, a
abertura selvagem dos mercados, a submissão total ao FMI etc, o que só fez
aumentar a fila de excluídos e deserdados.

No Brasil, tem acontecido algo que no mínimo é surrealista. A política econômica
do governo FHC, centrada na inserção submissa do país no mercado mundial, tem
gerado – incontestavelmente – exclusão social e pobreza, como revela os resultados
do último censo do IBGE. Contudo, FHC tem feito dos direitos humanos uma
plataforma que dá ao seu governo conservador e entreguista um verniz progressista
aos olhos da comunidade internacional. A segunda versão do Programa Nacional de
Direitos Humanos, lançada pelo governo, não obstante o empenho de inúmeras
entidades e dos movimentos sociais, é um exemplo deste embuste. Grande parte das
medidas anunciadas ficarão a cargo do próximo governo, até mesmo a proposta mais
badalada de garantia de união civil dos homossexuais. Como se vê, tem sobrado
discurso e faltado prática.

No que diz respeito aos direitos civis e políticos, não se avançou muito. O tão
falado entulho autoritário continua presente nos presídios por meio da tortura, da
corrupção e da violência policial. Negros e pobres presos arbitrariamente,
obrigados a confessar crimes que não cometeram, presídios superlotados e
transformados em fábricas do crime, etc.

A prevalência dos direitos humanos no Brasil e na América Latina se faz atual como
nunca, neste início de milênio. E deve ser alcançada a partir da mobilização
permanente das vítimas, homens e mulheres, das violações desses mesmos direitos:
os trabalhadores, os desempregados, os sem-terra, os sem teto, os negros, os
migrantes, as crianças e adolescentes, as mulheres, os gays e lésbicas, os
transexuais, os usuários dos serviços públicos. E de todos aqueles e aquelas que
desejarem se empenhar na construção efetiva de um Estado radicalmente democrático.

A luta contra o neoliberalismo, a partir dos valores da solidariedade e da crença
num outro mundo possível, deve ser o ponto de partida fundamental a aglutinar e
articular todas as luta específicas dos excluídos desse continente em marcha e
construção. Nesse sentido, deve ganhar empenho e destaque a luta contra o
pagamento da dívida externa e a luta contra a implementação da Alca.

Renato Simões é deputado estadual (PT) e presidente da Comissão dos
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.