Organizações latino-americanas unidas por mídia mais democrática

2006-01-29 00:00:00

Uma das tônicas desta edição do Fórum Social Mundial em seu
capítulo americano têm sido os processos de criação e fortalecimento de
redes e agendas da sociedade civil nas mais diversas áreas. Não é
diferente
no setor que questiona a situação da mídia e defende uma mudança de
paradigma a partir da compreensão de que a mídia não pode ser vista
como
serviço e nem como propriedade de grupos empresariais. Um conjunto de
redes
latino-americanas da área aproveitou o fórum para apresentar aos
participantes a proposta de uma campanha continental para construir na
sociedade a compreensão de que comunicação é um direito das pessoas, e
que
portanto os meios de difusão da informação devem atender ao interesse
público, e não à lógica comercial.

A articulação é uma promoção de entidades como a Associação
Latino-americana para a Educação Radiofônica (Aler), a Agência
Latino-americana de Informação (Alai), a Associação para o Progresso
das
Comunicações (APC) e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias
(Amarc).
Ela busca sensibilizar a opinião pública, construir propostas e
promover a
participação cidadã para buscar no continente a democratização da
produção e difusão de informação, conhecimento e cultura. Na opinião de
Nestor Busso, da Aler, a tarefa é urgente e complexa, pois o tema não
está
consolidado sequer dentro da esquerda. ?O objetivo da campanha é
construir a
idéia de que a comunicação é um direito, pois até os militantes não a
vêem desta forma, encarando-a de maneira instrumental apenas?.

Em painel sobre a iniciativa, representantes das entidades promotoras
destacaram
como alvo da campanha os modelos de comunicação dos países do
continente,
marcados por uma profunda concentração e pela ênfase nos meios
comerciais, e
o processo de desenvolvimento tecnológico na área, cuja intensidade tem
apartado o conjunto da população sobre as decisões acerca de seus
rumos.
?É preocupante a forte concentração de propriedade dos meios. Impõe-se
no
continente um discurso único, do império, que expressa os interesses de
quem
controla a economia e as forças militares?, disse Busso. ?Os meios têm
se
transformado em posse de poucos grupos privados que deles fazem uso
conforme
seus próprios interesses?, completou Sally Burch, da Alai.

Na opinião dos presentes, um fator que contribui para o aprofundamento
deste
cenário é o avanço tecnológico, cuja velocidade tem feito o mercado
protagonizar a organização dos sistemas de mídia frente à dificuldade
de
acompanhamento dos processos regulatórios nacionais. ?O desenvolvimento
tecnológico se dá de forma tão violenta que faz parecer não haver outra
alternativa. Este debate é vendido como coisas de especialistas e
precisamos
ver como quebrar esta lógica, pois há um potencial de apropriação muito
grande destes meios?, analisou Ovaldo Leon, representante da Alai, em
outro
debate promovido sobre o tema durante o Fórum.

Em contraposição a esta tendência, os militantes defendem a recuperação
do
papel humano enquanto sujeito da técnica. ?Quem faz comunicação são as
pessoas, não as tecnologias. O avanço digital tecnológico não pode
criar um
muro entre incluídos e excluídos digitais. No meio digital a informação
fica
reduzida a 0s e 1s e quem dá o valor agregado a ela são as pessoas, é a
criação humana?, defendeu Carlos Rivadeneyra, da Amarc América Latina.

Para Rivadeneyra, a construção de marcos regulatórios democráticos é
importante para a promoção do direito à comunicação através de
políticas
que incentivem a prática do mesmo. Esta prática se daria por meio da
criação
de meios alternativos, cidadãos e comunitários, que estariam ligados
diretamente à base da população. No entanto, uma das principais
questões
levantadas pelos debatedores da mesa foi a necessidade de que estes
meios não
sejam encarados enquanto formas menores ou inferiores de comunicação.
?Não
queremos meios marginais, pequenos, pois isso é uma via de escape deste
sistema
que nos oprime?, falou Nestor Busso.

