G-8 E G-162
Nesta semana coincidem dois eventos, aparentemente desproporcionais, mas que têm entre si uma evidente relação.
Em Heiligendamm, na Alemanha, cercados de toda segurança, estão reunidos os chefes dos oito países mais ricos do mundo. Na sua agenda, os rumos da macroeconomia, e as providências para garantir a continuidade dos bons negócios que a sustentam. E’ o famoso G 8, que além dos sete países mais industrializados inclui também a Rússia, que não tem muitas indústrias mas tem bomba atômica, o que deixa entrever o íntimo parentesco entre guerra e economia.
Em Roma, no Vaticano, representantes de 162 países realizam a assembléia da Cáritas Internacional, dispostos a levar adiante seus projetos de solidariedade para com as populações pobres do mundo, iluminados pelo lema que esperam colocar em prática, para serem “testemunhas da caridade e construtores da paz”.
A coincidência das duas reuniões com a festa do Corpo de Deus coloca um cenário comum, incômodo e inevitável: as multidões famintas, que não têm o que comer, e que não podem ser dispensadas.
O Evangelho descreve com clareza a solução encontrada por Cristo, contrariando a sugestão dos apóstolos. Diante do povo faminto, não valem desculpas. A fome precisa ser saciada. “Dai-lhes vós mesmos de comer!”, foi a ordem peremptória de Cristo.
Nas duas reuniões, o Cristo continua fazendo a mesma pergunta: “Quantos pães tendes?”
O grupo dos 162 poderia responder como os apóstolos: “temos alguns pães, mas o que é isto para tanta gente!”. Com certeza o Cristo continuaria respondendo da mesma maneira: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. O pouco se torna muito, quando o povo começa a se organizar, e quando o pão começa a ser repartido.
Diante da mesma pergunta, o grupo dos 8 é que deveria ficar muito encabulado. Pois a fome no mundo tem tudo a ver com os grandes estoques guardados a sete chaves, e que não são colocados para saciar a fome das multidões de hoje. Tempos atrás a Alemanha constatou que seu estoque de manteiga daria para distribuir um quilo para cada habitante do mundo. Mas a manteiga permanecia estocada.
A economia sabe acumular, não aprendeu a distribuir. Esta a questão que deve ser colocada com contundência.
Hoje a pobreza assume feições muito mais dramáticas do que a descrita no Evangelho.
Partilhando suas preocupações, os representantes da Cáritas advertem que a cada três segundos morre no mundo uma criança vitimada pela pobreza. São três bilhões de pessoas, quase a metade da população mundial, que sobrevivem com menos de dois dólares por dia. São quarenta milhões infectados pelo vírus HIV. E somando todas as situações, persistem ainda hoje no mundo trinta focos de guerra.
As multidões famintas já não ficam resignadas em seus lugares. Cada vez mais se colocam em movimento, em ondas migratórias, buscando as mesas fartas dos que possuem em abundância.
O fato é este: independente de problemas econômicos a resolver, e de conflitos a superar, existem direitos humanos elementares que precisam ser atendidos. E se não são atendidos, é porque não se distribui. Esta a difícil lição a aprender. Até o Evangelho acabamos distorcendo, quando falamos da “multiplicação dos pães”. Na verdade, o que Jesus fez, e ensinou a fazer, foi “dividir” os pães, não “multiplicar”. Hoje a fome não é mais problema de escassez. Existe abundância de alimentos. O problema está na justa distribuição.
Bom seria se houvesse um acordo entre as duas reuniões: o grupo dos 162 poderia organizar o povo, como Jesus ensinou a fazer. E o grupo dos 8 poderia dar metade de suas riquezas aos pobres, como fez Zaqueu. E o mundo, com certeza, ficaria muito melhor do que está hoje!