Por um movimento GLBT ainda mais politizado

2006-02-03 00:00:00

Caracas.- Movimentos como Diálogo Sul-Sul GLBT, Via Campesina e Marcha
Mundial de Mulheres lançam campanha para estimular a reflexão sobre
diversidades a
partir de um ponto de vista político. Para a sul-africana Phumi Mtetwa,
movimento GLBT também deve lutar contra o neoliberalismo.

"Em um mundo diverso, a igualdade é o primeiro". Esse é o mote
da campanha lançada na abertura do III Fórum Social pela Diversidade
Sexual, nesta quarta-feira (25), que faz parte da programação do VI
Fórum
Social Mundial. O objetivo dessa iniciativa, organizada por várias
entidades, redes e movimentos internacionais - como Diálogo Sul-Sul
GLBT,
Via Campesina e Marcha Mundial de Mulheres - é estimular a reflexão
sobre
as diversidades a partir de um ponto de vista político.

"Além de dizer 'sou lésbica', como isso se vincula ao fato de eu ser
mulher, africana, da classe trabalhadora? Como se vincula com a
postura
frente às transnacionais, à invasão do Iraque ou às lutas campesinas?",
questiona Phumi Mtetwa, sul-africana radicada no Equador, da
coordenação
do Diálogo Sul-Sul GLBT, que reúne organizações, movimentos e
intelectuais
de diversos países, principalmente da América Latina, África e Ásia,
com o
propósito de elaborar análises sobre a globalização neoliberal,
vinculando-as à orientação sexual, e delinear alternativas a partir
dessa
perspectiva. Segundo ela, é necessário politizar o discurso do
movimento
GLBT e estimular que seus militantes também participem da luta contra
o
neoliberalismo, por um mundo mais justo e igualitário.

A idéia é mostrar que a bandeira do respeito à diversidade sexual está
diretamente vinculada a outras lutas, como a campesina, indígena,
feminista, afrodescendente, contra o capitalismo patriarcal, e não vai
estar completa elas não se concretizarem também, já que todas as
formas de
discriminação, seja ela racista, homofóbica ou machista, partem da
mesma
matriz: uma sociedade capitalista patriarcal opressora.

A campanha pretende reverter uma tendência da comunidade GLBT de
encarar
os direitos de maneira individualista e liberal. A luta pelo casamento
ou
união civil homossexual, por exemplo, que consome grande parte da
energia
desse movimento no mundo todo, é considerada uma reivindicação que
assimila o modelo capitalista e tira a força política do movimento.
"Enquanto o matrimônio, esse modelo de família e de vida estão sendo
questionados por outros movimentos, parece que eles querem exatamente
isto: uma família, um cachorro e um cartão de crédito", afirma a
venezuelana Marianela Tovar, da ONG Contranatura.

A falta de articulação e união do movimento GLBT com outros grupos e
de
compartilhar outras bandeiras são apontadas como fatores que
enfraquecem a
busca pelo respeito à diversidade sexual. Muitas vezes há falta de
unidade
dentro do próprio movimento. É o que ocorre na Venezuela, onde existe
uma
reclamação por parte de lésbicas, travestis e transexuais de que os
homossexuais masculinos lutam de forma individualista, excluindo esses
outros grupos do processo. Nesse caso, a discriminação ocorre dentro
da
própria comunidade GLBT, o que reforça a necessidade de um trabalho
conjunto entre os movimentos.

Estimular uma integração maior com outros movimentos sociais, como o
de
mulheres, com o qual eles têm muitas características em comum é uma
das
propostas da campanha. De acordo com Júlia Di Giovani, integrante da
Marcha Mundial de Mulheres no Brasil, a mais evidente delas é que
ambos
lutam por autonomia, diversidade e igualdade, numa sociedade machista,
que
se sustenta na violência cotidiana contra as mulheres e na violência
homofóbica. "Outro desafio que deve ser compartilhado é o de gerar
ações
que respondam à permanente mercantilização da sexualidade. A indústria
do
sexo cresce vertiginosamente, num contexto de dominação machista, e
isso
nos é vendido como se fosse liberdade, como no caso da prostituição",
completa. Ela defende que sejam buscadas reflexões e ações conjuntas
para
que seja construído um movimento comum entre eles que combata a
desigualdade e a opressão.

Em outros movimentos sociais, o respeito à diversidade sexual ainda
está
muito longe de se concretizar, e o movimento GLBT poderia contribuir
para
mudar essa realidade. Esse é o caso dos movimentos indígenas, em que
ainda
existe muito preconceito em relação aos homossexuais, que acabam se
escondendo. "Há muita discriminação entre os povos indígenas, temos
que
fazer um longo trabalho nesse sentido. Em outros aspectos estamos
bastante
avançados, mas homossexuais, lésbicas, todas as classes de sexualidade
são
repelidas. Mesmo os familiares não aceitam que seja assim. Por isso
está
muito oculto, não há informação, eles não compartilham nada, falta
intercambio e capacitação aos nossos povos", avalia a indígena
equatoriana
Josefina Lema, representante da Fundação Equatoriana de Ação, Estudos
e
Participação Social (Fedaeps) e da Confederação de Nacionalidades
Indígenas do Equador (Conaie).

Segundo ela, quando abordam esse assunto, parte dos indígenas dizem
que,
dessa forma, eles estão "quebrando o sagrado". Nessas comunidades, os
homossexuais são maltratados e isolados, mesmo pelos mais jovens. "Os
povos afros e mestiços estão avançando bastante nesse sentido, já
estão
unidos, mas não vejo nossos companheiros indígenas participando desse
espaço", diz.

Outro exemplo é o da Marcha Mundial de Mulheres, movimento presente
nos
cinco continentes, que passou por uma situação limite quando tentou
criar
um grupo de trabalho internacional para tratar da questão das lésbicas.
As
mulheres dos países africanos fizeram muita resistência em incluir
esse
tema na rede, o que gerou um grande dilema: aceitar não colocar os
direitos das lésbicas na agenda feminista internacional ou excluir os
movimentos feministas da África. Por fim, após longas discussões,
conseguiram criar o GT e manter as africanas no processo, mas isso
mostra
que a pauta GLBT ainda precisa avançar muito mesmo dentro de outros
espaços progressistas.

A campanha pretende contribuir ainda para a criação e o fortalecimento
de
um movimento GLBT internacional, envolvido de fato com as questões
políticas. "Somos heterogêneos, mas precisamos assumir a bandeira dos
outros como a nossa bandeira também", acredita Phumi. As ações da
campanha
serão definidas em cada país, mas uma das que estão previstas
internacionalmente é que seja celebrado em cada continente, no dia 27
de
abril, o reconhecimento do primeiro país no sul que incluiu em sua
Constituição o princípio da não-discriminação por orientação sexual, a
África do Sul, em 1996, seguida pelo Equador, em 1998.

A proposta é que não seja uma campanha apenas sobre diversidade sexual,
mas sobre todas as diversidades. "Nós pensamos que a diversidade não
pode
estar em um eixo do Fórum, as diversidades e o gênero têm que ser
transversais. A economia ou a eliminação da dívida externa, os eixos
da
desmilitarização e não à guerra, todos precisam ser abordados também a
partir das diversidades. É um desafio para o movimento que está
pensando
um outro mundo", conclui Phumi.

- Fernanda Sucupira - Carta Maior