Experiência local
Para falar sobre este tema esteve presente no debate Aran Arahonian,
diretor da
Telesur, emissora multi-estatal promovida principalmente por Hugo
Chávez para
ser um contraponto latino-americano à informação das agências
internacionais sobre o continente. ?Construímos a Telesur com a
perspectiva
de combate e de que o alternativo não pode ser marginal Para sermos
alternativos temos de ser massivos, não podemos nos contentar com um
alcance
pontual. Temos de ter uma proposta comunicacional com muito melhor
conteúdo do
que aquilo que nós estamos combatendo?, falou Arahonian.

Segundo o diretor da Telesur, a emissora é um projeto político e
estratégico
por que recupera o caráter público da comunicação, constrói uma
informação massiva e contra-hegemônica e mostra a América Latina em
toda
sua diversidade. ?Hoje para ver a AL você tem de ligar a CNN ou a BBC,
redes
que passam informação com olhar do norte?, criticou, fazendo referência
aos
canais em espanhol destas duas redes, que possuem forte alcance os
países
latino-americanos. Para Arahonian, a prova do papel fundamental da
Telesur
está nas represálias vindas dos EUA, como a emissão de sinal
radioelétrico
para prejudicar o envio do sinal emissora logo no início de suas
transmissões.

Segundo o diretor da Telesur, o maior desafio da emissora hoje é a
distribuição do sinal. Atualmente a Telesur não possui concessão em
nenhum
país e funciona via satélite, o que atinge cerca de 10% a 15% da
população.
?Por isso, estamos buscando convênios com emissoras regionais e
comunitárias
para a veiculação da programação da tevê?. No Brasil, a Telesur é
retransmitida pela TVE do Paraná e pela TV Comunitária de Brasília.

A comunicação na Venezuela foi destaque nos debates sobre comunicação
do
Fórum também pela participação do vice-ministro da área, William
Castillo,
em uma das mesas. Para Castillo, o país pode ser um laboratório para
assuntos
como a relação da mídia com a soberania política e papel dos meios na
disputa de hegemonia. Ele citou a aprovação da Lei de Responsabilidade
Social
de Rádio e TV no início de 2005, considerada pela mídia comercial
venezuelana
como um atentado à liberdade de expressão. Não por acaso hoje já quatro
ações no Supremo Tribunal de Justiça do país impetradas pelas emissoras
comerciais contra a norma.

?A concepção da lei é que o espectro eletromagnético é um bem público e
pertence aos venezuelanos. Ela trabalha com a responsabilidade dos
meios pelo
conteúdo transmitido, um debate clássico de uma sociedade democrática.
Se a
liberdade de expressão existe, existe também o direito do cidadão de
ser bem
informado e de participar do processo comunicativo?, defendeu o
vice-ministro.

Castillo afirmou que este episódio é um bom exemplo da articulação
entre os
grupos midiáticos comerciais latinoa-mericanos em luta contra a
regulação de
sua atividade e os grandes conglomerados ligados ao império. A chuva de
críticas dos grupos empresariais locais foi acompanhada por uma
propaganda em
outros países, especialmente nos EUA, sobre uma suposta estatização e
controle da mídia venezuelana por parte de Hugo Chávez. Os dados dizem
o
contrário.

Segundo o representante do governo, há hoje na Venezuela 41 emissoras
de TV e
430 emissoras de rádio privadas, controladas por oito grandes grupos
empresariais que foram beneficiados por uma legislação frágil feita nos
anos
40 até a aprovação da nova Lei. Já o Estado, que supostamente
controlaria a
comunicação no país encabeçado por Chávez, possui duas TVs e duas
emissoras de rádio. Somam-se a estes meios cerca de 150 rádios
comunitárias
que vem sofrendo processo de legalização durante a gestão do atual
presidente venezuelano.

O crescimento dos meios comunitários, que só foram institucionalizados
na Lei
aprovada ano passado, segue o processo de democratização da comunicação
no
país. Nesta linha, a Lei ainda estimula a criação de comitês de
usuários
para fazer periódica crítica da mídia, cota de produção independente na
TV
e obrigação de veiculação de música venezuelana e latino-americana nas
rádios. ?E experiência da Venezuela indica que é possível fazer uma
regulação a partir do estado para incentivar a participação.