Robin Hood às avessas

2006-02-02 00:00:00

Organizações sociais denunciam mecanismo de espoliação da dívida
externa e, ao mesmo tempo, declaram os povos como legítimos credores.

Os países de primeiro mundo criaram uma fórmula eficiente de
transferir renda dos países pobres direto para seus cofres. A dívida
externa. No 6° Fórum Social Mundial de Caracas (Venezuela), os
movimentos sociais fizeram um grande esforço para mostrar à opinião
pública que os países chamados de terceiro mundo é que são os credores.

Segundo o cientista político José Augusto Pádua, da Aliança de Povos
do Sul Credores da Dívida Ecológica, a origem da dívida está
relacionada com o colonialismo de 500 anos atrás. "Na América Latina,
os países não nasceram como países, mas sim como colônias de
exploração ecológica e humana", analisa Pádua. Segundo ele, essa
relação é fundamental para se compreender o que é o chamado primeiro
mundo hoje.

O haitiano Camille Chalmers, secretário executivo da Plataforma para o
Direito a um Desenvolvimento Alternativo no Haiti, explica que,
atualmente, a transferência dos ricos para os pobres ocorre de quatro
formas: pagamento dos serviços da dívida externa, regras comerciais
que obrigam países de terceiro mundo a exportar certos produtos (no
Brasil: a soja, o minério de ferro etc.), a remessa de lucro das
transnacionais para a suas sedes e a fuga de jovens que vão em busca
de melhores salários no centro do capital.

Impagável

Os países "do Sul" constituem aquilo que se chama de sobreendividados.
O historiador belga Eric Toussaint, diretor do Comitê pela Anulação da
Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), informa que de 1980 a 2004, a dívida
externa dos países latino-americanos e caribenhos passou de 243
bilhões de dólares para 773 bilhões de dólares. Nesse mesmo período,
essas nações gastaram 2,109 trilhões de dólares com serviços desses
empréstimos. Números divulgados pelo Banco Central brasileiro mostra
que a nossa dívida em 2005 também continuou crescendo, mesmo com o
país deixando de investir em áreas fundamentais, como educação, saúde
e infra-estrutura (veja quadro).

"A dívida é um instrumento de dominação. Presos a esse pagamento,
muitas vezes, somos obrigados a aceitar propostas de ajuste estrutural
de instituições financeiras multilaterais (IFMs), como abertura
comercial, privatizações, flexibilização de direitos trabalhistas e da
seguridade social", analisa Sandra Quintela, do Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul (Pacs).

As organizações sociais propõem a interrupção do pagamento da dívida
externa. "Quando dizemos isso, sempre alguém diz que o aporte de
recursos financeiros cessaria. Ora, mas é a América Latina que
financia seus credores", protesta Toussaint. Segundo o historiador, os
beneficiários desse círculo vicioso são bancos, transnacionais,
governos de países "do Norte" e elites locais, que colocam seu
dinheiro no exterior e compram títulos da dívida de seus próprios
países. "Por isso, não querem o fim do pagamento dos serviços. Eles
não são as vítimas, são os cobradores", indica Toussaint.

Propostas

De acordo com o belga, com a exceção da Venezuela, os países latino-
americanos têm suas reservas nos Estados Unidos, onde são remuneradas
em 3%. No entanto, pegam empréstimos de bancos estadunidenses que
cobram 9% de juros. "Assim, proponho a criação de um banco continental
(América Latina e Caribe) e de um fundo comum para evitar ataques
especulativos. Não há garantia de que esse modelo não repetiria o
modelo atual, mas a carta magna precisaria ser muito bem feita e
respeitada. Ao menos, implicaria na saída da esfera de controle das
IFMs", reflete Toussaint.

Um outro passo que precisa ser dado pelos movimentos é cobrar a
realização de auditorias da dívida externa. No Brasil, o Sindicato
Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco) tomou
para si esta tarefa e descobriu que das 815 resoluções do Senado
Federal que aprovaram empréstimos de endividamento junto ao exterior,
apenas 238 podem ser encontradas. Nenhuma da época da ditadura.
Camille Chalmers diz que o povo não tem o que represálias se essas
propostas fossem adotadas. "Não pode ser pior do que já fazem com quem
paga", decreta.