O risco da burocracia para o processo revolucionário
A via escolhida pelo governo bolivariano da Venezuela para levar
adiante o
processo revolucionário é pelas instituições. Sem rupturas estruturais
na
máquina do Estado, o processo de mudanças pelo qual passa a Venezuela
pode
ser emperrado pela burocracia estatal.
"O presidente Hugo Chávez quando chegou ao poder não mudou o aparato
burocrático. As pessoas que não estão com a revolução acabam utilizando
os
processos burocráticos para formar um muro de contenções entre Chávez e
os
venezuelanos. Isto está confundindo os cidadãos e os movimentos
sociais",
analisa Sérgio Sánches, membro do grupo Utopia e Corrente Marxista
Bolivariano da Venezuela. A luta, para ele, deve ser travada no
interior do
próprio estado Venezuelano: "Um estado burguês, não preparado para a
revolução", caracteriza.
Atrelada à burocracia está a corrupção, outro problema para a
revolução,
avalia Fernando Martinez Heredia, membro do Partido Comunista Cubano e
autor de
livros como Rectificación y profundización del socialismo en Cuba e El
Che y
el socialismo. "Há a cultura em nossos países acostumada a considerar a
corrupção como algo normal, inerente às estruturas burocráticas. A
mudança
da moral é imprescindível e leva tempo para ocorrer".
Luta Política
Na Venezuela, está ocorrendo toda forma de luta, adverte Sánches. "Luta
eleitoral, armada, ideológica e política". E elas se passam dentro das
estruturas institucionais, como a do Estado e das Forças Armadas. "Nas
Forças
Armadas, há correntes revolucionárias, mas também oportunistas. Elas
estão
em pleno processo de disputa".
Além da ebulição interna ao país, a movimentação externa, encabeçada
pelos Estados Unidos, está em curso. "Eles instalaram uma base militar
na
Colômbia, cujo alcance estende-se à faixa petroleira do Orinoco, a
principal
do país. Há uma base também na Guiana", diz Sánches.
A via revolucionária na Venezuela é pacífica, mas Sánches não descarta
a
possiblidade de se pegar em armas caso acontece um golpe imperialista.
"Estamos
trabalhando para ter capacidade de resisitir a uma ofensiva dos EUA.
Caso
ocorra, não será possivel enfrentar o imperialismo com o exército
regular. A
luta deverá acontecer nos barrios, no campo, nas montanhas e nas
cidades",
disse. A ajuda deverá vir dos povos de todos países. "Militantes de
todo
mundo devem nos ajudar e sair as ruas", adianta.
Revolução: ser ou não ser?
A questão pendente na Venezuela é se realmente está acontecendo uma
revolução e de que tipo, socialista ou comunista. O processo
venezuelano
possui diferencas fundamentais ao ocorrido em Cuba, por exemplo. A
começar
pela formulação da Constituição. Na ilha, a revolução foi consolidada
e,
após quase 20 anos, a Constituição foi estabelecida. Na Venezuela, o
processo é inverso. A Revolução Bolivariana está fundada em uma
Constituição, referendada em 1999 pela população, e que está sendo
colocada em prática lentamente.
Heredia defende que cada processo revolucionário é único, não pode
haver
comparações. "Não acredito que as vias pelas quais Cuba fez sua
revolução
possa ser adotada por outros países igualmente", diz. E exemplifica, "a
revolução de Cuba não se pareceu em nada a da China. E nenhuma das duas
foi
semelhante à Revolução Russa. Toda revolução exige um grau de
criatividade
e originalidade", diz. Ele recordou escritos de Carlos Fonseca Amador,
um
marxista, socialista e guerrilheiro que dirigiu os sandinistas, em
1966. "A
revolução sandinista para ser não poderá se parecer", citou.
Para ele, há um processo revolucionário em curso. "As pessoas do povo
estão
sendo movidas em nível material e espiritual. A maioria das políticas
na
América Latina não passa pelas pessoas humildes. E isto está
acontecendo
aqui. Os humildes devem se levantar, autoconhecer-se e precisam começar
a se
unificar", avalia.
Revolução marxista ou socialista não é a questão fundamental neste
momento
para o historiador ítalo-brasileiro José Luiz Del Roio, do Instituto
Astrojildo Pereira. "O importante é que está acontecendo a luta das
idéias",
defende. "Este embate está sendo feito por Chávez". E, segundo ele, a
revolução começa quando há mudanças nas idéias. Além disto, Chávez,
para ele, recuperou o orgulho de ser latino-americano. "Chávez foi ao
Brasil,
dizer aos brasileiros quem era Abreu e Lima", diz (referência ao
general
pernambucano José Inácio Abreu e Lima, que foi chefe do Estado Maior do
libertador Simón Bolívia e ficou conhecido como "general das massas).
Carlo Bittencourt, do grupo Utopia e Corrente Marxista Bolivariana da
Venezuela,
que participou da luta armada nos anos 60 e 70, acredita que o governo
de
Chávez é um caminho pra se tentar colocar em prática o que o movimento
armado não conseguiu no passado. "Considero que fomos os plantadores da
semente que Chávez está cultivando hoje. A forma de luta não se copia,
ela
vai se dando a medida em que as circunstâncias vão exigindo", analisa.