Dívida externa na África é fator decisivo do processo migratório

2007-01-24 00:00:00

Empobrecimento dos países africanos por mecanismos de dependência externa é uma das principais causas do fenômeno migratório africano. Cancelamento das dívidas deve ser primeiro passo para brecar êxodo, avaliam ativistas.
NAIROBI, QUÊNIA - O crescente fluxo migratório de africanos rumo ao Norte, que tem levado os Estados Unidos e a União Européia a adotar medidas cada vez mais repressivas contra os imigrantes e restritivas à imigracao, é fruto de um dos fenômenos mais antigos da humanidade: a busca por melhores condições de vida.

Para introduzir uma análise mais aprofundada do fenômeno das migrações e de seu impacto sobre os Estados, o economista Jean Pellet, membro do Comitê pela Anulação da Dívida no Congo, lembra que os deslocamentos humanos tiveram um papel decisivo na constituição do mundo contemporâneo.

Partindo do período dos descobrimentos e dos conseqüentes processos de
colonização das Américas e da Ásia, as migrações européias tiveram um componente econômico fundamental na constituição dos Estados, tanto nestas regiões quanto na própria Europa. Utilizando-se do que Pallet chamou de migração involuntária - a escravização da população africana -, os imigrantes europeus não apenas se estabeleceram economicamente nas novas terras como também financiaram, através do trabalho dos imigrantes involuntários, a revolução industrial na Europa.

Nos períodos seguintes, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, a imigração africana foi incentivada por constituir a principal força de trabalho de reconstrução dos países europeus, relação que chegou ao fim com a crise econômica dos anos 1970. Foi a partir daí que a Europa passou a adotar novas medidas anti-imigração, processo que hoje transformou os imigrantes legalmente em criminosos.

Por outro lado, os efeitos destrutivos da colonização européia na África e as conseqüentes guerras internas patrocinadas por interesses econômicos europeus e americanos criaram situações de miséria e insegurança tão agudas que a imigração passou a ser não uma opção, mas a única forma de sobrevivência para muitos africanos.

Segundo Malin Sambaian, coordenador da Campanha pela Anulação da Dívida no Niger, em grande parte da África o desemprego de jovens atingiu níveis alarmantes. "São pessoas que, aos 35 anos, nunca trabalharam porque não tem emprego. Muitas vezes tem dois, três diplomas, e a imigração acaba sendo a única forma de sobrevivência", explica.

Empobrecimento e dívida
Enquanto a Europa não assume a dívida social com a África, os governos locais não tem dado conta de resolver minimamente os problemas internos. "O drama dos imigrantes africanos deixou clara a total inabilidade dos governos em lidar com esta situação. Em última instância, os governos não se responsabilizam por seus cidadãos. Ao contrário, há um fortalecimento dos aparelhos repressivos, como no Marrocos - porta de entrada para a Europa de todos os imigrantes do sul da Africa - e na Nigéria", afirma Malin Sambaian.

Na avaliação do nigeriano, a relação entre Europa e África se torna mais cruel a medida em que permanece o endividamento dos segundos com os primeiros.

"O que os países africanos pagam a Europa em juros da dívida externa é dezenas de vezes mais do que investem em educação, saúde e geração de emprego e renda. A dívida é a questão central do empobrecimento africano", afirma Sambaian.

Segundo ele, o cancelamento da dívida da África é a única solução factível para o drama da imigração conseqüente do empobrecimento do continente. Seria uma medida que contrastaria em efetividade e humanitarismo com os milhões investidos em mecanismos de repressão, injetados no Marrocos, por exemplo.

"Este drama só poderá ser aliviado com uma medida enérgica como esta, ao mesmo tempo que o Norte assuma de fato o pagamento da dívida social, acumulada por anos de exploração do continente. Esta ajuda ainda seria infinitamente inferior", conclui.
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